XXVII

LEALDADE

Ela não saberia explicar o que estava sentindo. Era uma mistura bizarra de alegria, excitação, nervosismo... Depois de dez anos ao lado de um único homem, Linda não tinha sequer uma vaga lembrança de como uma pessoa deveria se sentir depois de um primeiro encontro.

Mas, para tirar as dúvidas, ela decidira se encaminhar para a casa de Rosmerta, que era, provavelmente, a maior expert em encontros amorosos de Hogsmeade. Ou, talvez, de todo o Reino Unido.

Linda riu-se, caminhando pelas ruas do vilarejo. Estava agindo como uma adolescente.

Em sua distração, Linda sequer percebeu que Hogsmeade estava vazia. Que o gelo proveniente da chuva de granizo daquela madrugada ainda não tinha sido tirado das ruas. Que todo o local estava sinistramente silencioso.

Ela apenas prestou atenção em todos esses fatos ao virar à esquerda e chegar à rua principal do vilarejo. Lá, em frente ao Três Vassouras, estavam reunidos praticamente todos os moradores; olhando para o céu, eles se aglomeravam silenciosamente sob uma nuvem que tinha a forma da Marca Negra.

A noite anterior, a felicidade estranha... tudo foi escondido por um nítido e puro terror.

Algo acontecera com Rosmerta.

Mordendo o seu lábio inferior, Linda tateou o seu sobretudo, tentando encontrar a varinha. Ela sabia que a porta do bar estaria fechada; a única forma de saber logo o que estava acontecendo seria aparatar no pub.

E, assim que ela encontrou a sua varinha, o fez.

O bar estava escuro, e a primeira coisa que ela pôde enxergar foi um círculo de seis pessoas vestidas de branco, que estavam ajoelhadas e murmuravam diferentes encantamentos de cura. E, no centro da roda de medibruxos, sobre uma enorme poça de sangue estava...

Linda ofegou, chocada.

Andrew estava morrendo. Ele estava nu, pálido... cadavérico. Sobre o seu abdômen via-se uma enorme cicatriz que apenas poderia ter sido causada por uma maldição que Linda conhecia – Sectusempra. A maldição que, provavelmente, fora a causa da sua castração. A segunda cicatriz grande era vista em seu rosto. Ela começava na parte superior do seu olho esquerdo – que fora removido – e atravessava o seu rosto até o canto da boca, desfigurando as feições de Andrew num sorriso sinistro e perpétuo. O outro olho estava inchado e roxo. E, finalmente, metade dos cabelos de Andrew havia sido arrancado, exibindo o couro cabeludo sujo e muito ferido.

Linda ofegou mais uma vez, sem ação. Deu um grito abafado quando sentiu alguém tocar o seu ombro.

- Você não deveria estar aqui! – A voz era, sem dúvidas, de Rosmerta; mas o tom Linda não reconhecia. Duro, amargo.

Ela se virou.

Rosmerta parecia ter envelhecido dez anos. Os seus cabelos estavam desarrumados e a maquiagem pesada – provavelmente da noite anterior – escorria pelas suas bochechas, formando lágrimas negras. As suas roupas estavam encharcadas de sangue.

- Eu... – A voz de Linda falhou. Ela queria dizer que sentia muito. Queria jurar que Severo não tivera nada a ver com aquela barbaridade... mesmo não acreditando naquilo. – Jane-

- Não, Linda! Não! – Elas respirou fundo. – Não fale nada! Apenas saia daqui! A sua presença... foi o que causou isso!

- Isso não é justo! Andrew é meu amigo, eu jamais-

- Você, seu marido... Você sempre esteve ao lado dele! Foi ele quem fez isso! Eu vi! Ele, Lúcio Malfoy e aquele Yaxley! Seu marido, seu tio e seu ex-namorado! Se você realmente quer acreditar que não tem nada a ver com isso, Linda Marie, que continue se iludindo! Mas eu, e todos que moram no vilarejo, sabemos a verdade!

Linda deu um passo para trás, o nó na garganta se intensificando.

- Você viu?

