O táxi pareceu ir com uma velocidade que eu poderia agradecer. O taxista estava com tanta pressa sem mesmo saber o que aquele momento significava para nós. Para ele. Se Ryan pudesse, dirigiria em seu lugar à caminho da Glam. Podia sentir seu coração palpitando insistentemente quando ele apertou minha mão.

Não podia fazer nada à não ser torcer para que, dessa vez, fosse real.

Tinha que ser real.

As luzes do edifício estavam parcialmente apagadas e as portas fechadas. Era assim que ficava, durante os últimos dias, porque Roger sempre queria que alguém estivesse ali, pronto para atender qualquer chamada, mas ao ver aquilo Ryan ficou confuso.

— Nos chamaram aqui à toa? — Bateu a mão no vidro depois de tentar abrir a porta. — Está fechado!

— Ryan, Ryan! — Coloquei a mão sobre a sua sobre a maçaneta e empurrei a porta mais uma vez, nos dando passagem para dentro. — Você só estava tentando abrir do lado errado.

— Meu Deus, estou tão... — Disse, sem terminar enquanto apertava o botão do elevador incansavelmente.

— Eu sei. Está tudo bem. — Toquei suas costas à fim de acalmá-lo, mas era em vão.

Quanto mais ficávamos próximos do nosso andar, sentia que tudo isso era mesmo real. Nunca vi Ryan daquela forma e isso deveria ser porque ele sentia. Alguém encontrou sua irmã.

Seus pés quase flutuaram no chão à medida que ele caminhava. Roger nos esperava no lugar que ficava a minha mesa e dois oficiais estavam ao seu redor, com um fax em mãos.

— Estou aqui. O que vocês têm à dizer? Encontraram minha irmã? — Ryan estava sem fôlego e apoiou uma mão sobre a mesa.

— Precisamos que você se acalme, agora. — Roger levantou as mãos. — Houve uma ligação, há quase duas horas e as recomendações anônimas condizem com a nossa história.

— Vocês demoraram duas horas para me ligar? — Levantou a voz, irritado.

— É o procedimento padrão. — Respondeu o policial. — Precisamos conferir antes de repassar aos familiares uma noticia tão importante. Seu caso teve o reconhecimento da mídia e isso te coloca em contato com milhares de civis, nem todos com boas intenções.

— E o que vocês conseguiram? — Perguntei, olhando Roger e o policial. — O que disse a pessoa que ligou?

— A ligação foi de uma senhora de origem latina, dizendo que seu neto viu na Internet toda a repercussão sobre o caso e informou o número que ela deveria ligar, pois ela conhece uma moça idêntica à Mary que chegou ao bairro há algum tempo, sem familiares. Sua irmã não sendo latina não passa desapercebida em lugares assim. — Olhou diretamente para Ryan. — Em todo caso, há alguns pontos que confirmar, porque apesar de ter dado várias descrições, podem divergir da sua irmã, como, por exemplo, ser uma moça de cabelos castanhos e se chamar María.

— María? — Ryan me olhou com estranheza. — Cabelo castanho?

— Vale lembrar que se passaram anos desde sua ultima comunicação com a sua irmã e mudanças acontecem, especialmente em casos de desaparecimento. A cronologia bate com a história da sua irmã, então é essencial conferir. — Prosseguiu um dos policiais.

— Que seja, eu mesmo confiro. — Ryan puxou um post-it e uma caneta da minha mesa. — Qual o endereço?

— Não é apropriado que o senhor vá sem a confirmação, sr. Wentz. Amanhã, pela manhã, teremos uma resposta definitiva e a levaremos até a delegacia para o reconhecimento.

— Perguntei onde está a minha irmã? Que se dane os padrões!

— Ryan! — Chamei sua atenção. Ele não podia terminar a noite preso. Logo agora.

— A pista foi em Washington Heights. — Roger digitava em seu celular enquanto dizia. — Te enviei a localização. Acompanhe-o, Pierce, o local é perigoso.

Meu chefe nunca fez nada bom para mim ou para qualquer pessoa até então, mas agora ele quebrava o protocolo, dando à Ryan o que ele precisava. Eu sabia que isso não fazia parte da sua bondade e sim, porque ele queria aquela garota viva e à salvo pelos seus próprios motivos, mas ainda assim minha gratidão se tornou infinita depois do feito.

