Era uma manhã de tempo fresco e o sol já iluminava a China, todos estavam começando um belo e novo dia.

Uma carruagem se dirigia ao conselho dos mestres de Gongmen City. Era grande, de ferro e vermelha com detalhes dourados puxada por bois que eram os guardas. A Carruagem parou exatamente em frente ao conselho dos mestres onde antes era o palácio da família de Shen.

Dela saiu o imperador Zhi que, acompanhado de dois de seus guardas, caminhou até a entrada e sua chegada fora anunciada ao mestre por um trabalhador do local.

Os mestres se dirigiram até a recepção, onde se encontrava o imperador.

– Mestre Crocodilo, Mestre Boi – saudou o imperador com uma reverência.

– Imperador Zhi – responderam ambos do mesmo modo.

– O que o traz aqui? – Perguntou Mestre Boi.

– Eu quero pedir uma coisa por minha filha, a futura imperatriz.

– Venha conosco - disse Mestre Crocodilo virando-se.

O mestre levou à todos para uma grande sala bem iluminada pelo sol. Uma grande mesa de centro redonda com assentos ao redor. Eles se sentaram para ouvir o que o urso negro diria.

– Pode dizer agora.

– Claro. obrigado. Eu quero levar a prisioneira Ju comigo. Ela é grande amiga de minha filha e Ayra gostaria da presença dela em seu grande dia.

Zhi explicou sua amizade de longa data com o pai da jovem e que ela e Ayra eram amigas desde filhotes.

– Senhor, ela é acusada - disse Boi.

– Acusa de que?

– De aceitar os planos de seu pai de casá-la com o Dragão Guerreiro apenas pra ter mais influência no império.

– Ser esposa de um guerreiro como ele é uma honra e ela seria um exemplo para o povo - disse Crocodilo.

– Mas há provas disso?

– Testemunhas - disseram em uníssono os dois mestres.

– Bem, ela pode muito bem ter sido forçada por Fa Huo a participar, não é?

– Bem, talvez. Mas enquanto não tivermos pista de Fa Huo, não podemos deixá-la solta ou ele pode usá-la de novo.

– Eu sou o imperador e vou levá-la comigo - a voz de Zhi se alterou um pouco - ela vai estar segura na Cidade Proibida. E eu gostaria de saber mais sobre isso que Fa Huo fez. Não fui informado disso.

– Não foi informado pra não causar pânico - disse o réptil.

Então, os dois mestres informaram sobre o que aconteceu, de tudo que ele era acusado e foi quando o urso nego ficou pensativo. Ele não havia mencionado nada sobre o que ouvia. Custava para Zhi acreditar que aquilo tudo era obra de seu amigo, mesmo sabendo que ele tinha certa tendência a ser manipulador. Era possível tudo isso? Mestres de kung fu tinham o compromisso com essa arte e como guerreiros, o compromisso de proteger, não é? Então, não mentiriam.

Estava disposto a averiguar se aquilo era verdade e se Ju realmente consentiu com os planos de seu pai.

– De qualquer forma, quero levá-la.

– Poderá buscar Ju ainda hoje, senhor - disse Boi - afinal, a coroação de Ayra é logo.

– Sim, claro. Vou buscá-la assim que eu estiver voltando à Cidade Proibida. Agora me digam, matem minha curiosidade. O Dragão Guerreiro não perderia o título dele se fosse se casar?

– Sim, essa era a regra, mas há algumas semanas em uma reunião com os mestres do Conselho de Ônix, o pai dele e com o próprio Dragão Guerreiro, fizemos um acordo que seria o único meio de ajudar o povo panda a ficar sem líder e nem o povo a ficar sem nosso defensor - disse Mestre Crocodilo sorrindo.

– Hm, gostaria de saber que acordo foi esse...

Enquanto ouvia, sua mente se dividia entre prestar atenção e pensar em suas filhas. As duas panteras brancas estavam no palácio só que junto a elas, estava esse acusado de crimes contra os tigres.

Tremia só de pensar no que Fa Huo poderia dizer ou fazer a elas se ele realmente era esse monstro.

Zhi não estava preocupado à toa. O panda conversava diariamente com as filhas do imperador e Xue não gostava de ter Fa Huo por perto, sempre a deixava desconfortável e nunca sabia o motivo exato. Se tratando de um grande amigo de seu pai, ela deveria tratá-lo no mínimo com respeito e se esforçava muito pra isso.

