O Verdadeiro Lar

Dúvidas ou Medo?


Po ainda estava sob o pessegueiro. Apenas observou quando Víbora ia embora e depois se sentou como estava antes de ela chegar. Admirava a vista, era de tirar o fôlego, especialmente à noite. Precisava pensar bem e tomar coragem para fazer o que sentia ser o certo.

Depois de algum tempo de conversa puxando assunto para que o panda se sentisse à vontade, Víbora finalmente entrou no tema que queria.

– O que você tem, Po? Sei que você não disse a verdade para Tigresa, mas diga a verdade pra mim.

– Está bem – e depois de muita insistência dela, o panda suspirou e olhou triste para a serpente - a chegada desse tigre me fez ver uma coisa.

– O que?

– Tigresa não está mais sozinha – só a frase já o colocou num estado de ansiedade e sem perceber ele falou mais alto do que queria - ela é só minha amiga, nunca disse que era algo mais... não que eu não gostaria - ele olhou para Víbora com profundo rubor em suas bochechas, desejando que ela ignorasse ou não tivesse entendido o que ele disse antes.

Víbora olhava para ele de olhos semicerrados e um sorriso malicioso

– O que? – os olhos dele começaram a vagar procurando alguma desculpa para mudar o tema.

– Nada...

– O que eu queria dizer mesmo é que Tigresa não está mais sozinha, eu estou, sou o último panda, vivo. Ela deve estar feliz sabendo que há outros como ela...

– Ah, não fique assim, Po – Víbora demonstrou que tentava entender sua dor e passou sua calda pelo ombro do amigo – sei que seus pais não gostariam de te ver assim, queriam você feliz...

Ele já contou para seus amigos como descobriu sua origem, a parte em que ele estava na cabana com a velha cabra e suas lembranças vieram à tona, fazendo com que alcançasse a paz interior. Deixou esse fato para trás apenas como estímulo para que sua vida valesse à pena e fosse feliz como ele acreditava que seus pais desejariam, ele era grato e valor ao que ganhou, por isso era raro vê-lo triste e pessimista. Po olhou para Víbora, os olhos marejados e abriu um pequeno e sincero sorriso.

– Além do mais, há vários ursos no mundo... – insinuou para ver o que ele falava, mas sem resposta, ela estreitou os olhos e sorriu de novo - e também, esse tigre não te impede de dizer à Tigresa o que você sente.

– Ela vai se interessar por ele, são da mesma espécie... – vendo que apenas confirmou o que ela ouviu antes, tentou retirar o que disse - e também eu...

Víbora revirou os olhos com um suspiro e sorriu.

– Nem pense em mentir, você é péssimo nisso.

– Não conta pra ela! Ela vai rir, me bater ou... se afastar de mim – ele olhou para o solo.

– Não vou fazer isso. Aliás, você não sabe o que ela sente e nem se ela não vai te corresponder – dizendo isso, saiu de volta para a ala dos estudantes para deixa-lo entender.

“Mas... ele é melhor do que eu, é um tigre e é príncipe, mais novo do que eu. Ser da mesma espécie já é importante”, pensava o panda.

De repente, uma brisa levando pétalas da flor de pessegueiro atinge seu rosto. Sentindo um leve tremor e seu coração acelerar. Lembrou-se da sabedoria de Oogway, que ouviu pelos outros e daquela que ele ensinou pessoalmente ao panda.

"O ontem é história. O amanhã é um mistério. Mas o hoje é uma dádiva, é por isso que se chama presente."

Ele falaria com ela, porque o não ele já tinha, tentaria conseguir o sim, mesmo que isso custasse sua integridade física. Mas isso não seria agora e nem hoje.

Foi para a ala dos estudantes para tentar dormir um pouco.

Shifu estava em seu quarto meditando, em seu estado de paz interior. Precisava falar com seu mestre e tirar sua dúvida. Será que o Guerreiro Prometido era quem ele estava pensando? Ele havia enfrentado muitas dúvidas, muitas contradições consigo mesmo, cometeu erros ao longo desses vinte e um anos, mas ele nunca desejou sentir esse temor. E dessa vez, seu mestre não estava lá para auxiliar.

Queria saber o que aguardava o tal guerreiro, especialmente se era que era quem ele imaginava.

De repente, sua visão escura tornou-se iluminada. À sua frente estava a velha tartaruga sorrindo com uma pata estendida para levantar seu aluno.

Em silêncio, Shifu aceitou a ajuda e eles começaram a caminhar por um vazio branco ao piscar, já se encontravam dentro do Salão de Treinamento do Palácio de Jade. Se sentaram nas escadas.

– Ah, Shifu, quanto tempo não?

– Sim, mestre. Sentimos sua falta, eu sinto sua falta - o panda vermelho deixou escapar e não se importou, Oogway era seu mestre e era como um pai. A tartatura riu.

– Eu estou sempre com você e seus alunos, ajudo vocês sem que percebam.

– Fico feliz em saber disso - sorriu - eu preciso que o senhor tire uma dúvida, me ajude a ver com clareza...

