Epílogo - O veredito

Me escorei com os antebraços sobre o parapeito de uma varanda no topo de uma torre fina e arroxeada. Serix voava habilmente entre as outras dezenas de torres que haviam na cidade flutuante de Dalaran, observo-a com um pouco de admiração.

Ouço passos atrás de mim, Ilormu se aproximou degustando o vinho de uma delicada taça transparente e se pôs ao meu lado com uma feição pensativa.

— Você me ajudará? - eu perguntei.

— Sim, mas preciso fazer algo antes.

— E o que seria?

— Eu deixei o cargo de intendente, Vesno. Irei fazer um memorial para Milena em Eira dos Montes e depois viverei entre os mortais.

— Entendo.

Eu olhei para as casas e torres ao meu redor, os postes já se iluminavam com o crepúsculo rosado presente no céu.

— As pessoas dessa cidade... Me olham como se eu devesse ser executado.

O meio-elfo observou-me com uma expressão apreensiva e disse:

— Acredite ou não, as coisas já estão mais calmas agora. Há algum tempo a situação esteve bem difícil e não foi só para os Renegados e Cavaleiros...

— Sim, eu ouvi os rumores. Os elfos de Quel'thalas foram executados, a plataforma de enforcamento ainda está ali. - apontei na direção nordeste, uma pequena construção de madeira estava no centro de uma praça, ao lado de uma fonte de água cristalina. - Não sinto amor nenhum pelas atitudes da Aliança, eles se esqueceram dos pactos que fizeram com o meu... Com os elfos superiores há muito tempo.

Observei minha mão enluvada pela armadura de placa e tecido negros e prossegui:

— Luaprata está se erguendo com dificuldade, os elfos sangrentos não tiveram tempo de enterrar seus mortos direito e me observavam como se quisessem fazer isso comigo também. Não que isso fosse importante, já que minha mãe e irmã não regressaram a cidade; é o suficiente para mim.

— E quanto a moça?

— Alshira... Não imagino a reação dela ao me ver... Não a encontrei na cidade.

— Bem, muitos elfos, principalmente magos e magísteres seguiram Kael'thas Andassol até Terralém. Assim, creio que a família dela pode ter ido e levado-a consigo. Mas agora que o rei morreu, ela pode ter deixado as forças dele e se aliado a Shattrath.

— É uma boa hipótese, mas por enquanto vou atender ao chamado da Lâmina de Ébano, que obteve avanços significativos em Nortúndria.

Ilormu respirou fundo, se apoiou no parapeito e começou a concordar rapidamente com a cabeça.

— Como é bom não dar ouvido às conexões temporais simultâneas no presente, digo, prever o futuro correto é difícil, são cadeias de escolhas de muitos indivíduos com inúmeras possibilidades de consequências, por isso acabamos vendo mais de um futuro e as vezes até mesmo passado. Estou feliz por me livrar disso por um tempo.

— Nada de destino traçado para assistir a partir de agora.

Ele riu e olhou para Serix, que ainda sobrevoava as casas da cidade enquanto a escuridão da noite consumia o céu, com uma feição otimista no rosto.

— E o que fará agora com as rédeas do destino em mãos? - perguntou ele.

— Hum... receio que é hora de darmos fim ao príncipe Arthas.

Meses depois:

A neve espessa e escura me rodeia enquanto caminho através da imensa planície com nada mais além de gelo negro e mortos-vivos perdidos. Serix, a serpe gélida, voava acima de mim, mas era difícil enxergá-la sob o nevoeiro tempestuoso, que ocupava a superfície do lugar, e o céu coberto por nuvens negras.

Ouço um ruído misterioso a minha direita e aproximei-me calmamente. Encontro um pequeno lacaio totalmente congelado, o vento forte fazia seu corpo estalar. Toco o ombro esquelético da carcaça congelada, após alguns segundos os estalidos tornaram-se mais fortes e frequentes, o corpo do morto-vivo se despedaçou em três partes, o tórax e a cabeça caíram sobre a neve escura e rapidamente desapareceram, enterrados por ela. O resto de seu corpo permaneceu estático e de pé, mas eu optei por continuar minha caminhada para sudoeste.

"Meus sonhos com gelo eram assim?" - penso enquanto observo a vastidão vazia e obscura.