Ayra estava na biblioteca sentada em uma grande cadeira lendo mais um pergaminho quando Xue chegou até ela.

– Irmã.

– Diga, Xue - disse Ayra tirando os olhos do pergaminho.

Xue sentou-se em frente à ela e olhou para os lados como se estivesse escondendo um grande segredo, na verdade era.

– Você já pensou em alguma coisa? - Perguntou ela baixinho.

– Bem, eu ainda não pensei em nada.

– Ai, quanto tempo você tem depois de receber a coroa?

– Tenho... um mês. Mas como se apaixonar em um mês?

– Também não sei - suspirou a pantera mais nova - estou até com medo do que podem arranjar pra você, ainda mais se for um daqueles velhos chatos e metidos ou se for algum nobre mimado...

– Você não tá ajudando - cortou Ayra.

– He he, desculpa.

Ayra fechou o pergaminho e olhou pela janela observando as nuvens que se via daquela altura do palácio imperial. Passou alguns segundos em silêncio com sua irmã, ambas pensando.

– Vou dar um passeio - disse a mais velha se levantando e guardando o pergaminho que estava em sua pata.

– Eu vou com você... - Xue foi colocada de volta em seu assento pela pata da irmã - o que?

– Não, vou sozinha. Você fica aqui e se alguém perguntar, diga que não me sinto muito bem.

– Mas...

Xue ia responder, mas sua irmã já havia partido, correndo à quatro patas rumo à saída.

– Ai, vai me dar problemas, vão falar que a culpa é minha. A culpa sempre é da mais nova - reclamou a jovem pantera se dirigindo a seu quarto.

No meio do corredor, cruzou com Fa Huo e ele pediu para conversarem um minuto.

– Como você está crescida... e linda.

– Obrigada.

– Senti falta de vocês. Seu pai e eu somos velhos amigos. Se eu pudesse jamais teria me separado de vocês, queria ter visto vocês crescerem com a minha Ju.

– Entendo.

– E, à propósito, ela vai vir pra cá. Queria contar isso à sua irmã, onde ela está?

– Ela não está muito bem e foi para o quarto. Eu aviso que quer falar e quando estiver melhor, mandará te chamar - disse Xue e Fa Huo apenas assentiu com um sorriso - se me der licença, eu vou ver como ela está.

– À vontade, alteza - curvou-se ele dando passagem.

Xue se afastou o mais rápido que podia dali. Por nada no mundo aguentaria ficar mais um segundo sozinha com ele, não sentia nada de bom nesse senhor e lhe dava uma angústia imensa quando ele falava de sua irmã.

"Deve ser coisa da minha cabeça, isso sim. Independentente disso, ninguém vai fazer mal à Ayra", pensou ela. Talvez não o conhecesse bem, mas o suficiente para sentir que havia algo errado. Suas suspeitas eram cada vez maiores e precisava contar à sua irmã sobre isso. Entrou no quarto e sentou-se na cama. Não entraria no quarto de sua irmã porque provavelmente ela estaria aprontando alguma. Não era de ter mistérios, mas quando tinha, é porque era algo grande.

"O que é que você vai fazer?", pensou a si mesma.

Alguém estava saindo pelas portas dos fundos do palácio e indo rumo ao grande portão.

Ao chegar perto dos guardas, eles perguntaram o que faria e o ser apenas disse que, por ordem da futura imperatriz, ela deveria verificar as flores pedidas para o evento.

Com a passagem liberada, ela pôde passar e foi até o mercado e andou até uma floricultura. Realmente queria ver flores, mas apenas para passar o tempo e escolher pessoalmente as que gostaria.

A jovem pantera estava coberta com roupas, um lenço para a cabeça e o chapéu de uma empregada que era conhecida dos guardas e foi sua baba assim que sua mãe soube de sua doença. Uma tigresa branca chamada Hannah e ainda cuidava dela e de sua irmã. O corpo da pantera cabia perfeitamente nas roupas da empregada e nas roupas de sua mãe.

Era tão parecida com ela, exceto pela cor dos pelos. Sua mãe os tinha negros e ela, assim como Xue, brancos por conta de seu pai, um tigre branco. Tentava o seu melhor para não ser reconhecida onde estava.