Obrigada, Roger. Eu lhe devo essa.

•••

As ruas não eram iluminadas como deveriam na entrada do bairro, mesmo que houvessem várias pessoas por ali, homens em sua maioria. Eles pareciam ter se acostumado com a escuridão, pois riam e brincavam em voz bastante alta.

O grupo pareceu perceber que não éramos dali à medida que caminhamos usando a luz do celular. Algumas paredes pareciam coloridas e aquele lugar deveria ser bonito durante o dia, mas no momento me causava um pouco de medo.

Ryan, no entanto, não se deixou abater e usou o celular para mostrar fotos de Mary. Alguns balançaram a cabeça negativamente e outros preferiram o silêncio.

— O que querem com essa garota? São policiais? — Perguntou o homem mais alto, que parecia ser o líder entre eles.

— Sou o irmão dela. Minha irmã está desaparecida há anos e, finalmente, me deram uma pista de que ela estava aqui. — Apontou a foto e a mostrou para eles mais uma vez.

— Uma garota loira aqui? Não! Elas todas moram no Upper East Side! — Um deles brincou e alguns riram.

— A polícia disse que ela pode estar morena, agora. — Interferi na conversa. — Vocês têm certeza que nunca a viram?

O líder checou a foto mais uma vez, mas sua expressão parecia não revelar nada. Será que era mentira ou... Que teríamos noticias ruins?

— Sigam até o final da rua e toquem a campainha do prédio 706, digam que estão buscando a senhora Rivera. Talvez ela possa ajudar.

Agradecemos várias vezes enquanto ele indicava que poderíamos passar entre o grupo e seguimos, em passos rápidos em busca daquele número.

A senhora Rivera não demorou à descer e sorriu para nós quando o fez. Felizmente, era a parte mais iluminada daquela rua e poderíamos conversar ali mesmo. Haviam tantas borboletas em meu estômago que eu poderia, apenas, torcer para que elas estivessem certas. Não saberia lidar caso Ryan sofresse uma decepção como essa.

— Senhora Rivera, meu nome é Ryan e busco a minha irmã...

— María. Eu sei. — Confirmou, com seu sotaque forte enquanto nos olhava, mas, especialmente, olhava Ryan. — Agora que ela está morena se parece ainda mais à você.

— Então a senhora viu minha irmã ainda loira? — Perguntou e me olhou logo depois, eufórico. — Deve ser ela, Anna. Tem que ser ela!

Como no? Eu a vi desde o primeiro dia em que colocou os pés aqui. Era uma menina! Uma menina adulta, mas ainda assim tão pequena e frágil.

Era? Por que ela dizia essas coisas no passado?

— Ela era assim quando saiu de casa! Onde ela está?

Como ela está? — Decidi perguntar.

Bien. Bem. Em seu apartamento acima do meu. Ela se tornou uma mulher forte, sabe? María é uma mulher forte agora.

Um garotinho apareceu na porta procurando pela sua avó e a mesma disse para que ele chamasse María. Por mais que Ryan quisesse subir as escadas sem olhar para trás, cumpriu a ordem da senhora em esperar.

Cerca de três minutos se passaram até que começamos à ouvir o barulho nas escadas. O menino, agora, conversava com uma mulher, mas não podia ver seu rosto até que ela chegou na saída do prédio.

Era Mary.

Um pouco diferente pelo cabelo, mas tinha certeza do olhar e os traços que olhei tantas vezes em cada foto. Meu coração pareceu parar de bater quando a vi ali, morena, com franja, de cabelo preso e com uma criança nos braços — um menino.

Mary pareceu ter entrado em choque quando viu Ryan, segurando aquela criança mais forte contra o seu corpo e permanecendo com os lábios entreabertos. Pela sua reação, não foi ela quem nos chamou aqui e, muito menos, sabia disso.

Ryan subiu as escadas que nos separavam de onde ela estava e a abraçou, tirando-a do chão de tanta emoção. Eu poderia chorar com aquilo — principalmente porque ele já estava fazendo isso. Mary, também, soltou o ar depois que foi colocada ao chão e o abraçou, fechando os olhos contra o seu ombro, como se precisasse digerir isso.

