O amor também é química

Único –– A combustão de dois corpos


Estavam no último período, e depois daqueles próximos cinquenta minutos ele poderia ir para casa e aproveitar o final de semana que tanto presava. Infelizmente, antes que pudesse canta vitória vinha a desgraça, sua desgraça particular: química.

A questão é, Shizuo nunca fora um bom exemplo de aluno: ele matava aulas, tirava notas baixas e principalmente, tinha a enorme capacidade de destruir o patrimônio local em prol de sua força sobre-humana – mas ele estava um pouco melhor em não quebrar as coisas, um pouco. De toda forma, entre todas as matérias que ele poderia descartar, a que mais lhe fazia perder a pouca paciência que tinha era aquela maldita química, céus, como algo podia ser tão horrível?

Ele não entendia absolutamente nada. Eram misturas, fórmulas, métodos, elementos e… inferno, como ele poderia decorar tanta coisa? O que diabos era cinética química e onde ele usaria aquilo?

Entretanto ele havia prometido a Kasuka que o incidente do trimestre passado não iria se repetir – incidente este que consista em um Shizuo nervoso, mais uma nota ruim, mais algum composto a base de carbono… bem, isso obviamente resultou em alguma combustão. Desde então ele sabia que deveria se controlar.

Todavia, falar e fazer são como água e óleo.

— Merda de fórmula, merda de matéria, merda, merda! — comentava consigo mesmo.

Suas falas agitadas chamaram a atenção do professor de imediato, que já tinha conhecimento da fama do rapaz. Bem, quem não tinha afinal?

— Heiwajima, algum problema?

Sim! Havia um problema, haviam muitos problemas, na verdade. O ponto era que ele não estava conseguindo entender absolutamente nada, e tal coisa acabava tornando-se uma adversidade em sua vida pois fazia com que ele descumprisse a promessa que havia feito com Kasuka e isso o deixava extremamente nervoso o que fazia ele descumprir uma promessa que havia feito consigo mesmo.

Obviamente ele apenas movera a cabeça, negando

— Sensei, acho que o Shizu-chan não parece estar muito bem. — comentou uma pulga intrometida, comedido por seu tom sempre irônico demais — Acho que ele está queimando os poucos neurônios que tem para conseguir concluir a atividade.

Ah, e havia aquilo também. Quando recebeu a grade de horários, ele não imaginava que teria de dividir todos os três períodos de química que tinha ao longo de semana com a maldita pulga que era Izaya. O desejo incontrolável que ele tinha de agarrar o outro e arremessá-lo pela janela apenas se intensificava.

— Orihara, deixe o Heiwajima. — falou o homem de meia idade que, assim como o restante da escola (e cidade) já tinha conhecimento da rixa entre os dois — Você já terminou sua atividade?

— Aqui está. — respondeu o outro, dando ombros enquanto estendia a mão com a folha de atividades completamente resolvidas. Provavelmente gabaritara.

Esse era mais um por que de Shizuo odiar a Izaya, o maldito era simplesmente excelente em química. Na realidade, ele era bom em praticamente todas as matérias, mas era frequentemente um aluno infrequente, porém, ele curiosamente sempre tratava de aparecer nos períodos de química.

Alguns arriscavam dizer que era pelo fato do Orihara ter certo apresso pela matéria, já alguns acreditavam que quartas e sextas (dias da matéria) seriam os únicos momentos em que ele poderia comparecer a aula. Mas Shizuo sabia. Sabia a verdade. E não era nenhuma daquelas merdas, ele sabia que o motivo de Izaya sempre aparecer em tais dias era apenas por sua pessoa, sabia que Izaya fazia de propósito para provocá-lo, instigá-lo, trazer seu lado violento tão odiado a tona, apenas porque ele achava divertido. Era verdadeiramente angustiante ter de ficar com aquela pulga sem poder matá-lo.

— Ótimo, Orihara, — pronunciou-se o Hinami-sensei após alguns curtos minutos — como já terminou sua atividade pode ir embora. Nos vemos semana que vem.

— Ah, mas já? — questionava o jovem, num semblante aparentando descontentamento — Eu gostaria de ficar mais, mas se minha presença já não é mais necessária, estou indo.

Shizuo o observava pelo canto de seus olhos o Orihara guardar seus materiais, foi apenas uma questão de tempo até o outro perceber que ser alvo de olhares e fixar-se no Heiwajima de volta, soltando um de seus muitos sorrisos presunçosos antes de poder abrir a boca e soltar algum tipo afronta para o outro:

— Shizu-chan vai ficar me olhando em vez de fazer seu trabalho, é? — ironizou Izaya — Mas acho que não seria uma boa ideia, já que Shizu-chan tem ido tão mal em química. Eu poderia lhe dar umas aulinhas… mas acho que você seria incapaz de compreender explicações.

Foi obviamente a gota d'água. Nos momentos seguintes apenas foi ouvido um alto de raivoso “Izaya!” saindo da boca do Heiwajima, para logo em seguida uma classe ser lançada violentamente na direção do outro que, ágil como de costume, desviou com facilidade.

