O Verdadeiro Lar - A Luz De Safira

Longa Vida à Imperatriz


– Eu estou grávida – repetiu ela à pedido de Po.

Po estava sorridente. Pelo momento se esquecera do que foi decidido pelo Conselho dos Mestres. Abraçou a esposa tomando o cuidado de não amassá-la e seus olhos se encheram de lágrimas.

Se separou dela por um instante e olhou em direção ao ventre. Não podia notar se estava maior ou não, mas sabia que logo cresceria; acariciou onde sabia que estava seu filho.

– Como isso é possível?

– Eu não sei, dizem que a natureza faz coisas estranhas e acredito que seja verdade.

– Pois eu tenho que agradecer a ela pela minha família – dizendo isso, a abraçou novamente.

– Estou muito feliz. Só espero ser uma boa mãe.

– Vamos ser bons pais, Ti.

– Bem, estou com sono e cansada, acho que vou me trocar e deitar.

– Está bem.

Ele a liberou do abraço e foi se trocar também. Ela colocou uma camisola larga e comprida de pano maleável; ali dentro estava com a temperatura normal, mas ainda assim, com o passar das horas a noite se tornaria mais fria.

Po colocou um camisão e uma bermuda, ambos largos. Deitaram-se e ajeitaram para dormir. Tigresa estava usando o braço esquerdo de Po como almofada enquanto o abraçava, ou tentava.

O silêncio que tomou conta do quarto não era incômodo, pelo contrário; assim passaram os minutos até que o sono foi ficando mais presente.

A felina estava tão feliz... logo teria um filhote em seus braços, seu pequeno milagre; estaria em casa com ele e seu marido e conforme fosse, deixaria mesmo de lutar ao menos por um tempo para cuidar da pequena vida que começara.

– Não acredito...

A voz sonolenta dela chamou a atenção do panda.

– Em que? – Perguntou Po.

– Que logo, depois da coroação, você estará em casa comigo e com nosso filho – murmurou caindo no sono, sem nem perceber que seu corpo ficou tenso por suas palavras.

Ir pra casa? Depois da coroação, sem nomear um líder de Yu Qin? Não, não poderia nem que quisesse. E aquilo que o conselho falou? Teria mesmo de se afastar de Tigresa pela segurança dela e do filhote? Por quanto tempo seria isso? Como iria dizer a ela?

Seu coração começou a acelerar e ele tentou se desfazer do nó que se formou na garganta. Sempre tinha que passar alguma dificuldade? Porque não o deixavam viver em paz? A resposta era uma só: universo o escolheu como o lendário Dragão Guerreiro; isso não iria mudar. Se alguém soubesse de seu filho, sua família estaria em perigo. Ele deveria buscar Shifu logo pela manhã sem que sua esposa soubesse, caso contrário, poderia fazer mal aos dois.

A reunião do conselho se repetia em sua mente uma vez e outra...

Aquele fora um dia em que Po ouviu coisas que o machucaram, mas estavam se tornando realidade. Naquela data, como agora, ainda não tinha líder para o povo panda e isso, somado ao casamento, era algo a se temer.

Um casal viver separado? Isso não era vida de maneira nenhuma. Um filhote correr o risco de morte e crescer sem saber quem é? Não era justo.

Cada palavra dos mestres ecoava na mente de Po quando ele ouviu a sentença, decidida assim que chegara a eles a notícia de seu matrimônio com Tigresa.

– Se você não escolher um líder pro seu povo logo, o conselho pode voltar atrás e tirar nossos títulos ou lhe impedir de voltar com Tigresa – anunciou mestre Xiaoxi.

– Por quê?! Me impedir de voltar com ela? - Perguntou o panda gigante.

– Porque, Po, você tem que manter a promessa de proteger sua companheira a todo custo, e se não cumprir e o mal souber de um possível herdeiro do Dragão Guerreiro, isso pode pôr a vida de ambos em risco e nós do conselho não queremos isso. Se não, ela terá que deixar de exercer a função de mestre do próprio estilo e se esconder até o filhote poder se defender sozinho e por segurança, você ficará longe até esse momento chegar - explicou o lagarto de pé para ser ouvido por todos os mestres presentes e representantes das academias.

– Mas não vai acontecer nada, eu já sei quem vou escolher como líder. Quando voltarmos, eu deixo tudo com ele.