Rosmerta desviou o seu olhar. A sua expressão mudou – o ódio deu lugar a um terror indescritível, como se ela tivesse revivendo a tragédia que se passara há algumas horas.

- Severo? Severo fez isso?

- As risadas me acordaram. As terríveis risadas, seguidas pelos gritos de Andrew. Quando eu saí, os três jogaram o corpo dele, quase morto, aos meus pés. Eles tiraram as máscaras e dava para ver que eles estavam bêbados. Yaxley me paralisou, enquanto Lúcio conjurava a Marca Negra e o seu marido desferia o golpe final: ele cortou a língua de Andrew com uma adaga. Depois, disse que eu falasse algo, teria o mesmo destino. – Rosmerta enxugou os seus olhos. – Eu não quero o mesmo destino! Eu não quero mais ficar perto de você!

Linda fechou os olhos e suspirou, derrotada. Ela não tinha como argumentar. Ela não tinha forças para tentar convencer a Rosmerta que, se soubesse, jamais teria se aproximado deles. Assim, tão repentinamente quanto havia chegado ao Três Vassouras, ela saiu, aparatando na frente da sua casa.

Ao abrir a porta, Linda teve a segunda surpresa desagradável do dia. Era Severo, que andava nervosamente pela sala, segurando um copo de uísque de fogo. Mais uma vez, o seu coração deu uma guinada.

- Nós precisamos conversar – Ele disse, com um tom de urgência.

- Foi você?

- Linda, me escute...

- Foi você? – Ela exigiu. – Foi você que fez aquilo com o Andrew?

Ele suspirou e baixou a cabeça.

- Ele beijou você.

A confirmação fez com que Linda morresse um pouquinho. Finalmente, ela deixou as suas lágrimas caírem.

- Eu deixei. Eu quis que ele me beijasse.

Severo a olhou por um tempo. O vinco em sua testa era evidente, e os seus olhos negros não tinham mais nenhum brilho. A expressão dele, para quem não o conhecesse, estaria quase plácida. Mas Linda sabia como as suas palavras o haviam ferido.

- Você... Você está-?

- Apaixonada por ele? – Severo assentiu. Linda apenas soltou uma risada sarcástica. – Você estava apaixonado por Narcissa?

- Porra, Linda! – O copo que ele tinha na mão quebrou-se. Linda viu algumas gotas de sangue, mas não sentiu vontade de ajudá-lo. – Nós já conversamos sobre isso!

- Se você não amava Narcissa quando dormiu com ela, porque acha que eu amo Andrew só porque eu o beijei?

- Não, eu não acho isso! – Ele disse, enquanto usava a sua varinha para tirar os cacos do ferimento em sua mão. Enfim, completou, com uma voz quase inaudível. – Mas eu tenho medo que isso possa ser verdade.

Linda encostou-se à porta e cruzou os braços. Ainda com a voz carregada de sarcasmo, disse:

- Porque você ainda me ama. E ainda acha que nós podemos ficar juntos.

- Sim.

Ela rolou os olhos.

- Você quase matou um amigo meu. Como você pode esperar que eu o perdoe, se cada vez que você se aproxima de mim, você encontra outra maneira de me magoar?

Severo se aproximou lentamente e, apesar de Linda querer exigir que ele mantivesse certa distância, não conseguiu. Ela deixou que ele tocasse carinhosamente os seus ombros, sujando de sangue o seu casaco.

- Eu- Eu não consigo mais pensar, Linda! Eu tinha tudo sob controle até que- Eu não sou acostumado a perder o controle da situação! Eu não sei lidar com... com esse tipo de pressão! Se você soubesse-!

Linda fechou os olhos.

- O que você está fazendo aqui, Severo?

- Eu apenas... Eu queria te ver.

- Mas eu não quero ver você.

- Não, Linda... Se você soubesse... Eu... Esqueça. Foi um erro.

As mãos de Severo seguraram Linda com firmeza e ele a forçou a se afastar da porta. Sem olhar novamente para a mulher, ele a abriu. Severo já estava do lado de fora quando Linda o chamou:

- Severo! – Ele se virou. – Então você viu? O beijo?

