O mundo de Azeroth já viu grandes conflitos acontecerem. Em mais de dez mil anos, guerras eclodiam e cessavam, terras afundaram e nasceram, continentes se partiam e formavam novas terras, novos reinos. Quantas histórias ocorreram nesses dez milênios. Eram tantas que poucos podiam orgulhar-se de conhecê-las todas.

Azeroth era apenas parte de um vasto universo, foi criada pelos Titãs, seres ancestrais com poder de criação quase divino. Não se sabe a origem deles, mas se sabe que foram estes seres que colocaram ordem no caos que era o universo. Foram eles que deram vida aos planetas como o meu, que fizeram brotar as plantas, ergueram as montanhas e inundaram os mares. Foram eles que criaram os seres vivos e, desses seres, surgiram diversas raças, que conviviam em paz – ou não – em nosso mundo.

É claro que há muito a ser dito sobre essa história, um livro não seria suficiente para explicar a grandiosidade desta lenda, mas o que importa saber a respeito dos titãs, além do que foi dito, é que um deles, por ceder à loucura e à arrogância, afastou-se de seu propósito inicial e caiu em desgraça. Sargeras era o nome deste titã, um dos mais poderosos do Panteão, mas que afastou-se dos irmãos e de seu dever quando foi tomado por ódio e loucura, frutos de armadilhas de seres nefastos, mais antigos que os próprios titãs.

E, da cisão entre Sargeras e os demais, surgiu a Legião Ardente, criada pelo Titã Caído. Este era seu exército, o maior que todo o universo conhecera, cujo objetivo não era outro além da destruição de toda obra criada pelo Panteão Titãnico. Enquanto os titãs ordenavam e cuidavam do universo, Sargeras e seu exército de demônios destruíam tudo o que viam pela frente. E assim mundos queimaram, guerras infinitas eram travadas enquanto raças inteiras desapareciam sob os pés da Legião Ardente.

E em sua cruzada sangrenta em busca da destruição total, um dia o olhar de Sargeas voltou-se para Azeroth, o jovem mundo que florescia sob o olhar zeloso do Panteão. Assim as guerras ocorreram, por diversas vezes os demônios do Titã Caído tentaram invadir e destruir este mundo mas as criaturas que ali viviam resistiram bravamente, rechaçando uma a uma cada tentativa de invasão que seus inimigos intentavam.

Derrotados não uma, mas diversas vezes, os inimigos retiraram-se e, por várias eras, Azeroth teve paz. Até que uma nova tentativa, um novo plano, surgiu na mente maligna dos maiores generais da Legião. O que os levou até este plano final para uma nova invasão do mundo de Azeroth não cabe tratar nessa história, mas é nesse contexto que tudo começou para mim.

Bem, agora que eu lhes expliquei o básico sobre meu mundo e sobre a Legião Ardente, creio que já posso me apresentar. Sou Lynnia Abbendis, filha orgulhosa do reino de Lordaeron, o maior reino humano que Azeroth já conheceu, embora sei que muitos possam discordar de mim nesse sentido. Quando essa história começou, eu não era nada além de uma garota que começava a entender toda a história do mundo, essa que acabei de lhes contar. A história da Legião Ardente e de como tentaram tantas vezes invadir Azeroth era algo que me intrigava e fascinava, eu lia diversos livros sobre esse assunto, sempre orgulhosa de como conseguimos rechaçar aquele exército infinito de demônios para além de nossa casa.

Quando eu era criança, minha brincadeira favorita era imaginar que era uma maga, como os famosos magos do passado ou então aqueles que ficavam na cidade de Dalaran. Gostava de imaginar que estava com um livro de feitiços na mão, atacando com magias poderosas e lutando contra os demônios de Sargeras ao lado de heróis lendários e do meu melhor amigo, Eliot Lawrence, que sempre se viu como um guerreiro zeloso e forte. Passávamos horas brincando, deixando a imaginação fluir, era tão divertido imaginar que vencíamos batalhas e guerras contra esse inimigo, mandando aqueles malditos demônios de volta para o lugar de onde vieram.

Bons tempos, sabem...

Se alguém que lutou nessas batalhas me ouvisse falar ou assistisse minhas brincadeiras – sim, em Azeroth há seres tão antigos e raças tão ancestrais quanto essas histórias que eu contei – diria que eu sou leviana demais por tratar como brincadeira algo tão sério. Mas a leitura, a imaginação a respeito de eras passadas, as conversas sobre nosso passado, sempre temperadas com muita fantasia, eram meu passatempo favorito. Isso porque minha vida, meus amigos, naquela época era extremamente tediosa.