– Você tem certeza que não vai acontecer nada, Po? Quer colocar a vida dela em risco? A vida da fêmea que fez você afrontar o conselho, podendo deixar de ser o Dragão Guerreiro? Pelo jeito ela é valiosa demais pra que você mude de ideia, então cuidado com o que decide.

– Quanto antes você anunciar, melhor – aconselhou Mestre Crocodilo.

– Tudo bem. Só preciso ter certeza de que deve ser ele - respondeu Po olhando para a mesa.

É claro que ele estava preocupado em colocar a vida de Tigresa em risco, assim como Shifu e seu pai estavam, mas, realmente poderiam ter filhotes? Espécies tão diferentes.

"É impossível. Ainda se eu fosse um felino, dava, né?", pensava ele. Imaginava se contaria isso à ela e quando o faria. Afinal, ela seria sua família e caso quisessem filhos, poderiam adotá-los, mas a criança estaria crescida o suficiente para saber se defender ou se esconder em casos extremos. Não havia nada errado.

Po recuperou a confiança agradecendo aos mestres por sua chance e a reunião se deu por encerrada.

Mas não era verdade. Ele escolhera um líder, mas não pode ensinar-lhe tudo antes de partir para uma missão que atravessava seus planos. Se não fosse esse casamento, ele estaria terminando o treinamento dos demais pandas pois os que estão prontos para defender ainda são poucos.

Xue, assim como o panda, não conseguia dormir. Caminhava pelos corredores. Estava sem sono. Não teve mais visões com sua mãe seu pai, não conseguia desvendar o que acontecera para terminar ali.

A vida havia sido generosa para ela e sua irmã, porém a que preço?

A única coisa que via em seus sonhos toda vez que o sono a acalentava era sua irmã roubando a jóia de Tigresa e entregando à alguém; dessas vezes já não vira os olhos da irmã, era como se eles estivessem apagados em seus sonhos.

Toda vez que tentava falar com Ayra sobre isso, sua irmã se mostrava nervosa pelo fato de ser acusada por tal ato, indigno de uma princesa, ainda mais uma imperatriz.

A senhora Fala Macia já lhe havia ajudado o suficiente, embora ainda não soubesse se concentrar para ter visões quando bem entendesse... admitiu que essa “coisas” vinham quando tinham que vir.

– Ai, o que vou fazer? Não posso acusar minha irmã, mas também não sei o que há de acontecer. A coroação está chegando e tenho uma sensação tão ruim...

Foi ao jardim. Estava frio, o inverno era cada dia mais presente. Sentou-se num banco observando o céu sem uma centelha de estrelas, apenas a lua a acompanhava. Ali refletiu sobre sua vida e os motivos pelos quais ela deveria ser a portadora desse dom de sua mãe. Talvez os planos do destino fossem esses e jamais descobriria os motivos dele se o próprio não quisesse lhe mostrar; sabia que havia algo guardado para si.

Passou a noite fora do quarto pensando, aquilo já a consumia.

A manhã chegou e com ela todos despertaram, exceto Tigresa que dormia como se nada mais importasse. Estava tão relaxada que o panda não teve coragem de acordá-la. Ele passou a noite em claro pensando no que fazer. Ela sabia que deveria esconder a gravidez até Po voltar para casa, mas como ele voltaria?

Assim que o gongo soou anunciando a vinda do sol – como se ninguém tivesse janela nos aposentos que o sol não invadisse – ele a deixou descansando e foi ao encontro de Shifu.

Ele se encontrava no mesmo jardim, em posição de lótus e quando Po chegou perto...

– O que você quer panda?

– Tigresa me... me contou sobre o bebê.

– Meus parabéns – a voz do mestre foi um misto de felicidade e raiva; felicidade pelo neto e raiva pela falta de comprometimento de seu genro – o que pretende fazer agora?

– Eu esperava que o senhor me dissesse...

A mesma frase que ele dissera à Oogway na noite em que o mestre se foi.

Shifu abaixou a cabeça e suspirou; nem mesmo ele sabia o que fazer. Contar a ela? Só a deixaria furiosa e faria mal ao bebê.

– Você terminou o treinamento dos pandas?

– Falta pouco. Quase todos os dias fomos atacados e olha que o vilarejo nem é tão próspero assim, tem seus defeitos.

– A única coisa que eu peço é que espere e assim que acabar a missão aqui, te dou duas escolhas: contar a ela e ir para Yu Qin seguindo o que fora decidido na reunião, seguindo com seu título e se afastando dela ou abandonar tudo e voltar ao Vale da Paz. Sei que deve dizer quem é o líder, mas se quiser voltar, deixe que o conselho decida, independente de quem você escolheu e terá sido tudo em vão.

