O contador de estrelas

Iluminando meu caminho


O solavanco abrupto do carro fez com que Seven voltasse os olhos para a figura no banco do passageiro. Observou o sono leve do loiro ao seu lado, pelos óculos chamativos, ele parecia uma criança adormecida, a boca entre aberta e os fios dourados espalhados pelo forro do banco. Apesar disso seu semblante era preocupado, mesmo durante o sono, e Seven agradeceu por não tê-lo acordado.

A noite ia longe lá fora. A lua brilhava pra ele, mas nem a sua luz era suficiente para iluminar a estrada de terra que desbravavam naquele momento, árvores e plantas lutando para engoli-los junto da escuridão da noite. Sorriu de lado quando lembrou que Yoosung ficara aterrorizado quando lhe disse que havia lobisomens nas montanhas, a lembrança dos olhos marejados e o olhar assustado vindo a sua mente, enquanto um riso maldoso lhe escapava pelos lábios. Uma das coisas que mais gostava de fazer era ser mal com Yoosung, e dessa vez Seven sentiu vontade de acordá-lo apenas para implicar com o mais novo um pouco mais. Adorava o olhar irritado que o loiro lhe dirigia sempre que percebia que o outro estava fazendo pouco caso de si. Mas apesar da vontade que tinha permitiu que ele continuasse a dormir embalado pelo balanço do carro na estrada. Não podia usar Yoosung para se distrair naquele momento, precisava se focar na estrada e em mantê-lo seguro da melhor forma que pudesse.

Estreitou os olhos atrás dos óculos, tentando, o máximo que podia, ver o caminho além da luz forte dos faróis. Se sentiu obrigado a xingar o GPS uma trigésima vez aquela noite, mas como todas as outras vezes, a máquina não voltou a funcionar, fazendo o ruivo apertar a ponte do nariz de maneira irritada. Seus olhos ardiam de sono e a sua cabeça começava a latejar. Havia desistido de procurar as horas em seu celular quando a frustração, de ver o quanto já haviam caminhado madrugada adentro, quase lhe deixara maluco. Espiou o loiro pelo canto do olho e isso foi o bastante para Seven desistir de vez.

Que se dane.

Virou o volante para a esquerda e encostou o carro perto que uma grande árvore torta. Sentiu um sono incontrolável alcançar suas pálpebras e, girando a chave na ignição, desligou o carro.

O mundo parecia ter parado. A montanha silenciosa respirava com calma quando o barulho do motor morreu na escuridão. Seven escutou os barulhos na noite e deixou com que seus olhos se acostumassem com a luz pálida da lua lá fora para olhar em volta. Mas seus olhos recaíram sobre a figura adormecida mais uma vez. Um grilo cricrilava na mata e Yoosung continuava em seu sono solto. Se sentiu culpado ante o rosto inocente. Yoosung sempre parecera ingênuo, quase puro demais, mas enquanto o olhava no silêncio do carro, esse sentimento pareceu se intensificar e ele percebeu como fora idiota por trazê-lo consigo.

Por que havia arrastado Yoosung até ali? Se inclinou para a figura no banco ao lado, buscando as respostas nos cílios castanhos, que não combinavam com os cabelos pintados de dourado. Sabia que havia dito que o mais novo era o único que não estava envolvido demais nos próprios problemas, mas ele também sabia que tentava convencer a si próprio com aquilo. A única verdade era que não conseguia imaginar outra pessoa além de Yoosung para estar ao seu lado naquele momento.

Seven nunca se permitiu se aproximar demais das outras pessoas, e o loiro era o mais próximo de um amigo que ele possuía. A verdade era que ele não queria ter que fazer aquilo sozinho, que Yoosung era tudo o que ele precisava para se desfazer da escuridão. Exatamente como uma estrela no céu escuro, e quantas vezes Seven já se pegara contando estrelas no céu, procurando aquela que o guiaria para fora das sombras?

Seven largou o corpo contra o banco do motorista, virando-se de lado para olhá-lo melhor na meia luz. Levou a mão até o rosto alheio, quase tocando a bochecha rosada tão convidativa, mas hesitou no último segundo. Ele sabia que não devia. Resfolegou os dedos habilidosos entre os fios macios, tirando-os da frente dos olhos fechados, e virou-se para o lado da janela. Escutou a respiração tranquila do outro ao seu lado e sentiu-se embalado por ela, por toda a presença de Yoosung no carro. Se sentiu quase seguro ali, mesmo que uma voz terrível dentro de sua cabeça lhe lembrasse de que estavam perdidos e desprotegidos. Mas Seven se rendeu ao sono mesmo assim, mesmo que soubesse que precisaria acordar logo e continuar procurando o esconderijo do hacker. Mesmo assim ele se permitiu se reconfortar com a presença do outro, num mundo onde não estava mais sozinho, pelo menos durante aquele momento.

Olhou para o céu e orou, orou com toda a fé que possuía para que Deus protegesse o pequeno ao seu lado. Para que lhe punisse no lugar e o protegesse, porque ele sabia que ele próprio não seria capaz de protegê-lo se algo acontecesse.

—Desculpe, Yoosung – sussurrou no espaço do carro, as estrelas o olhando pela janela que começava a embaçar.

Mas foram as estrelas erradas que escutaram seu pedido, enquanto a mais brilhante delas dormia ao seu lado. Era melhor assim, se fez acreditar.

Fechou os olhos ao que estava a sua volta e contou estrelas num semi sono leve, mas o rosto do loiro continuava aparecendo atrás de seus olhos com um sorriso doce. E ele não sabia mais se estava contando estrelas pra dormir, ou se era Yoosung que tomava sua mente para o mundo dos sonhos.

E Seven sabia, com ele ao seu lado, ele não precisava mais contar ou procurar. Sua estrela estaria bem ali ao seu lado, iluminando seus passos enquanto caminhava.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.