Não era fácil para nenhum dos dois e eu sabia, mas não podia, sequer, imaginar pelo que estavam passando em suas cabeças. Minha irmã morava longe de mim, com a sua filha, mas sabia onde ela estava e poderia visita-la se quisesse, Ryan não tinha essa facilidade.

E, então... Mary parecia ter um filho. Era isso.

— Como você está? — Ele perguntou, passando as mãos no rosto e no cabelo dela. — Quem fez isso com você?

— Ryan, eu não posso acreditar! — Sorriu, um pouco triste e envergonhada, segurando o pulso dele. — Não é possível que você tenha me achado, como fez isso? Estou bem. Ninguém me fez nada, precisamos conversar.

— Nós vamos conversar, tudo o que você quiser, eu só preciso ouvir mais mil vezes que você está bem. Meu Deus! — Abraçou-a mais uma vez. — Como não te fizeram nada? Você desapareceu!

— Vamos até o meu apartamento. Você pode trazer a sua... — Mary me olhou, erguendo um pouco o queixo. — Quem é ela?

— Minha namorada. — Ryan disse, de repente, sorrindo ao me olhar. — Anna é a minha namorada.

Aquela noite foi feita para testarem meu coração, porque se antes ele parou de bater, agora estava como uma metralhadora em meu peito.

Ryan encontrou Mary e sua cabeça estava livre, seu coração estava pronto e ele podia expulsar os fantasmas do passado e recomeçar uma vida... Comigo.

•••

O local era pequeno e pouco arejado, mas parecia estar ocupado por completo. Enquanto subíamos as escadas ouvimos músicas, conversas e vimos crianças brincando pelo corredor. Mary não estava sozinha e isso acalmava até à mim.

Aquele era o prédio da senhora Rivera e, se eu confiasse na minha intuição jornalística, fora ela quem nos levou até ali. Mesmo que seu neto— o mesmo que nos levou Mary até o lado de fora do prédio — fora quem teve a ideia, ela parecia justa demais para guardar uma garota e não pensar na dor dos familiares.

— Tenha seu momento com eles, estarei no meu apartamento se precisar. — A senhora sugeriu.

Gracias. — Mary usou seu melhor sotaque para responder antes de nos indicar para entrar em seu apartamento.

Ryan olhou cada canto daquele lugar, como se tirasse foto com os olhos, em caso de precisar em outro momento. Foi, esse, o primeiro motivo que o fez fotógrafo — guardar imagens para mostrar à Mary ou mostrar para a polícia para encontrá-la. Ele não perderia essa mania tão fácil.

— Você mora aqui? — Perguntou, com as mãos nos bolsos. — Sozinha?

— Com Tomás. — Percebeu sua estranheza e apontou a criança com a cabeça. — Meu filho.

— Seu... Filho? — Ryan se assustou. — E como vocês se mantém? Você trabalha? De quem é esse filho? Foi consentido?

— É por isso que te trouxe até aqui, a história é um pouco longa. — Sentou-se na poltrona de couro e nos apontou o único sofá. — Quando terminei com Kyle, comecei à sair com um cara. Manuel, ou Manny. Nossos pais não gostavam dele porque diziam que ele era diferente ou pobre, se você quer saber. Manny tinha seus erros, mas era um bom homem para mim e naquele momento, só queria ver a vida, ver tudo o que podia, de todos os jeitos...

— Ele te sequestrou? Vocês fugiram?

— Manny me sugeriu fugir para Washington Heights porque, como vocês perceberam, você nunca viria até aqui por livre e espontânea vontade. — Sorriu, mais uma vez triste. — Em primeiro lugar, não aceitei, era maior de idade e isso não significaria fugir. Na minha cabeça, se continuássemos namorando, nossos pais logo aceitariam, mas não foi bem assim, na prática. Não sei se descobriram algumas das coisas que ele fazia, mas quiseram me proibir de estar com ele. Como eu era nova, até pensei em aceitar e substitui-lo por outro, mas... Me descobri grávida e Manny era minha única opção, se quisesse manter meu bebê.

— Você poderia ter me dito! — Ryan passou as mãos no rosto e se encostou ao sofá. — Nunca deixaria que eles te forçassem à nada!