– Obrigado... ajudou muito.

– Você faz suas besteiras, arque com elas... e se minha filha ou meu neto saírem feridos disso – Shifu subiu no bastão de Oogway que sempre carregava consigo e entrecerrou os olhos encarando o panda –, eu terei o maior prazer em acabar com você.

– Mestre...

– A solução virá com o tempo. Só saberemos quando ela chegar.

Não deixou que Po respondesse, apenas se foi de volta para o palácio.

Na floricultura da família de Hai Li todos se revezavam nos cuidados com a estufa. Com o frio inverno, era cada vez mais difícil manter as flores vivas, mas cada um trabalhava com empenho; até mesmo cuidavam das flores que adornariam o salão para o casamento do leopardo.

Ele estava entrando em saindo da estufa com sua irmã à tiracolo.

– Quando você for morar no palácio eu posso ficar com seu quarto?

– Essa pergunta de novo Hannah? – Respondeu ele enquanto carregava um saco de adubo para dentro da estufa.

– Só pra ter certeza... – sorriu.

– Ah, tá claro, fique com ele, pinte de rosa... – disse e ela ficou animada dando pulinhos de alegria atrás do irmão – mas só quando eu for – concluiu ele com um sorriso brincalhão e ela parou de saltar, fazendo uma careta para o irmão.

– Filho – a voz da mãe de Hai adentrou a estufa – visita!

– Quem é? Manda entrar, eu tenho que colocar adubo pras plantas...

Sua mãe não respondeu e ele deu por encerrada a conversa. Hannah pegou uma pá para cada um enquanto seu irmão abria o saco e o despejava em uma grande e antiga bacia de cerâmica. Antes que pegasse uma das pás que a irmã lhe oferecia, uma silhueta esguia e conhecida abriu a porta do local, permitindo que o frio entrasse.

– Quem quer que seja, feche esta porta... as flores vão morrer – disse ele de costas para a entrada.

– Ah, maninho... – Hannah puxou a camisa preta de Hai Li sem tirar os olhos da visitante.

Ele se virou para encará-la e uma expressão de desgosto se fez presente.

– O que quer?

– Se veio pra ameaçar meu irmão, perdeu seu tempo – disse Hannah.

– Não estou aqui pra falar com você. Suma daqui...

Em um piscar de olhos, Hai Li estava à frente de Rin segurando-a pelos ombros e olhando fixamente nos olhos da pantera negra. Poderia gritar com quem fosse, até com ele, mas jamais com sua família e com Ayra.

Se tinha uma coisa que ela sabia era do senso de proteção que ele tinha e do respeito à seus familiares; além disso, ele era veloz, tanto que ela nem pôde se esquivar de seu agarre.

– Não fale assim com ela ou te coloco pra fora...

– Isso não são modos de se tratar uma fêmea delicada.

– Grande fêmea você é. Ameaçando alguém mais jovem e indefesa do que você.

– E eu que te achava tão legal... ainda bem que o Hai vai se casar com a Ayra.

– Não interessa – cortou ela e antes que se pudesse reiniciar a discussão, Rin continuou, dirigindo-se ao macho – eu vim aqui pra te fazer uma proposta e se você não aceitar, tenho que te dar um aviso, apenas um...

– O que é?

– A proposta é a...

– Não... não participarei de seus esquemas nunca mais, já não sou ladrão – soltou Rin e virou-se para Hannah – saia daqui. Eu preciso conversar com ela sozinho.

À contragosto, a irmã mais nova se foi, batendo os pés como uma criança mimada. A risada de Rin ecoou pela estufa. Ela estava ciente de que ele não aceitaria, mas o que custava tentar?

– Eu vou lhe contar assim mesmo o que pretendo...

Ela foi andando ao redor dele calada, apenas observando a cauda de Hai Li serpentear pelo ar demonstrando nervosismo. A presença dela não era bem-vinda ali e sabia disso, mas não importava.

Respirou fundo e suspirou antes de voltar a falar, parando ao lado esquerdo dele.

– Roube uma coisa pra mim e te deixo em paz para sempre.

– Como é?

– É o que você ouviu. A Mestre Tigresa do Palácio de Jade está aqui...

– Eu ouvi pelas ruas, os Cinco Furiosos e o Dragão Guerreiro estão no palácio do imperador.