Ouço um rugido vindo de Serix, ela pousou ao meu lado e chacoalhou as asas com empolgação, subi em seu dorso e ela alçou voo. Quando finalmente ultrapassamos o nevoeiro escuro, consegui enxergar a imensa Cidadela da Coroa de Gelo, que se estendia por todas as direções com suas torres e passarelas de metal escuro. Todavia, estávamos diante da construção principal: a imensa torre do trono de gelo.

Diante dos portões, dois acampamentos estavam estabelecidos, um deles pertencia a Lâmina de Ébano dos cavaleiros da morte, o outro era da Aurora Argêntea, que também abrigava a Horda e a Aliança em suas tendas e por isso era quase cinco vezes maior que o acampamento de tendas negras ao seu lado.

Serix pousou diante do acampamento familiar, após isso, deixei-a em um estábulo com cavalos, grifos e dragões descarnados, todos eles montarias dos cavaleiros. A serpe se acomodou no espaço semi-aberto em que foi direcionada e pousou a cabeça descarnada sobre suas garras.

Observo o líder da Lâmina de Ébano e o da Aurora Argêntea, Dárion Mograine e Tirion Fordring, respectivamente, conversarem diante dos portões. Uma voz conhecida me chama, envolvida pelo bater de seu martelo sobre uma bigorna.

— Olá, Vesnoshir. Estamos nos preparando para começar o cerco. - disse o ferreiro e cavaleiro da morte de costas para mim, sua armadura era roxa e negra e seus cabelos eram brancos e curtos.

— Finalmente. - disse eu me aproximando. - O que temos para hoje, Ormus?

— Passe elas para cá e veremos.

Retirei minhas lâminas gêmeas de minhas costas e as entreguei ao humano de olhos vendados a quem chamavam de Ormus, o penitente, ele furara os próprios olhos como um ato de arrependimento por ter matado tantos inocentes em nome do Lich Rei. Ele analisou a superfície das duas lâminas anormalmente frias por natureza, devido as runas de gelo que marcavam suas superfície.

— Belas runas essas suas, você sempre teve talento com isso. - disse ele com um sorriso.

— Ormus, você diz isso toda vez que as encontra e sequer consegue vê-las.

— Eu sinto o poder que emana delas, amigo. Apenas uma combinação bem pensada de símbolos rúnicos produziriam isso, e você nunca deixou de ser um estudioso.

— Talvez.

— Bem, as lâminas estão bem afiadas e o envoltório do cabo está em ordem. Estão prontas para o que vem a seguir, por enquanto tenho que deixar essas aqui prontas. - disse ele erguendo três lâminas inacabadas e separando uma para martelá-la em seguida.

Após cerca de meia hora, Tirion e Dárion convocaram a todos para que se organizassem e, quando estavam todos em posição, começaram a discursar.

— Campeões, esse será o primeiro passo e um dos mais decisivos contra as forças do flagelo, nós estabeleceremos antes uma base dentro daqueles portões antes da batalha realmente começar e adentrarmos esses salões profanos. - disse Dárion Mograine. - Estejam prontos para qualquer imprevisto, para qualquer atrocidade que o Lich ainda esconde sob seu elmo. Mantenham-se firmes e vingaremos todos aqueles que perderam a vida por causa de Arthas.

— Acima de tudo, campeões, mantenham sua fé intacta e esperança em seus corações. - disse Tirion. - Pois o que há além desses portões é inimaginável até agora. A luz e a integridade de nossos espíritos serão imprescindíveis para que permaneçamos de pé e através delas e de nossos aliados nós cumpriremos a justiça e acabaremos com o reinado do rei dos malditos!

Tirion ergueu a Crematória com a mão esquerda, a arma havia sido purificada e reluzia com tamanha luz nas mãos do paladino argênteo. Todos os soldados ali presentes, cavaleiros da morte, argênteos, integrantes da Horda e da Aliança rugiram em aprovação.

Observo a torre sombria e imensa diante de mim, relativamente distante da multidão concentrada em frente a Tirion e Dárion. Eu sentia que um ciclo estava se fechando e outro se abrindo simultaneamente. Paralelamente a neve pálida e imaculada começou a cair dos céus, admiro os flocos puros, pensativo,

"Não me esquecerei de quem sou e não ignorarei o que fiz, mas me lembrarei de quem eu posso me tornar. Eu não serei mais um escravo.

Pai, eu me lembrarei de seu sacrifício.

Eonys, Lena, George e todos os outros que sucumbiram, vocês não serão esquecidos enquanto eu viver.

Mãe, minha cara irmã Vesneci e Alshira, vocês foram o que restaram da minha família, não desistirei de vocês e eu vou encontrá-las."