Então lá estava ele. Demorara menos que o previsto para chegar da viagem. Anna estava parada em sua frente após um abraço muito intenso. Ela o olhava nos olhos enquanto acariciava de leve os seus cabelos que estavam meio presos e meio soltos, mas se movimentavam com a suave Brisa que vinha pela janela. Ele sorria para ela e parecia estar genuinamente feliz. —Mas para quê tudo isso? — pensei — não fazia tanto tempo que fora viajar. Parecia que não se viam a anos.
Finalmente, Archie percebeu minha presença. Eu realmente estava feliz em vê-lo. Então quando olhou para mim, fui até ele e o abracei fortemente.
— Pensei que ia demorar mais duas semanas - falei com curiosidade
— Pois é, aconteceram alguns imprevistos. Eu contarei a vocês depois. — disse voltando-se novamente para Anna. — Que tal nos reunirmos no Jardim ao anoitecer? Assim os digo como foi a viagem.
Antes que eu pudesse falar qualquer coisa, Anna falou:
— Ótima ideia! - fiquei um pouco incomodado, pois já tinha marcado com Anna sozinhos, mas seria só hoje e eu estava bastante curioso para saber por que Archie voltara mais cedo. — Bom, é melhor eu ir. Sua mãe deve estar precisando de mim.
— Até mais tarde — Archie falou enquanto ela saía
Ela abriu a porta do closet e entrou sem olhar mais para trás.
— Então, quais são as novidades por aqui? — perguntou Archie, agora olhando para mim — quer dizer, tirando as pobres coitadas com quem você anda se atracando a noite. — falou, rindo
— Bom, sobre as garotas, gostaria de salientar que elas nunca negaram nada. Muito pelo contrário, elas espressaram muito bem sua... — pensei em uma palavra mais leve — alegria, digamos, enquanto estavam comigo. E eu não as culpo. Quem conseguiria negar algo pra mim? — falei rindo, sarcástico.
— Ah, claro. Com certeza. Você está certo. — disse ainda mais sarcástico do que eu. — Mas agora, falando sério. O que aconteceu enquanto eu estive fora?
— Bom, na verdade não aconteceu nada demais. Sinceramente, eu tenho estado tão atarefado, que mal tenho tempo para conversar com as pessoas.

Isso era verdade. Eu tinha muitas tarefas como futuro rei. Assinar documentos, fazer aparições em público, participar de inaugurações de hospitais, escolas e lojas... Não sabia mais se era isso o que queria para mim, mas era meu destino. Não havia mais para onde correr. Ouvi um barulho na porta e para a minha não surpresa, era George, meu assistente e conselheiro. Era um homem com uma aparência simpática. Tinha cabelos grisalhos, presos para trás e sempre usava calças muito parecidas com calças de montaria. Além disso, usava um grande sobretudo azul, com várias medalhas e títulos de quando era mais novo. Ele olhava para mim, e eu já sabia exatamente o que significava.
— Archie, eu preciso ir. Te vejo no jardim ao anoitecer.
— Estarei lá.
Me dirigi até a porta, olhei para George e comecei a andar enquanto ele me lembrava de todos os compromissos que eu teria durante o dia. Eu tentava prestar atenção, mas minha cabeça estava em outro lugar. Estava pensando sobre o que Anna me falara mais cedo; me preocupava, pois não sabia quem eram os homens e o que poderia fazer para impedí-los de fazer a mesma coisa com outras serventes do castelo. Eu não poderia simplesmente chegar aos outros nobres e lhes dizer o que sei, pois isso levaria a indagações sobre como eu consegui tais informações, eu tinha medo de colocar Anna em risco; jamais poderia dizer qualquer informação ligada a ela. Teria que permanecer quieto.
[...]