– Exato. Se roubar pra mim a joia de Yin Yang que está com ela, eu te deixo em paz e à sua doce princesinha também.

Ele ficou calado por alguns segundos que pareceram eternos para Rin. Estaria ele pensando em aceitar? Se fosse assim, seria uma surpresa para ela.

– Por que quer a joia?

– Não é da sua conta, apenas quero algo bonito e valioso...

– Mentira – virou-se para ela – sei que há algo mais então me diga.

– Não precisarei dizer... você verá o que vai acontecer com sua querida noiva. Não aceita a proposta, não é? Então você verá.

Ela foi andando de costas olhando fixamente para o leopardo. Virou-se e saiu. Hai Li permaneceu alguns minutos parado no lugar pesando as palavras dela e apenas quando Hannah colocou a cabeça para dentro da estufa, ele reagiu.

Saiu pela porta passando ao lado da irmã e chegou à loja. Sua mãe estava fazendo um arranjo para uma senhora quando ele a viu.

– Mãe...

– Diga, filho.

– Não deixe que Rin entre, não a quero mais aqui.

A senhora pagou e se foi, então a mãe do leopardo deu mais atenção ao que ele dizia. Viu seu filho andar de um lado para o outro como se o problema fosse o maior de sua vida.

– Por quê? O que ela fez?

– Ela fica enchendo minha cabeça e tenta atrapalhar a minha vida...

– É bobagem de uma alma feminina ferida, meu filho, algum dia ela há de se conformar.

– Não acredito que isso aconteça tão cedo.

Saiu à passos largos em direção à estufa. Cuidar das flores talvez o fizesse se sentir melhor.

Durante o dia, todos que sabiam das boas novas mimaram Tigresa. Ela não se sentia muito à vontade com isso, mas tentava seguir as recomendações de Mi para não se mover muito e também não queria que a médica voltasse a brigar ou encará-la com uma carranca.

A hora do jantar chegou e Hai Li foi apresentado aos Cinco Furiosos e o Dragão Guerreiro. A primeira impressão entre eles foi boa e o jantar foi animado; o único que não se permitia entregar à diversão era Po. Estava sumamente preocupado.

À quem lhe perguntava se passava algo ruim, ele negava. Tigresa o estranhou, talvez tivesse sido demais ele saber sobre o bebê na primeira noite que chegaram, mas já era tarde, já havia contado. O que restava era completar a missão e voltar.

Os dias passaram e o grande dia para Ayra foi ficando mais próximo. A movimentação dos empregados era incrível, cada um realmente empenhado em sua tarefa, planejando cada detalhe da celebração; desde o vestido da futura imperatriz até a tapeçaria à ser exibida no grande salão.

A coroa de Zhu fora lustrada e guardada em uma redoma de vidro, estava sobre uma almofada vermelha com franjas douradas.

A cada vilarejo, um novo problema; até parecia que os deuses não queriam que o tigre chegasse à Cidade Proibida.

Podia imaginar como a criatura presa no espelho estava aflita e quantas coisas horríveis ela poderia lhe dizer por ser tão atrapalhado. Na verdade a culpa não era dele, as situações o atrasavam. Ele pedia internamente para que seu amigo crocodilo conseguisse tirar o espelho da torre e fugisse com ele para encontra-lo.

E naquela noite era justamente o que ele estava fazendo.

Crocodilo passara dias a fio observando os hábitos de cada um dos mercenários. Fingiu não saber do desaparecimento do prisioneiro e dar-se conta um dia depois. A essa hora o tigre já estava longe de ser encontrado, mas um dos capangas de Fa Huo fez questão de organizar buscas, afinal, era a cabeça deles que iria rolar quando o amo voltasse de onde quer que estivesse.

Dois grupos foram enviados à vasculhar vilarejos à frente, aquele boi bandido não iria desistir ou então acreditava que poderia não contar com a sorte ou piedade do panda.

Na hora da troca da guarda, o crocodilo, que já estava com a chave da porta do quarto na torre e um manto, correu escadaria à cima; chegando lá, abriu a porta e viu a criatura presa, ela o encarava com tristeza e preocupação, já sabia o que iria acontecer.

– Se acalme senhora, vou te tirar daqui. Vai dar tudo certo – disse e sorriu.

Ela lhe devolveu um sorriso amargo que foi a última coisa que ele viu antes de jogar o manto de cor escura sobre o espelho.