– Claro, diga o que é.

– Essa lenda a qual o jovem tigre se refere é a profecia do Guerreiro Prometido. A lenda é real, vi o pergaminho com ele...

– Eu escrevi esse pergaminho há muito tempo, logo depois de escrever o do Dragão Guerreiro.

– Sim, mestre. Mas esse guerreiro, estou com medo de que seja ela... não sei o que vai acontecer.

– Basta saber que o destino já fez seu trabalho e o tempo está firmando laços. O guerreiro terá que enfrentar coisas que não se lembra e com o que contém no pergaminho, entenderá o seu passado e os planos do destino.

Shifu estava cada vez mais certo de quem se tratava, mas ainda assim tinha dúvidas sobre o que seria à partir dali.

– Firmando laços? Ela já está ligada ao Dragão Guerreiro, eles vão salvar a China, mas... o que mais tem que acontecer? Como vou contar a ela sobre isso? E o mais importante... ela vai embora?

A sábia tartaruga aproximou-se de seu aluno e colocou a pata em seu ombro, olhou no fundo de seus olhos para passar confiança.

– Ela encontrou uma das coisas que devia buscar para lutar nessa batalha, o guerreiro mais poderoso da China. Ele a ajudará de várias formas e não a deixará cair - sorriu para ele – meu velho amigo, faça novamente aquilo que me prometeu quando eu parti... acredite.

– Tudo bem, mestre - Shifu se curvou em sinal de respeito e reafirmando sua promessa, deixou seu mestre satisfeito.

– Ótimo. Sei que há mais alguma coisa que queria me perguntar, mas não será necessário. Você logo saberá.

Uma semana se passou entre treinamento e salvamentos do Vale da Paz, o príncipe se recuperou de seus ferimentos e conseguiu o que pediu a seu novo mestre. Treinava sob a supervisão de Po.

Shifu recebia seus alunos no corredor como em todas as manhãs. A conversa com Oogway lhe fez muito bem, mesmo ainda temendo. A confirmação e o que ele logo saberia ajudariam a entender porque ela é a salvadora de seu povo e como chegou até ali. Mesmo depois desses dias, ainda tinha dúvidas se era a hora de contar sobre seu passado e destino, a parte que o Grão-Mestre sabia e que interessava no momento.

Os guerreiros tomaram café e foram para o Salão de treinamento. Sempre que o panda via Dishi, se lembrava da conversa com Víbora, mas sempre se continha por medo. Viu o que o tigre sabia, lembrava que deveria treiná-lo firme e forte para derrotar Hui Nuan e salvar sua mãe. Apesar de temer uma aproximação entre os dois felinos, Po ficou feliz por ter um aluno tão entusiasmado, estavam se tornando amigos.

Na hora do almoço, tudo voltou à normalidade e agora Po e o novato estavam se dando bem. Po era o ídolo de Dishi, e ele era de certa forma muito parecido com o panda, tinha bom coração, era otimista, estava sempre tentando melhorar.

No meio da tarde de treinamento, Po observava uma luta entre Garça e Dishi, guiando-o a usar seus instintos e reflexos de tigre, planejava meditar com ele depois e fazer tai chi para ajudá-lo a respirar melhor, quando Zeng entra voando pelas portas abertas do salão quase topando no boneco no qual Po bateu quando chegou ao palácio. Ele estava segurando a porta.

– Mestre Po! Mestre Po! Visita pra você.

– Quem é? – Perguntou Tigresa.

– Ah... haha, é a Song – respondeu ele sem graça.

– Ela não vai ficar muito tempo.

– Oh Tigresa, calma – disse enquanto segurava o tigre fêmea pelos braços - acho que ela vai embora, eu já volto. Dishi, termine a série que te dei e depois me espera lá no Pessegueiro Sagrado – Po curvou-se para o aluno, que fez o mesmo e saiu correndo, ignorando um grunhido vindo de Tigresa.

– Por que você odeia tanto ela?

– Eu não a odeio, novato, eu não confio nela.

– Conta outra – Dishi riu de sua própria resposta para a mestre. Os outros apenas olharam - você é tão bonita, vai ficar com rugas se ficar brava porque garotas conversam com ele.

– Tudo bem, olha... vá terminar seu treino de hoje. Não é da sua conta o que eu sinto ou não e meus motivos - saiu do salão e se dirigiu ao Salão dos Heróis para ficar sozinha.

Quando saiu, passou por Po e Song que estavam abraçados, ouviram o grunhido dela e se separaram para vê-la passar.

– Não podemos mais esperar para chamar os Cinco Furiosos e o Dragão Guerreiro, eles tem que vir antes que aquele tigre chegue ao príncipe...

– Mas eu fui seguido - disse o lince - o que vamos fazer?

– Leve essa mensagem para meu filho, vamos para próximo de Gongmen. Não é um lugar que vá trazer boas lembranças, mas ele sabe onde fica e Hui Nuan não nos encontrará se partirmos antes que ele chegue aqui e destrua o resto de nós.