Severo respirou fundo e desviou o olhar, como se afastando uma lembrança muito ruim.

- Sim.

Ela deu um meio-sorriso.

- Dói, não é?

- Muito.

XxXxXxX

Poções. Quando era adolescente, em Beauxbatons, aquela era uma das matérias que Linda mais gostava, embora jamais tenha conseguido dominá-la na prática. Quando conheceu Severo, eles tinham longas conversas sobre o assunto, mas, depois que se casaram, aquelas conversas haviam terminado. Uma mulher não deve se meter no trabalho do marido, a mãe de Linda lhe ensinara, e poções era o trabalho de Severo. Agora, separada, ela se via livre para redescobrir aquele pequeno prazer, nas páginas do livro que há meses comprara para Severo, como presente de aniversário.

O livro de Gabrielle Spector era interessante. Nele, a autora apresentava novas abordagem e teorias acerca de poções tradicionais. Segundo ela, por exemplo, o Veritaserum teria efeitos indesejados se usado numa pessoa com menos de cinco anos de idade – como a criança pode confundir realidade com fantasia, ela poderia dizer inverdades, ainda que sob efeito da droga. Aquilo era puramente teórico, claro; afinal, ninguém testaria uma poção como o Soro da Verdade numa criança. Mas a teoria fazia sentido, e certamente seria um ótimo tópico para debate.

Naquele momento, Linda se distraía com o capítulo sobre a poção Polissuco. Spector dizia que aquela poção perdia o efeito devido à filtragem natural do sangue pelos rins e, com o coração parando de bater, o cadáver terminaria preso no seu estado transformo. A autora continuava explicando que o elemento que dificultava a filtragem era o pó de chifre de Bicórnio; logo, aumentar a sua dose melhoraria a eficiência da poção. E concluía com algo sobre uma overdose de pó de chifre de Bicórnio; mas duas batidas na porta não deixaram Linda terminar.

Ela suspirou, colocando o livro sobre a sua mesa de centro e se levantando. Antes de abrir a porta, olhou-se de rapidamente no espelho da sala de jantar e soltou os seus cabelos.

Se soubesse que quem estava do outro lado da porta era Narcissa Malfoy, não teria se dado o trabalho.

- Olá, Linda Marie.

O rosto de Linda enrubesceu, enquanto mágoas ressentimento que ela achava ter deixado para trás ressurgiam. Ela não queria deixar aquela mulher entrar em sua casa.

- Narcissa. Sinto muito, você está perdendo o seu tempo. Severo não está aqui. Faz um mês que eu não tenho notícias dele.

- Eu vim falar com você.

- Eu não tenho nada para falar com você.

E tentou fechar a porta. Narcissa a impediu, forçando a abertura com mais força do que Linda a julgava possuir.

- Eu não queria vir lhe procurar, por motivos óbvios, mas tenho que falar com alguém em quem Severo confie! Eu sei que vocês estão separados, Linda Marie, mas não consegui pensar em outra pessoa! – Ela olhou para os lados com urgência. – Apenas, me escute! Se você ainda se importa com ele, deixe-me entrar!

Linda não sabia exatamente o que a fizera abrir a porta; curiosidade, talvez – nunca tinha visto Narcissa com um ar tão aflito em seu rosto. Quando a mulher entrou, Linda percebeu o quanto estava nervosa.

- Tire o seu casaco, Narcissa. Você quer um chá?

Ela deu um sorriso angustiado.

- Eu estou, pela primeira vez em minha vida, me transformando num alvo. Tenha a decência de me oferecer um hidromel.

Linda apenas rolou os olhos e pegou, na sala de jantar, uma garrafa da bebida que Narcissa lhe pedira e um copo.

- Eu realmente duvido disso, Narcissa. Você é egoísta demais. Jamais faria algo que pudesse lhe prejudicar.

- Eu não estou feliz com isso! Mas tenho que manter os meus princípios. Eu sou uma Black, afinal.

- Ok. – Linda entregou a bebida e o copo à Narcissa. Ela se serviu de imediato. – Então me diga: por que você não procurou o próprio Severo? Eu não tenho mais nada a ver com ele.