Não que hoje não seja... mas vamos por partes.

Bem, eu cresci com essas histórias. Sempre desejei viver aventuras semelhantes, sempre quis aprender tantas coisas, mas aí a realidade quebrou a fantasia. Vocês já devem ter percebido que eu gostaria muito de aprender magia, não é? Bem, mas isso não era para qualquer um. Para isso, o candidato deveria ir até a cidade de Dalaran e apresentar-se aos magos do chamado Kirin Tor, ou o Conselho de Magos, os mais poderosos do mundo. Eles então testavam o candidato e, se houvesse algum potencial ali, ele seria autorizado a estudar na cidade. O ideal seria que a pessoa fosse apresentada em idade tenra, de preferência lá pelos seus dez anos de idade, ou seu potencial diminuiria com o tempo. Ao menos foi o que eu ouvi.

E quando eu completei dez anos, claro que pedi a meu pai para estudar em Dalaran. Meu amigo Doan, que era apenas um ano mais velho que eu, havia ido no ano anterior e agora estava de férias em casa e me contou tudo o que lhes disse antes, e vocês não podem imaginar como meus olhos brilharam quando ouvi as histórias que ele me contava sobre a cidade.

— Lynn, a cidade é toda de mármore, as ruas são de pedras violetas, os telhados e domos coloridos são de tirar o fôlego! – dizia Doan, de olhos brilhando – E tem pedras mágicas flutuando ao redor das torres, brilhando e iluminando a cidade à noite. Acho que nem o palácio do rei Terenas é tão lindo! E você precisa ver a biblioteca! Milhares de tomos mágicos, mais antigos que a própria Dalaran! Sério, acho que você vai adorar tudo por lá!

— Preciso pedir ao papai para me deixar ir! – eu respondi, já planejando milhares de coisas para fazer quando estivesse lá – Imagine nós dois estudando juntos! Seria demais!

— Pode ter certeza! – ele riu e eu podia ver claramente nos olhos do meu amigo todas as coisas divertidas que ele pensava em fazer se eu estivesse lá com ele – Iríamos treinar juntos, aprender a duelar, depois comer os pães maravilhosos da estalagem próxima à Cidadela Violeta! Lynn, eu acho que vou voltar de lá gordo ano que vem. A comida é tão boa que eu não consigo sair da mesa sem repetir o prato pelo menos uma vez.

Eu ri alto, a cara de Doan era impagável. Engraçado, eu me pergunto como estou conseguindo escrever essas coisas agora, com esse toque nostálgico e tão... não sei... carinhoso? Mas não se enganem comigo, leitores. Não pensem que meu coração está em paz enquanto escrevo isso, mas também esqueçam essas divagações. Não deem atenção, voltemos à história. Mais tarde vocês entenderão por que digo isso.

Enfim, Doan e eu passamos muito tempo conversando animadamente, planejando brincadeiras, aventuras, criando planos para nosso futuro como magos, imaginando a vida naquela encantadora cidade, e meu amigo até me ensinou um feitiço simples, pedindo por tudo o que era mais sagrado que eu não dissesse a ninguém que ele fez isso. Não era nada de mais, só um pequeno truque que consistia em conjurar uma pequena pedra de gelo que logo derretia ao calor que fazia naquela época do ano. Era um truque que não servia para nada mas imaginem a minha alegria quando, depois de poucas tentativas, eu finalmente consegui criar uma pequena pedra de gelo que cabia na palma da minha mão. Só faltou eu sair por aí dançando, tamanha foi minha satisfação.

— Lynn, você tem talento! – Doan olhou-me maravilhado – Caramba, você realmente tem talento! O Kirin Tor vai aceitar você sem dúvida nenhuma!

— Mesmo? – eu estava quase chorando de alegria – Você acha?

— Eu levei mais tempo que você para aprender esse truque, então é claro que você seria aceita! Cadê lord Arthur? Precisamos falar com seu pai, Lynn!

E foi aí que tudo começou a desandar.

— Lynnia, papai não vai aceitar isso! – era Brigitte, minha irmã mais velha, quem falou, saindo de dentro de casa e quase correndo até onde Doan e eu estávamos. Acho que ela viu o truque que meu amigo me ensinou e seu olhar estava bastante severo.

Doan levantou-se e olhou para Brigitte entre encantado e preocupado. Eu sabia que ele gostava muito dela e, francamente, não entendia o porquê, mas o olhar quase apatetado dele não deixava dúvidas dos sentimentos que meu amigo nutria. Já Brigitte, mais uma vez o encarou com um olhar que beirava o desprezo. Garota arrogante!