Meu dia passou mais rápido do que pensei. Fui até a inauguração de um hospital, assinei incontáveis documentos, fiquei horas conversando com outros nobres sobre uma quase impossível guerra entre reinos distantes, e andei pelo castelo com uma nova família que havia chegado para resolver assuntos urgentes com minha mãe. Levei-os até a ala oeste e fui ao meu quarto descansar antes de tomar um banho para ir encontrar Anna e Archie no jardim. Estava me sentindo cansado de todos esses compromissos reais. Entrei na banheira e senti a água quente pelo meu corpo. Foi como uma massagem. Poderia ficar lá para sempre, deitado, de olhos fechados, pensando... Me perdi um pouco em minhas reflexões, mas logo acordei, saí do banho e vesti uma calça preta simples, uma blusa branca e, por cima, um colete marrom. Andei rápido, pois o sol estava quase se pondo; já estava na hora de ir até o jardim. Chegando lá, avistei Anna ao longe. Ela estava usando um vestido azul escuro e seus cabelos ondulados semipresos balançavam ao vento. Seu olhar, que parecia despreocupado e tranquilo, mirava as flores que estavam do outro lado do jardim. Estava linda. Não que não estivesse sempre, era, provavelmente, uma das moças mais bonitas que eu conhecia, mas naquele momento, parecia radiante e serena ao por do sol.
Por fim, ela direcionou seus olhos para mim, sorriu e começou a andar em minha direção. Enquanto andava até ela, tentei não lembrar do que acabara de pensar.
— Olá. Não pensei que fosse chegar agora. — ela me falou enquanto colocava seus cabelos em cima do ombro — O por do sol não está lindo?
Olhei em seus olhos e disse
— Sim, está lindo.
Esses momentos eram complicados para mim. Sempre foram. Eu estava em frente a minha melhor amiga, mas era como se fosse outra pessoa. Meu pensamento foi interrompido quando a vi olhar para o lado e sorrir. Eu já sabia o que era, então olhei para o lado e sorri para Archie, que já estava se aproximando. Todos fomos até o esconderijo secreto para conversarmos sem que ninguém visse. Ao chegar lá, logo Anna falou um pouco sobre a nova família nobre que havia chegado ao castelo e começou a perguntar:
— Então, por que nos chamou para conversar aqui? Parecia algo serio.
Archie olhou para os lados para ter certeza de que poderia falar.
— Bom, aconteceu algo em minha viagem. Quando eu e os guardas estávamos chegando perto do reino de Foosfet, percebemos que ele havia sido destruído. Estava tudo queimado ou em pedaços, inclusive as pessoas. No começo não entendemos o que estava acontecendo, até que vimos um garoto chorando embaixo dos destroços de uma cssa. Ele estava fraco, mas conseguimos perguntar a ele quem havia feito aquilo. Ele nos disse que foram os Oxers, não aguentou e morreu na nossa frente. — Olhei para Anna, ela parecia horrorizada. — Olhamos o perímetro e notamos que as pegadas dos cavalos iam para o norte, então resolvemos voltar imediatamente para que não nos encontrassem.
Anna, ainda indignada, falou:
— Meu Deus... Mas quem são esses Oxers?
Eu logo respondi:
—Os Oxers são povos que se rebelaram contra vários reinos que não os quiseram. Inclusive o nosso.
— Então isso significa que eles virão para cá?
— Não se preocupe com isso. Se vierem, estaremos preparados. — Archie falou tentando tranquilizá-la — Sem contar que somos o maior reino da região. Não vai ser fácil passar pelo nosso exército.
Percebi que Archie parecia preocupado demais. Certamente a ameaça era maior do que parecia. Decidi mudar de assunto.
— Bom, aqui as coisas também não estão muito boas desde que você viajou.
— Como assim? - Archie perguntou
— Os nobres estão abusando as serventes. Nós já soubemos de quatro, isso sem contar as que tiveram medo de falar o que aconteceu.
— Meu Deus! Você não contou a ninguém? Minha mãe, ou alguém de confiança?
— Eu contei para ela, mas não podemos contar para mais ninguém, ou fazer algo.
— Por que?
— Por que indagariam onde nós conseguimos essa informação e acabariam chegando a Anna.
— Droga. Havia me esquecido disso.
Anna completou:
— Mas o pior é que elas nem podem se defender...
— Bom, você não precisa de preocupar com isso - falei - não será obrigada a ter contato com esses homens.
— Eu sei, mas eu não sou a única servente que precisa de proteção. Me preocupo muito com as outras meninas.
— Fique tranquila - Archie disse, colocando a mão no ombro de Anna - vamos encontrar uma solução.
De repente, ouvimos o barulho de alguém andando por perto do jardim. Provavelmente um guarda, ficamos quietos e, depois que ele se afastou, decidimos ir embora.