Por sorte o objeto não acertou ninguém, mas era obvio que Shizuo teria alguma consequência. A sala da diretoria foi a primeira parte, uma critica e uma suspensão de três dias, de volta a sala ele ainda deveria terminar a atividade, pois esta faria parte da nota final e ele precisava daqueles pontos, por tanto, mesmo ainda fervendo em raiva por culpa de Izaya, ele respirou fundo e tratou de terminar os exercícios.

Ele ficou até depois do sinal bater para conseguir terminar tudo em prol dá uma hora que havia permanecido na diretoria, o professor parecia tão exausto quanto ele, mas concordou em deixá-lo terminar tudo naquele mesmo dia, pois as notas seriam fechadas na semana seguinte, e Shizuo esperava não ficar de recuperação daquela vez.

Quando finalmente terminou tudo, e conferiu duas ou três vezes, ele entregou ao professor que já dormia escorado em sua mesa.

— Espero que tenha ido bem dessa vez, — comentou o homem, analisando a folha por cima dos olhos.

— Eu também. — declarou Shizuo num sussurro, numa confissão silenciosa e esperançosa.

— Bem, Heiwajima, teria como você levar esses livros até o laboratório para mim? Depois disso você está liberado. — pediu o professor, apontando para a pilha de livros, num pedido envergonhado.

Ele apenas acenou positivamente e agarrou os quarenta objetos sem esforço algum, carregando-os para o local indicado. Houve alguma dificuldade quanto a achar a abertura da porta, mas ele finalmente deixara os livros sobre uma mesa qualquer, finalmente livre para aproveitar seu final de semana.

— Shizu-chan, conseguiu terminar o trabalho? Até que demorou menos do que eu esperava.

No minuto que se seguiu Shizuo já havia virado para trás até encontrar a figura do Orihara que lhe sorriu aparentemente amigável antes de enfiar um estilete contra sua costela, perfurando o local, que manchava sua camisa branca com o vermelho do sangue.

— Pulga maldita… que merda você está fazendo? — inferno, ele não admitiria, mas aquilo estava doendo.

O Orihara sorriu e levantou o punho contra o estômago do outro, aprofundando o corte e macerando o local que havia atingido.

Shizuo arfou por conta da dor e desequilibrou-se, tendo que escorar-se sobre a mesa que havia ali, utilizada para assegurar os diversos frascos e objetos utilizados quando os alunos deveriam fazer alguma experiência. O Heiwajima obviamente não permaneceu parado durante muito tempo, agarrou um banco que havia e jogou na direção do amigo, que desviou, ainda com um sorriso em seu rosto.

O homem mais forte de Ikebukuro sentiu algo fisgando em sua caixa torácica e no que tossiu, sangue escorreu por seus lábios. Merda, aquilo provavelmente viria a incomodá-lo nos próximos dias, o que apenas o irritou mais.

— Shizu-chan, parece que você está machucado, — ele sorriu, enquanto se ajoelhava no chão, ficado na altura do outro que sequer percebera que havia escorregado — deixe-me ajudar.

Orihara pressionou a mão contra o objeto afiado, cravado contra a pele de Shizuo para, sem aviso algum, arrancá-lo. O sangue que antes parecia ter se estancado, agora escorria com certa liberdade pela ferida, fazendo com que o Heiwajima alcançasse a mão até o local, na tentativa de parar o sangramento.

— Izaya, que merda! — rugiu, sentindo lentamente um atordoado em sua cabeça, denunciado que aquilo poderia estar mais sério do que ele gostaria — O que pensa que está fazendo?!

— Shizu-chan não deveria falar tanto, talvez o corte tenha acertado algum de seus órgãos vitais. — riu divertido, para o psicopata, nada passava de uma grande piada afinal — Acho que foi o pulmão, ou será que não, o que você acha, Shizu-chan?

Shizuo foi impedido de responder pelo gosto amargo que invadiu sua garganta, ocupando sua boca em questão de segundos, sem permissão. Ele cuspiu o sangue ao seu lado, tossindo em seguida. Talvez ele devesse se preocupar mas, céus, já havia sido atropelado por um caminhão, quando a merda de um estilete viria a fazer estrago maior?

Infelizmente, para seu azar, o momento era aquele.

— Shizu-chan está todo manchado de vermelho. — observou Izaya — Até sua bochecha.

O Heiwajima arfou por conta da dor e apertou os olhos, tentando ignorar a sensação de queimação que se instalava por sua faringe. Ele gostaria de poder permanecer assim, por certo cansaço parecia lhe invadir e roubar-lhe o ânimo, de repente ele havia ficado com tanto sono. Porém, a sensação de ter algo quente e úmido contra a pele de sua bochecha o fez despertar de sua inercia, e ao que abriu os olhos, não conseguia mais visualizar o rosto de seu inimigo a sua frente, apenas tinha visão parcial de seus cabelos e corpo.

Ele demorou a compreender que a sensação quente e úmida que estava sentindo vinha de Izaya, mais precisamente de sua língua, que parecia extremamente satisfeita ao entrar em contato com o sangue do outro, deixando o Heiwajima completamente abastado e desorientado. Tudo que passava na cabeça do homem com uma força descomunal era “o que está acontecendo aqui?