"O que é que eu vou fazer? Quem eu vou escolher? Não posso demorar muito, o escolhido tem que me fazer a corte! Ai, que coisa! Não quero aqueles mimadinhos da nobreza, quero alguém que goste de mim de verdade", pensou Ayra com um rosto triste.

– Por que essa cara? - Disse uma voz masculina assustando-a um pouco - desculpe se a assustei, mas uma garota linda como você não deveria estar triste assim.

Ao olhar para o dono da voz, era um sorridente leopardo de pelagem dourada e olhos castanhos que portava roupas cinzas. Oferecia a ela um lírio, ela o tomou e cobriu um pouco mais o rosto puxando o lenço.

– Não me assustou.

Ao parecer, ele não a reconheceu. Não deveria mais ver seu rosto, ou talvez no dia da coroação, poderia contar a todos sobre sua pequena fuga.

– Nem disse meu nome, sou Hai Li. Quem é você?

– Com licença, eu... preciso ir.

Saiu andando o mais rápido que pôde deixando para trás um confundido leopardo.

Andou até chegar a uma colina vazia e afastada com grama alta alguns pessegueiros. Sentou-se pensando que havia despistado o leopardo. Não queria correr nenhum risco. Olhou para a flor, o lírio era de um belo e leve tom de rosa e Ayra sorriu, a flor era perfeita para a coroação, mas não sabia o nome dessa flor. E agora?

Teria que voltar ou mandar alguém descobrir o nome dela, mas saberiam de sua pequena aventura, por que de onde ela teria tirado tal flor? Nos jardins do palácio não havia nenhuma assim. Teria que inventar uma boa história.

Alguns passos atrás de si a retiraram de seus pensamentos de maneira brusca e ela se levantou em um pulo e se colocou em posição de batalha, ainda com a flor na pata esquerda. Quando ela saltou o chapéu caiu e o lenço escorregou por seu pescoço, mostrando-a a quem a perseguiu.

– Se afaste de mim!

– Calma! Sou eu. Não queria te assustar, de novo. Só queria ver se está bem. Parecia mal - parou de falar por uns segundos vendo a postura da felina relaxar e a admirou - e, nossa! Você é mesmo linda.

A felina arregalou os olhos e cobriu o rosto com as patas abaixando-se para pegar o chapéu.

– Não olhe pra mim, saia daqui - pegou o chapéu e o colocou.

– Por que você se esconde? - Perguntou Hai se aproximando da princesa, que já estava mais calma.

– Eu não deveria estar aqui e você não deveria ter me visto - respondeu ela sem olhá-lo.

– Por que não? - Retirou o chapéu dela e Ayra não conseguiu reagir, um pouco tensa pela proximidade dele - não fique assim. Não precisa ter medo. Eu sei que nunca te vi por aqui, mas você parece ser legal e eu quero te ajudar.

– Me ajudar? Como? - Ela franziu o cenho

– Não sei. Me diga do que precisa de verdade, se precisa mesmo de ajuda e eu farei o possível - sorriu.

– Tá, mas agora é minha vez de saber por quê.

– Ah, não sei. Digamos só que eu, achei você legal.

Ayra sorriu e então relaxou de verdade, permitindo-se sentir bem com aquele estranho. Ele poderia muito bem ajudá-la ao menos no caso do nome da flor.

– Primeiro eu quero saber se você sabe onde tem mais dessa flor e o nome dela.

– Minha família cultiva esse tipo de lírio. É um lírio híbrido, experiências do meu pai, nem me pergunte.

Ambos riram diante da anedota do felino.

– Poderia, por favor, mandar entregar no palácio algumas dúzias dessa flor no dia da coroação? Diga que foi Akira quem pediu.

– Você trabalha no palácio? - Perguntou ele com os olhos arregalados.

– De certa forma, sim.

– E tá fazendo o que aqui fora? Dizem que lá dentro tem tantas flores lindas.

– Sim, mas não como essa. Me apaixonei por essa flor - sorriu ela olhando o lírio e tocando suas pétalas com a pata direita.

– Tá bom, eu entrego pessoalmente lá pra ver você de novo - disse Hai com um sorriso bobo.

E essas palavras do leopardo, fizeram Ayra gelar, ele saberia seu segredo, viu seu rosto.

– Esse é seu nome? Akira?

– Não.

– Então qual é?

– Preciso ir embora. Está ficando tarde... - antes de dar mais de três passos para longe, foi tomada pelo braço.