Mas o que ela dissera enfiou um espinho no meu peito e eu deixei para lá qualquer outra coisa que não fosse a opinião de papai sobre meus planos para o futuro.

— Por que você disse isso? – eu questionei Brigitte com uma preocupação crescente. Ela era próxima demais dele, muito mais do que eu, e devia saber o que estava dizendo.

— Papai detesta magia. Ele vive dizendo que magos são potencialmente perigosos, que foi a magia que atraiu a Legião Ardente para Azeroth, que foi a magia que chamou a atenção de Sargeras para nós. Além disso, todo mundo sabe que magos são estranhos. Ele não vai querer que você...

— Ei! – Doan protestou, finalmente desfazendo aquela cara de pateta e defendendo sua dignidade – Eu estou estudando para ser um mago, Bree, e não sou nem um pouco esquisito. Pode dizer isso a lord Arthur. E diga também que não tem nada de perigoso na magia, desde que você estude com afinco e execute com sabedoria.

— Sério? – Brigitte rebateu com bastante sarcasmo – Você não é esquisito, Doan? Desculpe, mas não é o que eu penso. E papai, se disse isso, tem razão e eu não vou discutir com ele. Lynnia não vai aprender magia, ele não vai deixar. Ela devia ser uma paladina, como Eliot, como eu, como papai e lord Uther!

— Você e Eliot ainda não são paladinos, Bree, pode baixar sua bola. – Doan rebateu enquanto eu apenas ouvia, sem qualquer reação – Só estão estudando para isso. E, se meus pais falarem com o seu, eles convencerão lord Arthur a permitir que Lynn estude comigo em Dalaran, quer apostar?

— Tente então. – Brigitte deu de ombros – Mas eu não quero minha irmã metida com essas artes questionáveis! Magia não é para gente decente.

— Brigitte, quer calar a boca? – eu finalmente entrei na conversa, com pena do meu amigo, que estava bastante magoado, e furiosa com as palavras duras que minha irmã dirigia a ele – Pare de ofender! Não sei como você pretende ser uma boa paladina tratando os outros assim!

— Só estou dizendo a verdade, Lynnia. – foi a resposta bastante insensível que recebemos - E você, Doan, é uma pena que esteja desperdiçando sua vida com algo tão duvidoso. Eu realmente esperava muito mais de você, sabia?

— Eu que esperava mais de você, Bree. – meu amigo rebateu, ainda magoado mas com uma firmeza que me encheu de orgulho – Você sempre foi uma pessoa admirável, corajosa, inteligente, fervorosa... mas depois que começou seu treinamento, mudou muito. Quem está treinando você? Lord Darthrohan? Pelo seu tom, só pode ser.

Lord Saidan Darthrohan era de fato o treinador da minha irmã. Era tudo o que eu não esperava de um paladino, que deveria ser um guerreiro sábio, temente à Luz Sagrada, justo, bondoso, humilde. Mas, se eu abrisse a boca para criticar o mestre da minha irmã... que a Luz me defendesse porque a casa viria abaixo! E, de fato, veio mesmo depois daquelas palavras de Doan. Se eu não interferisse, minha irmã daria uma surra no meu amigo.

— Já chega! – eu quase gritei, segurando Brigitte enquanto ela se debatia, seus cabelos ruivos chicoteando para lá e para cá enquanto ela ficava cada vez mais furiosa – Brigitte, eu disse chega!

— É melhor você me soltar, Lynnia! – ela ameaçou mas eu não soltei – Solte ou vai sobrar para você também!

— Parem agora mesmo! – era meu pai, que acabava de chegar e encarava aquela cena toda com um inconfundível olhar de desaprovação. Sua voz de barítono soou alta e assustou a todos nós. Soltei Brigitte, que encarou Doan mais uma vez com um profundo desprezo enquanto ele apenas desviava o olhar e eu suspirava, cansada. Querem apostar quanto que iria sobrar para mim?

— Papai, desculpe por isso mas foi preciso. – nem parece que Brigitte era uma criança feito todos nós. Ela falava sério, com uma cara de quem era obrigada a tomar atitudes drásticas mas absolutamente necessárias, e como esse comportamento arrogante me irritava! – Doan mais uma vez criticou lord Darthrohan e eu fui obrigada a agir. E ele ainda quer levar Lynnia para estudar em Dalaran!

Obrigada, Brigitte. Obrigada mesmo, maninha.

— Como é? – papai me encarou com seus penetrantes olhos cinzentos e eu, mais uma vez, como sempre, me senti intimidada. Ele pareceu não gostar nada daquilo – Você quer estudar em Dalaran, Lynnia?

— Lord Abbendis, eu... – Doan ia começar a falar mas papai o interrompeu com um gesto, ainda olhando para mim.