Agarrou-o pelos lados e o ergueu. Crocodilo só teve que tomar cuidado ao descer rapidamente sem tropeçar em seus próprios pés. Quando chegou ao saguão ouviu os guardas se aproximando e correu para a cozinha; antes de entrar, verificou se havia alguém e para sua sorte, estava vazia. Correu para fora pela porta do cômodo.

Ali achou uma carroça e depositou o espelho na parte traseira, que estava tomada pelas plantas que nela se enrolaram, além de alguns objetos velhos deixados ao acaso; se via que não era usada há muito, mas serviria. Arrancou as plantas esperando que a natureza o perdoasse por isso; era muito supersticioso.

Começou a puxar a carroça e um guarda o viu.

– Ei, o que faz aí? Onde vai com isso?

– Vou ver se compro mais comida, a dispensa está ficando vazia. Vou à cidade trocar umas tralhas por comida.

O rinoceronte examinou; como já vivera naquela cidade por muito tempo, sabia que os comerciantes de lá compravam qualquer coisa para vender à um preço maior. Eram todos exploradores, em sua opinião.

– Tá, tá certo... pode ir. Mas volte logo, hein?

– Claro pode deixar – respondeu e virou-se para a estrada. “Nem em sonho”, pensou. “Espero que não me peguem... ainda bem que ele acreditou; agora é só passar pelo portão da fortaleza. Deve estar desprotegido.”

Crocodilo já sabia para onde se dirigir e o faria o mais rápido possível para alcançar seu amigo. Se havia uma redenção, talvez agora, arrependido por ser bandido e lutador de rua, conseguisse a sua.

Amanheceu. Era chegado o grande dia para Ayra.

Seria anunciado seu reinado e seu casamento.

Seria seu dia feliz... e, para Fa Huo, seria a noite de cobrar por seu favor.

As coisas estavam mais corridas, tanto que Hai Li não conseguiria falar com Ayra, não ainda; precisava lhe contar sobre Rin.

Todos os guerreiros se prepararam e, com os guardas fizeram a ronda; exceto Tigresa que foi impedida por Mi. Em vez de trabalhar, lhe fora mandado que provasse seus novos vestidos. Sim! Vestidos! Por quê? Só por que seu ventre já a estava impedindo de usar seus coletes; não era por não lhe servirem mais, apenas porque deveriam esconder a gestação.

Xue, observadora e intuitiva como era, logo notou algo errado com a mestre e, em seu interior, apostava numa gestação. Nada comentou, apenas apareceu com um par de meias de tecido grosso na cor azul escuro. Tigresa ficou perplexa, mas nada pode fazer se a princesa já adivinhara; além do que a pequena curva se tornara mais notória com o passar daqueles dias e Mi concluiu que o bebê não corria mais perigo pela fratura da mãe durante a viagem. Tigresa dizia que podia senti-lo e Mi julgava ser verdade, já que já era mãe.

Isso lhe causou saudade de seus filhos e marido, mas sabia que logo, logo, voltaria para casa e para o aconchego de seu lar.

– Eu quero sair daqui, andar um pouco.

– E você vai, depois que experimentar os vestidos e ver se te servem.

– Ah, Mi, por favor...

Com o passar dos dias, a líder dos Cinco Furiosos teve mais enjoos e começou com os desejos de comer coisas estranhas como sopa de tofu com morangos; seu comportamento já era notoriamente diferente, estava muito mais gentil e um pouco mais sensível.

Isso preocupava os que conheciam a sentença de Po. Como ela ficaria quando soubesse? Preferiam nem pensar nisso.

Finalmente ela experimentou o último vestido e saiu do quarto para a coroação. Vestia um q’pao largo com uma faixa abaixo do busto, tudo em tons de verde escuro com fios dourados e não podemos esquecer de uma sandália tradicional nova. Quando encontrou Po, ele vestia uma camisa verde escura e calças longas de tecido preto com sandálias também. Ofereceu o braço para Tigresa e ela aceitou com um belo sorriso.

Chegaram ao salão já cheio; os demais guerreiros, assim como o mestre, estavam dispostos pelo salão. Ao caminharem mais para o lado direito do trono, encontraram um felino familiar que, ao vê-los, arregalou os olhos. Po suspirou e ficou tenso quando Tigresa enterrou, inconscientemente as garras em seu braço ao mesmo tempo que hesitava continuar caminhando naquela direção. Levou a pata livre ao ventre em instinto protetor.