Já estava escuro quando voltei ao meu quarto. A única coisa que eu queria naquele momento era deitar em minha cama e ficar sozinho, apenas com os meus pensamentos. O único problema é que eu havia esquecido que tinha marcado um encontro com Lady Froyer. Só percebi quando ouvi alguém batendo em minha porta e a vi. Mesmo assim, não tive muito tempo para argumentar, pois ela já tinha me agarrado e empurrado meu corpo contra a parede.
— Sentiu minha falta, principe Peter? - ela disse enquanto me beijava e mordia meus lábios - aposto que quer o mesmo que eu...
Eu estava meio sem reação, em qualquer outro dia eu já estaria com ela na cama, mas naquele não. Então eu lhe disse.
— Olha, eu gostaria que essa noite fosse mais especial - falei enquanto a afastava delicadamente — vou até o quarto ao lado buscar umas coisas.
— Tudo bem. Vá, mas não demore — disse enquanto desabotoava seu vestido - estou esperando por você
— Eu volto já. — saí e fui andando pelos corredores pensando onde poderia me esconder. Ela ficaria em meu quarto por um bom tempo. Decidi ir até o quarto de Anna. Ela gostaria de ouvir essa história. Andei, tomando cuidado para não ser visto, passei pela área da cozinha, pulei uma janela e cheguei até os dormitórios das serventes. Fui até a janela de Anna e bati algumas vezes. Ela logo perguntou:
— Quem está aí ?
— Sou eu, Peter. Posso entrar?
— Espere um minuto, estou vestindo uma roupa.
— Tudo bem.
Eu esperei por alguns segundos, fazendo de tudo para não imaginar como ela estava lá dentro.
— Pode entrar.
Então eu abri a janela, pulei para dentro e a vi, com seus cabelos completamente soltos e um vestido um pouco mais folgado do que o normal. Eu não entendia por que não conseguia pensar em outra coisa além de o quanto ela era linda mesmo de pijama.
— Vai me dizer por que veio parar no meu quarto no meio da noite? - perguntou olhando para mim com uma cara de deboche
— Estou fugindo da Lady Froyer.
Ela não conseguiu segurar o riso
— Meu Deus, coitada...
Sentei com ela na cama e falei sobre o que aconteceu no meu quarto enquanto ela ria freneticamente. Depois contei que andava cansado e que os deveres reais estavam me ocupando muito ultimamente.
Eu estava realmente cansado e dolorido. Ela, então, colocou minha cabeça em seu colo e acariciou meu cabelo enquanto cantarolava algumas músicas que aprendera na vila de onde tinha vindo. Eu estava tão cansado que acabei caindo no sono lá mesmo. Acho que Anna também estava com sono porque, quando acordei ela estava dormindo com a cabeça apoiada em meu ombro e sua mão segurava a minha blusa. Fiquei imóvel por um tempo, apenas olhando seu rosto. - será possível que essa garota fica linda até dormindo? - pensei.

Logo, eu me movi bem devagar para que não a acordasse. Tirei meu braço com cuidado, ela se mexeu um pouco e depois voltou a dormir. Depois eu fui até a janela e pulei com cuidado para não fazer barulho. Enquanto andava de volta até o castelo, muitos pensamentos começaram a assolar a minha mente. Não sabia direito o que estava acontecendo comigo. Eu havia trocado uma noite com Lady Froyer, que era uma mulher realmente atraente, para apenas conversar com Anna. Isso não era o meu estilo. Comecei a me perguntar por que estava me sentindo daquela forma, por que eu fiquei incomodado ao ver meu irmão abraçando Anna, por que eu fiquei alguns minutos apenas olhando seu rosto enquanto ela dormia... Eu não poderia pensar nisso. Passei anos da minha vida ignorando essas sensações e esses sentimentos. Era errado. Eu sabia disso. No fundo do meu peito eu também já entendia o que estava acontecendo. Já entendia a muito tempo. Por que ela? Dentre todas as mulheres do reino, por que ela?

Eu tinha que afogar esses pensamentos logo, como fiz desde sempre. Simplesmente não era uma opção pensar nisso novamente. Não era uma opção me apaixonar pela mulher que eu jamais teria.