– De novo não, por favor. Me diz só seu nome.

A felina o encarou com dúvida. Seu segredo seria revelado em poucos dias, ou não. Será que deveria confiar na palavra de um estranho?

– Só digo se prometer que não vai dizer pra ninguém que me viu aqui fora do palácio.

– Tudo bem, eu prometo.

– Meu nome é Ayra - ambos sorriram e ele a soltou.

– Prazer em conhecer. Ah! - Exclamou para chamar atenção da pantera que já lhe havia dado as costas - não vai esquecer disso. Acho que vai precisar - disse ele segurando o chapéu - me procura amanhã de novo. Posso te mostrar outras flores do jardim da minha família.

Hai Li arrumou o lenço sobre as orelhas de Ayra e colocou o chapéu de volta em seu lugar.

Por alguns segundos, ambos se olharam e ela saiu correndo como podia. Deveria voltar ao palácio o mais rápido possível, antes que o coração a matasse ou explodisse por bater tão rápido. Ou será que Xue a mataria?

Nunca havia passado tanto temor em sua vida.

Se os conselheiros descobriam, estava morta, exilada, qualquer coisa, mas não seria imperatriz e tudo o que aprendeu, todas as suas ideias para ajudar o povo, iriam por água abaixo.

Quando voltou carregando o lírio rosa, foi direto à entrada dos serventes e correu ao quarto de Akira. Se trocou e contou sobre sua aventura no mercado à sua amiga e babá enquanto esta a ajudava a se recompor.

– Tome cuidado, menina. Não sei se deveria confiar nesse leopardo.

– É o único jeito. Tenho que ver uma maneira de que ele não me delate à ninguém, o quanto antes. Não queria voltar justo por medo de ser descoberta, mas se eu não for e não contar a verdade, ele virá aqui entregar os lírios e vai descobrir tudo, vai abrir o focinho e acabou tudo.

– Tudo bem, senhorita. Agora vá pro quarto que sua irmã deve estar aflita por você.

Ayra chegou a seu quarto e já passara da hora do almoço. Uma das damas de companhia entrou minutos depois dela, sem saber que sua ama havia saído e perguntou se estava bem. A pantera só assentiu e pediu que chamasse Xue a seu quarto e quanto a mais nova chegou, soube de tudo e ficou mais preocupada do que Ayra, por pensar que a culpa cairia sobre ela.

– Pelo amor dos deuses, Xue! A mais velha é o exemplo, não a mais nova.

– Ah, é? Então tá, tô melhor he he - brincou Xue, mas vendo a seriedade e preocupação de Ayra, parou de rir.

Passaram o resto da tarde tratando de inventar desculpas para que o novo amigo da futura imperatriz aceitasse algo em troca de guardar segredo para sempre.

Promessas quebradas resultavam em perda de honra por parte do fofoqueiro, mas ainda assim, como Ayra provaria a desonra de Hai Li se ele realmente falasse? Não tinha ideia.

– Ai, Ayra, você sabe se ele vai mesmo falar alguma coisa? - Perguntou Xue com ar de cansaço pela questão.

Sua irmã passou a tarde preocupada com a intromissão desse leopardo de pelos dourados e olhos castanhos. Na visão de Xue, sua irmã mais velha só não sabia quantas manchas tinha na pelagem dele por falta de mais observação.

– Não sei se vai contar, apenas estou preocupada com isso.

– À propósito, o amigo do papai, Fa Huo quer falar com você.

– Sobre... ?

– Eu que vou saber? Por mim, quero ele fora daqui e logo - se levantou para ir a seu quarto, mas parou na porta - ah! Vê se para de se preocupar com esse segredo de vocês um pouquinho e relaxa, irmã. Quem sabe esse não é a solução do seu problema - deu uma piscada cúmplice para Ayra que ficou de queixo caído.

Nem Xue sabia de onde saiu isso, só sabia que sentiu vontade de dizer e disse. Deu de ombros e foi a seu quarto.

A pantera branca, ficou em seu quarto observando o cair da noite. Seria logo a hora do jantar e então, depois falaria com o panda.

O sol se despedia de mais um dia pacato no Vale da Paz. Os guerreiros do Palácio de Jade descansavam depois de uma luta contra alguns bandidos porcos que tentaram roubar artefatos do palácio.