— Pai, eu sempre quis, na verdade. – eu fui falando, olhando nos olhos dele e rezando à Luz para que papai aprovasse aquilo – Desde pequena eu sonho em aprender magia, ser uma maga poderosa, defender Lordaeron como os heróis do passado. E agora que nosso reino criou a Aliança, agora que estamos unidos a tantos outros reinos para defender Azeroth da Horda, seria tão legal poder fazer isso. Então eu posso ir? Por favor!

A história da Aliança e da Horda é complicada, meus amigos. Por hora, basta dizer que estávamos em uma guerra com esta facção rival, havíamos vencido várias batalhas mas ainda estávamos de sobreaviso, temendo ataques a qualquer minuto. É, senhores, a Legião Ardente não era nosso único inimigo, e nosso reino ainda precisava de heróis. E eu, claro, queria ser uma heroína do meu povo, como nas histórias que eu lia e nas brincadeiras que Eliot e eu inventávamos. Mas papai não parecia muito de acordo com isso. A resposta dele foi bastante incisiva:

— Com todo o respeito a você e à decisão de sua família, Doan – ele declarou olhando rapidamente para meu amigo e voltando a me encarar com severa preocupação – mas nós Abbendis não confiamos em magia para defender nosso lar. Não quando foi isso que trouxe a Legião Ardente para cá há tantos anos. Vocês sabem disso, o Kirin Tor sabe disso e insistem na utilização dessas energias perigosas. Lynnia, você servirá a Lordaeron e à Aliança, sim, mas não como maga. Sinto muito, filha, mas não arriscarei mandar você para aprender algo tão perigoso. É minha palavra final.

É, eu sabia do fato de que a magia havia realmente atraído a atenção da Legião para nosso mundo. Mas a história que eu conhecia era a de que a magia havia sido usada de forma quase desvairada, imprudente, irresponsável, abundante. Não era como agora, o Kirin Tor tinha como função justamente cuidar para que isso nunca mais acontecesse, então eu não podia entender por que meu pai não entendia isso. Doan respondeu isso a ele, eu insisti, pedi, chorei, bati o pé... mas papai manteve o “não”.

— Mas se eu não for uma maga, o que serei então? – eu choraminguei, fazendo um pouco de drama, confesso – Não sirvo para mais nada além disso, pai. E eu quero defender Lordaeron!

Papai encarou-me e pensou por um minuto. Ele sabia que eu estava fazendo drama mas percebeu que havia um fundo de verdade no que eu dizia. Se eu treinasse, claro que poderia ser qualquer coisa, mas eu queria mesmo era ir para Dalaran, essa ideia estava tão fixa em minha mente a ponto de nenhuma outra opção me parecer boa o suficiente. Ele sabia disso mas, sendo um homem inteligente, logo uma ideia lhe ocorreu e ele propôs:

— Sabe quem está acolhendo alunos agora mesmo? Lord Tirion Fordring, o mestre de Eliot. Se quiser, mandarei você para lá o mais cedo possível e você defenderá Lordaeron e a Aliança como uma paladina. O que acha?

Paladina? Eu? Treinar com Lord Fordring, um dos maiores paladinos que o reino conheceu? E ficar perto de Eliot, de quem eu sentia tanta falta? Caramba, eu admito que minha vontade de fazer drama arrefeceu bastante depois dessa proposta. Eu ainda queria ser maga, e queria muito. Ser paladina era interessante mas muita gente na família já era e eu queria destaque, queria ser diferente, única. E queria ser maga, caceta! A ideia era boa, eu bem que balancei, mas não era meu sonho. Nunca foi.

— Lord Fordring treinaria Lynnia? – Brigitte arregalou os olhos e eu prestei bastante atenção na cara de absoluto espanto que ela fez. E sim, ela estava com inveja. Por mais que Bree gostasse de seu mestre, Lord Fordring era um herói! Quem não queria ser treinado por ele? E pensar que eu seria e ela não... foi impossível não sorrir. Ao menos em uma coisa eu não ficaria atrás dela, para variar. Então pensei melhor na proposta que recebi. Valia a pena sacrificar meu sonho e mudar de planos?

— Se eu recomendá-la a ele, com absoluta certeza. – papai respondeu e Brigitte olhou dele para mim, seus olhos cor de mel ainda arregalados, e eu sorri mais ainda. Era bom demais ver isso – O que me diz, Lynnia?