Narcissa suspirou, tomando um grande gole do seu hidromel.

- Por dois motivos – ela disse com cautela. – Primeiro, porque eu não quero que saibam que eu fui procurá-lo... e tudo que se passa naquela escola chega aos ouvidos do Lorde das Trevas. E, segundo, porque ele me disse para ficar longe dele.

- Eu não entendo-

- O Lorde está desconfiado – Narcissa começou rapidamente. – Ontem à noite Potter foi capturado, mas conseguiu fugir. O fato é que ele tinha a espada de Godric Gryffindor e, apesar de um dos duendes ter afirmado que era uma espada falsa, o Lorde tem as suas dúvidas; ela era perfeita demais.

Aquilo não era possível. Linda vira Severo deixar a espada no cofre dos Lestrange.

- Mas...

- Deixe-me terminar! – Linda calou-se. – O Lorde sabe que era responsabilidade de Severo guardar a espada e sabe também que as únicas pessoas que viram a espada ser colocada no cofre dos Lestrange foram Rodolphus e Severo! E por motivos óbvios, o Lorde não confia no marido de Bellatrix.

O coração de Linda disparou. A sua mente retrocedeu àquele dia em Hogsmeade – Severo a pedira para distrair Bellatrix; para evitar que ela entrasse também no banco. Linda, de fato, não viu Severo guardar a espada do cofre dos Lestrange. Ela o viu entrar no banco com a espada e sair sem ela; enquanto Linda bebia com Bellatrix.

- De qualquer forma, o Lorde ficou furioso. Ele disse a Lúcio que logo acabará fazendo o que Cécile lhe pediu.

A briga que Linda e Severo tiveram no dia do aniversário dele, presenciada por Cécile. A mãe de Linda disse que queria Severo morto.

- Não...!

Narcissa respirou fundo.

- Severo não deveria saber de nada disso, Linda Marie. Eu não sei exatamente como isso afeta os planos dele, mas ele tem que ser ainda mais cuidadoso agora. Por favor, fale com ele. Diga tudo isso.

Narcissa abriu a boca para falar mais alguma coisa, mas impediu-se. Levantou-se, deixou o seu copo sobre a mesa de centro e começou a se encaminhar para o lado de fora da casa.

- Narcissa! – Ela parou. – Por quê? Por que você está ajudando ele?

Ela se virou. Um sorriso cansado aparecia em seu rosto, deixando-a mais velha. Mais humana.

- Severo me fez um favor muito grande, e eu ainda não encontrei um meio de retribuí-lo. Uma Black não tem dívidas, Linda Marie. Você sabe disso.

Linda franziu o cenho.

- Eu pensei que fosse pelo que vocês tiveram.

- Nós não tivemos nada! – Ela deu de ombros. – Ele estava triste e meio bêbado, e eu dei um jeito de fazê-lo se sentir melhor. Um passo errado, infelizmente. – Ela pausou por um momento, talvez decidindo se deveria ou não continuar. Finalmente, disse: – Severo arriscou a vida por Draco e acabou salvando-o.

Linda abriu a boca.

- Como assim?

- Há dois anos eu praticamente obriguei Severo a fazer um voto perpétuo. – A expressão de Linda espelhou o mais puro horror, mas ela sequer teve tempo de falar. – E ele concordou, acho que apenas para provar para a minha irmã que a lealdade dele ainda estava do lado do Mestre. Eu fiz com que ele prometesse matar Dumbledore se Draco não conseguisse; e é claro que eu sabia que Draco não ia conseguir!

Linda aproximou-se dela com o coração palpitando.

- Você está em dizendo que ele não tinha escolha? Que era a vida dele ou a vida de Dumbledore? Como você pôde fazer isso?

- Eu estava desesperada! Claro, na época eu não sabia que Severo era leal à Dumbledore... – Linda arregalou os olhos novamente, sentindo o coração parar. – Eu não sabia da amizade deles!

- Do que você está falando?

Narcissa franziu o cenho.

- Você não sabe que Severo é leal à Ordem da Fênix? – Linda apenas continuou a olhá-la em choque. – Você não percebe isso?