Mestres Macaco e Tigresa os preparavam para serem enviados à Chor Gum, mas pela hora, seria somente no dia seguinte. Falando nisso, Tigresa deveria visitar seu pai. Esteve muito ocupada com bandidos e sequestradores rondando o vale, o vilarejo dos músicos, até mesmo com o preparativo dos casamentos e as perguntas de Garça sobre o que ele poderia fazer, se ela gostaria. Ele estava deixando todos loucos.

E ainda outra coisa, o pai de Víbora havia mandado uma carta à filha para que ela decidisse se voltaria ou não para casa, para saber se ele deveria deixar a proteção da vila para a irmã do meio da serpente ou não. Como ela era uma grande mestre de kung fu, assim como o pai, seria sua primeira escolha, ainda mais por ser sua primogênita.

As outras nasceram com presas e poderiam usar veneno, mas ainda assim, Víbora era a guerreira sucessora da família e caso ela se recusasse, o pai deveria enviar as outras duas para completar seu treinamento corporal do estilo com ela e o Mestre Shifu. Tudo para que não se repetisse o que aconteceu a ele quando tentou paralisar o gorila, quebrando as presas na armadura.

– Quando elas vem? - Perguntou Louva-a-Deus que estava em cima da mesa da cozinha e havia lido a carta.

– Ah, creio que em uma semana. Estou com tanta saudade delas...

– Mestre Shifu sabe disso? - Perguntou Garça.

– Sim, já mostrei a carta a ele. Você poderia me dar papel e tinta pra eu responder? Depois eu devolvo.

– Não tem problema. Depois eu pego.

– Tá gente, o papo tá legal e tudo mais, mas tô com fome. Quem vai cozinhar? - Perguntou o inseto.

– Macaco - responderam a serpente e a ave em uníssono.

– Mas como vocês são folgados...

– A gente?! Você tá pedindo comida e não faz nada e a gente é folgado? - Garça fingiu um falso choque diante das palavras do amigo.

– Sim - riu Louva-a-Deus esquivando-se de um golpe que ia receber da ave, enquanto Víbora apenas ria murmurando um "meninos..." - você acha engraçado eu ser esmagado por esse gigante emplumado? - Perguntou ele indignado.

Algum tempo depois chegaram a felina e o primata para começar a cozinhar. Tigresa fez uma parte da janta e Macaco a outra, porque a felina poderia muito bem colocar água para ferver, fatiar os vegetais e tudo o mais, só que temperar não. Ela era ótima com venenos e antídotos, mas com temperos de cozinha...

Mestre Shifu sabia que era hora da janta e que deveria esperar que seus alunos se alimentassem, mas não pôde esperar para chamá-los. Apareceu na porta da cozinha convocando todos eles a ir ao pátio.

Quando chegaram, mal podiam acreditar no que viam. Seu amigo Po estava de volta, junto ao pai e outros pandas que carregavam caixas vermelhas.

Todos, exceto a felina, se lançaram em cima do panda que caiu de bruços abraçado aos amigos. Entre reclamações exigindo mais visitas, mais sinais de vida, que ele não dava há quase dois meses, Po conseguiu se levantar e foi saudado pelo panda vermelho, que saudou também seu pai e os outros.

Foi então que viu como sua noiva se aproximava com expressão neutra e quieta para, quando chegou a centímetros de Po, se jogar em seu pescoço e abraçá-lo apertado também enterrando sua cabeça em seu peito, e o abraço foi retribuído. Sentia falta do calor daquele panda bobo e sempre que se abraçavam, aquela sensação a surpreendia, como no porto de Gongmen.

Ao se soltarem, a felina conectou seus olhos âmbar nos jade de Po e seu rosto mudou de um sorriso para um cenho franzido, lhe dando um soco no ombro direito.

– Hey, por que isso? - Perguntou ele confuso.

– Como os outros disseram, por não dar sinal de vida.

– Eu nunca deixaria vocês pra sempre e nem você, Ti.

Po lhe deu um ligeiro beijo e depois mostrou o colar que levava, com o mesmo símbolo que o dela.

– Realmente encantador, Dragão Guerreiro. Posso dizer que foram feitos pra combinar, mas agora é hora do jantar e eu gostaria que vocês fossem se alimentar. Foi um dia duro e daqui pra frente será corrido para todos nós, não acham?