— Eu... – minha mente pensava freneticamente. Admito que a inveja nos olhos de Bree e a ideia de, pela primeira vez na vida, ter mais destaque do que ela, que era a queridinha de todo mundo, era o que mais me fazia querer aceitar a proposta de papai. Mas eu não era boba, pensei melhor e fiz o que fazia de melhor: usei a imaginação para me ver nesse futuro. E o que eu vi, admito, me deixou impressionada. A ideia de servir como paladina, ser uma guerreira sábia, justa, bondosa, treinada por alguém de quem eu era uma fã incorrigível, ficar perto de Eliot, que também seria um paladino, depois servir a Lordaeron e a Aliança ao lado dele, pensar que a Luz era uma arma ainda mais eficiente contra a Legião Ardente caso eles voltassem a botar o pé aqui... tudo isso varreu um pouco da frustração pelo “não” que eu recebi. Caramba, valia a pena, sim. Era um futuro bonito, mesmo que não fosse o que eu sempre quis.

Então eu finalmente encarei papai e sorri, um pouco mais animada:

— Eu quero sim, papai. – respondi finalmente, vencida.

Doan olhou para mim com um sorriso satisfeito. Um pouco frustrado, claro, mas meu amigo estava feliz por mim.

— Acho que vai se dar bem como paladina, Lynn, você é muito dedicada e talentosa. – ele disse enquanto colocava uma mão em meu ombro. Doan era como um irmão para mim, sempre do meu lado em todas as situações, e como eu gostava dele! Abracei meu amigo e agradeci, depois abracei papai e, quando percebi, estava cada vez mais animada.

— Mas você vai me escrever de Dalaran, não vai? – voltei a encarar meu amigo e sorri, esperançosa. Eu ainda visitaria aquela cidade, era questão de honra.

— Sempre, Lynn. E você, Bree, bem que podia parar de encrencar comigo, não é? Assim eu poderia escrever para você também e poderíamos ser amigos. – ah, Doan, seu bobão. Como ele gostava dela!

— Obrigada, mas não. – Brigitte respondeu empinando o nariz, deu meia volta e voltou para dentro de casa. E papai foi até Doan e colocou a mão gentilmente sobre o ombro dele.

— Lamento dizer essas coisas a respeito da magia e do Kirin Tor, rapaz, mas espero que você tenha juízo e deixe de lado um dia esse caminho perigoso que está tomando. Você é um bom rapaz, quero o melhor para você.

— Obrigado, Lord Abbendis, mas não se preocupe. Nunca mais a Legião Ardente virá a esta terra por causa do mau uso da magia. Garanto ao senhor. – meu amigo sorriu convictamente e eu o admirei por isso. Era muito bom ver a certeza nos olhos dele, a segurança de que escolhera um caminho certo, motivado por amor ao que fazia. Senti até um pouco de inveja, mais uma vez o espinho da frustração machucou meu peito porque eu sabia que acabara de tomar uma decisão motivada por algo tão bobo quanto o desejo de aparecer mais que minha irmã. Não era isso que eu queria, não foi com isso que eu sonhei. Queria ser como Doan e, porque não, como Bree, que seria uma paladina por convicção. Baixei a cabeça, despedi-me do meu amigo e entrei com papai em casa.

Assim começou minha jornada rumo ao destino que mais tarde caiu sobre mim. Não falarei disso agora, até porque quero criar um suspense, meus senhores. Desculpem, eu sou dessas. Não é todo dia que tenho ânimo ou tempo para escrever e, quando tenho, ainda conservo o desejo de fazer algo que vale a pena ser lido.

Não, não fiquei doente de tristeza. Não, não sou só uma pessoa frustrada, ao pé da lareira, escrevendo memórias de uma vida que nunca tive e nunca terei. Nada disso. Eu lutei e luto pela Aliança, por Lordaeron, por Azeroth. Luto com convicção. Luto com ardor, com cada pingo de força que me mantém em pé.

Mas a frustração foi o primeiro passo para uma queda dolorosa na escuridão. E é sobre essa queda que escrevo. Não há redenção para mim, já aviso agora antes que apareça alguém que deseje ver isso sendo retratado aqui. Não há como, não posso ser curada do que me tornei, e não estou fazendo drama, Você, leitor ávido por histórias de heróis caídos que se redimem, irá entender, eu garanto. Tenho uma ótima explicação para lhe dar, então não se frustre. Acompanhe, viva comigo cada dia, e prepare-se porque eu só comecei a contar o que houve. De verdade.

Lembra quando eu falei da Legião Ardente? Pois é. Ela vai voltar. E você vai me ver lutando contra ela. Então não espere uma simples autobiografia, porque você vai ter mais do que isso: você vai comigo nessa batalha. Aguarde e prepare-se para essa jornada para dentro da escuridão.

Você vai gostar. Prometo.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.