— Eu não sabia! Te amo, Ryan e confio em você. Te vendo aqui, hoje, procurando por mim sem cansar, vejo que me ama, se preocupa e é confiável como sempre foi, mas naquele momento não sabia em quem confiar e fugi.

— E, então, você quis um... Disfarce? — Perguntei.

— Mais ou menos isso, tudo foi ideia dele. Escureci meu cabelo e troquei meu nome, mesmo que eu não seja de origem latina, ele era e fui bem aceita pela comunidade e essas coisas me esconderam aqui. Eu assumi uma identidade nova e fui tão bem acolhida aqui, sem julgamentos, foi diferente para mim e resolvi adotar esse lugar como meu.

— Não consigo acreditar. — Ryan massageou suas têmporas. Ele estava tão nervoso e eu não podia ajudar. — Você conseguiu uma família e não sentiu nossa falta nenhum dia? Você não foi nos ver ou deu nenhum telefonema!

— É claro que senti saudades, mas estava feito! Pensei no bebê e...

— E ele nasceu, está grande! — Rebateu, alterando a voz.

— Ryan, mantenha a calma, a criança está assustada. — Segurei sua mão. — Uma mãe é capaz de tudo por um filho. Se Manny prometeu segurança e, como podemos ver, ela está segura, vocês podem recomeçar.

— Acho que você tem razão. — Suspirou. — Então você disse que mora com Tomás? Onde está Manny?

— Manny e eu terminamos um pouco depois que Tommy nasceu, mas ele não deixa de cumprir suas obrigações com o meu bebê. — Beijou o rosto do seu filho. — Não temos muito, mas estamos bem por enquanto.

— Você tem alguma ocupação? — Perguntei com interesse. — Trabalha ou estuda?

— Acho que essa foi a parte triste de me esconder. Não poder estudar ou ter um grande trabalho. Ajudo a senhora Rivera à fazer e vender doces e é o que me distrai, mas se eu pudesse, seria atriz de cinema, uma grande modelo, uma superstar. — Brincou, olhando para cima.

Dessa vez Ryan e eu nos olhamos porque tínhamos a solução, sem que Mary soubesse. Desde que chegamos ali, nosso foco foi perguntar sobre sua vida e seus dias trancada em um mundo que ela decidiu estar, mas ainda faltava tanto por dizer — incluindo que ela poderia ter a porta aberta para o seu sonho, se quisesse.

— Acho que podemos ajudar com isso. — Sorri.

— De verdade? — Riu e olhou nós dois. — Como?

— Ryan e eu trabalhamos em uma editora de revistas, a Glam Magazine, para ser específica. Seu irmão é fotógrafo e eu, editora júnior, mas essa não é a parte importante. Eles procuram, especificamente por você para a edição do próximo mês.

— Por mim? Como? É por isso que estão aqui? Desculpa, eu ainda não entendi como me acharam. Foi pela Glam?

— Não! Me expliquei mal! — Balancei as mãos. — Ry, explique para ela.

— Procurei você a vida toda, Mary, mas ultimamente, não havia mais nenhuma luz. São anos buscando você! Anna me ouviu e resolveu usar nossa plataforma para que seu rosto se espalhasse por todo o país e, pelo menos, pudéssemos ter o desfecho do seu caso, mas isso não seria possível sem toda a ajuda de Kyle e todas as provas, áudios e teorias que ele fez ao longo desse tempo.

— Kyle? Kyle Wood? — Perguntou assustada.

— Acho que não teve um único dia que ele desistiu de saber o que houve com você, Mary. — Respondi, com honestidade.

— Meu Deus! — Olhou ao redor com lágrimas sobressaindo. — O que fiz com todos vocês? Eu pensei que fosse o certo, mas agora... Não sei o que pensar ao respeito.

— Todas as histórias possuem dois lados, agora você sabe o nosso, mas, isso não é o que importa... — Ele se levantou do sofá e abriu os braços, também emocionado. — Vem aqui.

Mary o abraçou com tanta força que o fez dar um passo para trás e rir durante o abraço. Eles precisavam rir e chorar, expressar cada emoção um para o outro.

Mesmo que ainda houvesse o que conversar, explicar e perdoar, palavras nunca seriam suficientes em um momento como este.

E ali estava eu, observando os dois, sem me mover. Era a minha vez de tirar fotos com os olhos e guardar aquele momento por toda a vida.