– Sim, mestre - responderam todos.

– Ah! Mestre, gente. Eu pedi permissão pro imperador pra fazer uma coisa que eu acho que vai deixar você feliz, Ti.

De trás de alguns pandas surgiu Hui Nuan, sem algemas, sem nada que o prendesse, Apenas ele. Os olhos de todos abriram até não poder mais e Tigresa realmente ficou feliz e aceitou o abraço que Hui lhe deu.

– Você não achou que eu perderia um momento tão importante assim, achou? - Perguntou ele com a voz entrecortada ainda abraçando a filha.

– Achei que não poderia. Fico muito feliz de ter você aqui. Queria isso e eu não sei como conseguiu - se separou e olhou para seu noivo - obrigada, Po.

– Ah, não foi nada, Ti. E aqui, são os presentes de casamento, depois você abre.

Foram para a cozinha, Po iria cozinhar e enquanto isso, Shifu lhes mostrava onde deveriam deixar as caixas e os quartos de hóspedes para eles e o tigre.

A conversa ficou animada no jantar. Eram muitos falando ao mesmo tempo e estavam felizes que tudo estava dando certo. Realmente agora o destino acertou a mão, como dizem os cozinheiros. Po fazia planos para que ele pudesse ir e vir sempre que possível até encontrar um substituto para ele.

– Po, como você conseguiu manter o título de vocês mesmo se casando? - Perguntou Macaco interessado e curioso como os demais mestres do palácio.

A pergunta deixou Po e seu pai tensos, ambos sabiam a verdade, mas Jing-Quo não pensava em falar, ao menos não agora. Shifu sabia, esteve na reunião, mas não er assunto seu. Como Jing-Quo disse a Po todos esses dias depois da reunião "não sabemos o que vai acontecer, não vamos sofrer por antecipação".

– Ah, bem... eu conversei com o imperador e com os conselhos de mestres e disse que minha esposa estaria segura, afinal é mestre de kung fu e faz parte de uma equipe. O que poderia acontecer? - Começou a engolir o macarrão mais rápido para evitar conversa.

– Po, é só isso? - Perguntou Tigresa com uma sobrancelha levantada e Po assentiu - tem certeza?

– Eu só tenho que escolher o líder logo, acho que já sei quem será, mas preciso voltar pra falar pro resto do povo. Aí eu vou poder voltar pra cá e ficar com você.

– Bem, e ela tiver um filhote, podem tentar tirá-lo de vocês e se você não estiver aqui pra defender, nós estaremos, mas o pai deve estar presente - disse Mestre Shifu preocupado.

Dito isso, Tigresa engasgou com seu macarrão e Po cuspiu o que tinha em sua boca.

– Credo, cara! Por que sempre vem em mim? – Perguntou Garça sacudindo seu chapéu, já que em um movimento rápido, conseguiu se defender com ele enquanto os outros riam.

– Não acha cedo? - Perguntou a felina já recuperada, enquanto seu noivo tossia.

– Só por falar, filha. Só por falar. Até porque, você vai ficar incapacitada de treinar, não vai poder se defender sozinha.

“Não é só isso”, pensou o panda vermelho olhando seriamente Po e Jing e lembrando da reunião.

– Se você não escolher um líder pro meu povo logo, o conselho pode voltar atrás e tirar nossos títulos ou me impedir de voltar com Tigresa – anunciou mestre Xiaoxi.

– Por quê?! Me impedir de voltar com ela? - Perguntou o panda gigante.

– Porque, Po, você tem que manter a promessa de proteger sua companheira a todo custo, e se não cumprir e o mal souber de um possível herdeiro do Dragão Guerreiro, isso pode pôr a vida de ambos em risco e nós do conselho não queremos isso. Se não, ela terá que deixar de exercer a função de mestre do próprio estilo e se esconder até o filhote poder se defender sozinho e por segurança, você ficará longe até esse momento chegar - explicou o lagarto de pé para ser ouvido por todos os mestres presentes e representantes das academias.

– Mas não vai acontecer nada, eu já sei quem vou escolher como líder. Quando voltarmos, eu deixo tudo com ele.

– Você tem certeza que não vai acontecer nada, Po? Quer colocar a vida dela em risco? A vida da fêmea que fez você afrontar o conselho, podendo deixar de ser o Dragão Guerreiro? Pelo jeito ela é valiosa demais pra que você mude de ideia, então cuidado com o que decide.