O felino sorriu, altivo e exibiu seu cajado.

– Olá priminha, Dragão Guerreiro – disse ele para ambos e Po apenas assentiu com expressão neutra.

– Dishi – disse Tigresa com certo veneno na voz.

O agora imperador dos tigres notou a postura da prima e a olhou detalhada e dissimuladamente, observando sua pata na altura do ventre e... que estava de vestido, coisa que, a conhecendo, não esperava. Afastando quaisquer hipóteses sobre os motivos dela, suspirou e sorriu.

– Não quero brigar com você, não vim pra te ferir ou atrapalhar, apenas fui convidado para conhecer a nova imperatriz.

– Estarei de olho em você.

Dito isso, Tigresa puxou Po para continuarem andando em direção aos tronos.

– Não acredita, mas não lhe farei mal algum.

Tigresa preferiu ignorá-lo por seu próprio bem e de seu filho. Se brigasse ali, tinha certeza que Mi a trancaria no quarto até o filhote nascer e ninguém seria contra.

– Tente se acalmar Ti.

– Estou bem Po.

As portas do salão foram abertas interrompendo a conversa do casal. Por elas passaram o pai da jovem imperatriz e a irmã mais nova, princesa Xue, anunciados por um touro que estava ao lado direito da entrada.

Xue usava um q’pao azul safira como seus olhos com detalhes em azul claro e adornos de cabeça no mesmo tom. Seu pai, Zhu, usava um traje longo em dourado com vermelho simbolizando sua realeza. Ambos caminharam por uma bela e longa tapeçaria que chegava aos três degraus para os tronos; subiram e se sentaram, esperando que as portas fossem abertas novamente e quando aconteceu, se levantaram para receber Ayra.

Ayra foi anunciada e caminhou pela tapeçaria. Trajava um q‘pao vermelho com detalhes em dourado, sem adorno algum na cabeça. Caminho até ficar de frente ao pai, que estava entre ela e o trono central.

Zhu pediu que ela ficasse de frente para o povo e que um serviçal lhe trouxesse a coroa; era uma fina armação de ouro com forro de tecido e encrustado de pedras preciosas, em sua maioria nos tons da realeza. Tinha oito pontas, sendo que a maior delas ficava virada para a frente de quem a usasse.

O urso negro a segurou, pairando sobre a cabeça de Ayra; ela, com seu porte altivo, exibia mais beleza do que Hai Li já havia visto. De onde estava, o lado esquerdo dos tronos, via sua noiva de perfil, tão bela como sempre foi.

Servos passaram ao redor dela, bem como fizeram antes de o salão se encher de gente, com incensos de várias flores, cada aroma com seu significado, para afastar os maus espíritos e trazer bom agouro à ela. Fizeram isso inconscientes do ser maligno que se encontrava no local, assistindo a cerimônia. Isso não poderia afastá-lo ou impedir sua cobrança.

– Eu, Zhu da Dinastia Lee, o Urso Negro, proclamo minha filha Ayra a nova imperatriz de toda a China. Que os deuses a abençoem!

Dito isso, colocou a coroa sobre a cabeça da nova Senhora.

Todos se inclinaram em respeito, até mesmo o Urso Negro, assim que deixou a coroa com a filha. Depois que todos se levantaram e aplaudiram, Zhu ainda pediu um minuto de atenção.

– Anuncio à todos o noivado da Imperatriz Ayra com Hai Li.

O leopardo foi acompanhado por trabalhadores do palácio e sua família até a tapeçaria em frente ao trono; se curvaram e ele se aproximou dela, se colocou a seu lado segurando sua pata.

Os presentes aplaudiram e gritavam em júbilo pelo futuro imperador. Pelo resto da noite haveria festa; dança, comida e diversão. O Grão-Mestre do Palácio de Jade, os Cinco Furiosos e o Dragão Guerreiro tentaram circular para ajudar os guardas com qualquer perigo iminente, mas eram reconhecidos; de qualquer maneira, apesar da celebração, deveriam estar sempre alertas.

Tigresa e Po ficavam sempre próximos; Hui Nuan e Shifu não queriam sair de perto deles, mas eram forçados por Víbora para deixa-los um pouco sozinhos, para que aproveitassem da companhia um do outro. Ambos evitavam ficar próximos à Dishi e Ju, até que a felina se sentiu cansada e os dois pediram permissão e foram se deitar.

Era a oportunidade de pegar a joia.

Aquela seria uma longa noite.