— Shizu-chan tem um sangue doce, mesmo que amargo. — Orihara comentava, quase ronronando contra a orelha do outro, que sentia algo tremer naquela região.

No que Shizuo percebeu, Izaya já estava novamente com o rosto em frente ao seu. O sorriso invadido pela malícia estava vermelho, manchado de sangue, seu sangue. Os olhos que eram sempre uma mistura de astucia e divertimento, agora carregavam um brilho quente e atrevido, causando certo desconforto a Shizuo.

— V-você-

Ele não conseguia, simplesmente as palavras não podiam sair de sua boca naquele momento sem que um acesso de tosse o invadisse, provocando mais dor e mais sangue. Merda, ele apenas não conseguia dizer nada.

— Shizu-chan, fique quietinho, será melhor tanto para você quanto para mim. — o Orihara sorriu no que percebeu que Shizuo não tinha condições de lhe dar uma resposta, mesmo que os olhos castanhos fervessem nas palavras que ele carregava — Assim, isso, silencioso é bem melhor, não acha? — ele riu — Shizu-chan não sabe como é bom vê-lo dessa maneira, tão previsível e impotente, sem sua força para protegê-lo, é uma visão única.

O Heiwajima levantou o braço na direção do outro que apenas o imobilizou com facilidade, ele sabia que tal tentativa não daria certo, sentia-se mole, esgotado e dolorido, mas jamais deixaria se abater por aquela pulga. Seu orgulho jamais permitiria silenciar-se perante Izaya.

— Tão indefeso… eu poderia fazer qualquer coisa agora, não é, Shizu-chan?

Novamente ele pode sentir a aproximação do outro que, dessa vez, canalizou contra seu queixo, lambendo e chupando, vez ou outra descendo um pouco. A essa altura o Heiwajima tinha os olhos completamente arregalados, sentia-se acuado pelo outro pois não conseguia premeditar o que se passava na mente de alguém como Izaya, um completo psicopata. Suas mãos tremiam de leve, ele não tinha certeza se pela falta de sangue ou se pelo nervosismo que se alastrava em seu corpo, desconcentrando-o e ocasionando aqueles arrepios esquisitos que ele negava sentir na presença de Izaya, e pior, por causa de Izaya; era simplesmente inaceitável.

O peito de Shizuo apertou quando percebeu o outro cansar-se de seu queixo e passar para a região do pescoço, mordendo, lambendo, chupando e usando da pele do Heiwajima como bem queria, deixando o mesmo sem conseguir expressa quaisquer reações perante aquilo. De qualquer forma, Shizuo não podia compreender, mas ele sabia que Izaya sim, e sabia, também, que o outro fazia aquilo propositalmente para deixá-lo confuso, estava brincando com ele e ele simplesmente não tinha forças para nada!

— Shizu-chan deveria ver sua cara, — o outro disse, sorrindo, após pausar as estranhas carícias — é de quem está gostando. — completou com um olhar que pingava malicia.

— Ora, seu…!

Ele não pode terminar a frase, não por decorrência de um outro ataque de tosse, e sim por uma língua molhada e quente que adentrava em sua boca, sem qualquer aviso ou permissão. E ele tinha certeza de que havia desmaiado, afinal, ele e Izaya estavam… não, eles não poderiam, certo? Aquilo era impossível, não é?

Aparentemente não era, e ele teve certeza disso quando sentiu seu lábio inferior ser puxado com certa brutalidade por uma outra boca faminta, que o mordia e logo chupava, indelicadamente, causando um desconforto; havia provavelmente cortado.

Ele não admitiria que a sensação não fora de todo ruim, que talvez pudesse ter arfado, não pela dor, mas sim pela surpresa de sentir um prazer tão incomum, tão improvável, tão bom. Era gostoso, tinha um sabor de luxuria. Do amargo e do doce, um sobre o outro, na tentativa de sobressair-se, mas não havia vencedores naquela dança, apenas um empate silencioso, calado pela tentativa de soberania de ambos os lados.

Seria ainda mais impossível que ele viesse a aceitar o fato de que as mãos de Izaya, arrancando sua camisa sem o menor cuidado e lhe marcando a pela já manchada pelo líquido vermelho fora algo quente, que ele não conseguia definir em palavras, apenas sabia que seus suspiros estavam intensificados entre a dor e o prazer de ter seu pior inimigo lhe causando tais sensações.

Ele negaria tudo, esconderia qualquer que fosse a verdade daquele momento e roubaria para si quaisquer memórias, gostos ou suspiros que qualquer um dos dois pudesse ter formulado naquele laboratório de química. E quando seus olhos se abriram novamente, e foram parcialmente ofendidos com a luz clara da sala do hospital da cidade ele sabia, sabia que a realidade dos momentos anteriores estava tão deturbada que se ele simplesmente ignorasse viria a ser tornar apenas algo que ele sonhara, então, assim o fez.

Ele e Izaya não passavam de uma mentira e, partir daquela tarde, ele percebeu o quão bons mentirosos poderiam ser.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.