– Quanto antes você anunciar, melhor – aconselhou Mestre Crocodilo.

– Tudo bem. Só preciso ter certeza de que deve ser ele - respondeu Po olhando para a mesa.

É claro que ele estava preocupado em colocar a vida de Tigresa em risco, assim como Shifu e seu pai estavam, mas, realmente poderiam ter filhotes? Espécies tão diferentes.

"É impossível. Ainda se eu fosse um felino, dava, né?", pensava ele. Imaginava se contaria isso à ela e quando o faria. Afinal, ela seria sua família e caso quisessem filhos, poderiam adotá-los, mas a criança estaria crescida o suficiente para saber se defender ou se esconder em casos extremos. Não havia nada errado.

Po recuperou a confiança agradecendo aos mestres por sua chance e a reunião se deu por encerrada.

Shifu apenas observava com os olhos semicerrados, tanto aos dois quanto aos colares. Já os havia visto em algum lugar, mais onde? Bem, sabia que sua filha o tinha desde que o panda a presenteou e sabia que ela deveria carregar esse colar e seu pingente desde seu nascimento, mas... havia algo de familiar que não se podia explicar com essas simples histórias.

Se colocaria a pensar e procurar mais sobre ele assim que pudesse para tirar suas dúvidas. Sempre que ficava inquieto, havia alguma coisa para lembrar ou reconhecer.

O jantar terminou e todos se retiraram a seus quartos, exceto pelos noivos que ficaram do lado de fora da ala dos estudantes aproveitando um pouco mais a companhia um do outro. Não restaria muito tempo nos próximos sete dias e alguns depois do casamento, ele voltaria à Yu Qin, que seria por pouco tempo. Então valeria cada segundo juntos.

Numa sala iluminada apenas pela luz das velas e sentindo o cheiro de incenso de jasmim, Ayra se sentia mais calma, enquanto esperava o amigo de seu pai aparecer.

A porta rangiu, chamando-lhe a atenção e por ela passou o panda. Ambos já haviam jantado e ele só pediu que lhe desse tempo para um banho e depois conversariam.

– Boa noite, alteza - disse Fa Huo de forma cordial e inclinando-se diante da pantera sentada numa grande poltrona para sentar-se à frente dela - perdoe o atraso.

– Boa noite. Soube que quer falar comigo - respondeu ignorando completamente o pedido de desculpa - sobre o que é?

– Soube que a senhorita tem um problema em arranjar um imperador...

– É lisonjeiro, mas, não. Eu não pretendo me casar com um macho cuja idade dê para ser meu pai - interrompeu ela com auto-suficiência em sua voz.

De fato, Fa Huo havia pensado em fazer isso, mas é claro que seria ridículo, ainda mais quando ele já tinha a honra de sua família coberta de lama.

Uma ideia melhor cruzou sua mente enquanto Zhi dizia sobre o que Ayra deveria fazer e se conseguisse induzi-la a isso, estaria feito.

– Não, não é isso que eu quero propor - riu - é algo melhor. Uma ideia que nem você pode recusar -.sorriu.

– E o que seria? Estou perdendo a paciência.

– Vou ajudar você a conseguir alguém e logo, para que ninguém queira arranjar um casamento para vossa senhoria. Te apresentarei um partido que vai agradá-la.

– Não preciso de sua ajuda - disse levantando-se - agora, se me dá licença, vou me retirar. Boa noite - começou a caminhar, mas se deteve ao ouvir mais uma frase de Fa.

– Ainda vai precisar de mim e eu estarei aqui, como um bom amigo. Boa noite.

Ayra não fez nada, apenas continuou andando e saiu daquela sala sentindo a desconfiança que sua irmã dizia sentir por ele. Não gostou do tom de voz malicioso que ele usara com ela, mas trataria de esquecer isso por agora. Estava bem ocupada com seus preparativos e assim continuaria.

Vendo que ela se afastou o suficiente, Fa Huo soltou uma risada baixa e segui para seu quarto. Dessa vez, tinha muito mais cautela e a proteção de seu amigo a seu favor. A seu ver, se não cometesse erros, sairia vitorioso, mas se esqueceu que sua vitória também dependia de o destino fazer outras coisas para que os guerreiros percam. Dependia de o deus do destino permitir e escrevê-la em seu caminho.