- Como você sabe disso?

- Eu presto atenção, Linda Marie! Eu escuto o que ele fala, eu estudo as suas expressões. Ele é muito diferente dos outros Comensais! Você, que vive com ele, deveria ter percebido isso!

Linda negou com a cabeça.

- Mas todas as provas-

- São irrelevantes. Você conhece o caráter dele, não conhece? – Narcissa bufou impacientemente. – De qualquer forma, depois da morte de Alvo eu percebi que ele não comemorava conosco. Enquanto eu conversava com ele, eu via claramente que ele não estava feliz. Quando eu cheguei à conclusão de que Severo não estava do nosso lado, mas do lado da Ordem da Fênix, eu percebi o mal que tinha feito a ele. Ele não é como os Comensais; matar Dumbledore para ele foi como descer ao inferno. Eu vi que ele salvou o meu filho a um preço alto demais; e é apenas por isso que hoje eu guardo o segredo dele! É por isso que eu te dou essa informação e é por isso que, todas as vezes que eu menti dizendo a todos que Severo é o mais leal dos Comensais, eu sabia que ainda não estava fazendo o suficiente!

"Eu tenho a mais absoluta certeza de que Severo preferiria ter desistido da própria vida para manter Dumbledore vivo... mas ele não o fez. Ele, por algum motivo que eu não quero conhecer, ele decidiu salvar Draco e poupar a própria vida; eu tenho certeza que ele discutiu com Dumbledore esse passo." Os olhos azuis de Narcissa miraram Linda com expectativa, mas ela apenas ofegava, absorvendo as informações. "Por favor, diga alguma coisa!"

Linda desviou os seus olhos dos de Narcissa e tateou a parede, buscando apoio. Desabou na cadeira preferida de Severo e respirou fundo algumas vezes. O que ela tinha dito? O que aquilo tudo significava?

- Eu não entendo...

Narcissa rolou os olhos e se aproximou de Linda.

- Quando eu cheguei à conclusão que Severo estava do lado da Ordem da Fênix tudo fez sentido para mim, Linda Marie. Eu te conheço desde que você era uma criança, afinal; sempre soube do desprezo que você tem pelas nossas ideologias; a ideologia dos Malfoy e dos sangues-puros. Eu sabia que deveria existir algum motivo oculto no seu casamento com Severo, afinal você não se submeteria a um casamento com o Comensal da Morte que é um dos melhores amigos do seu pai e do seu tio. Ele lhe contou tudo antes de se casar, não contou?

Linda mordeu o lábio, perguntando-se se aquela conversa fora planejada Lorde das Trevas; se Narcissa estava tentando enganá-la para que ela contasse o que Severo lhe revelara sobre sua lealdade há anos.

- Ele lhe contou, Linda Marie?

Ela assentiu lentamente.

- Ele me disse que se arrependeu e prometeu a Dumbledore que faria de tudo para manter Harry Potter vivo; para validar o sacrifício de Lílian Potter.

- Eu imaginei que fosse isso. Severo amou Lílian profundamente.

- Mas eu não acredito, Narcissa. Eu não acredito que ele ainda esteja do lado da Ordem.

Narcissa sorriu calidamente, ficando com uma expressão serena que era muito difícil de ver no rosto da mulher do seu tio.

- Você realmente acredita nisso, Linda Marie? Você nunca percebeu que os encontros com o Lorde estão matando-o lentamente? – Ela suspirou. – Ele está cada vez pior, sabia? A minha teoria é que ele precisa de você.

Sem mais, a mulher encaminhou-se para a saída.

XxXxXxX

Severo olhou para o teto, ainda iluminado pela meia-luz dos archotes, apesar da hora. A sua cabeça doía – provavelmente culpa da quantidade absurda de uísque de fogo consumida naquela tarde. Não adiantava; ele não conseguiria dormir. Ele nunca conseguia.

- Inferno!

Bufando, ele se levantou. Aquilo já estava virando uma rotina – tardes regadas a uísque, noites em claro... Interessante, fazia anos que ele não se deixava afundar no comportamento autodestrutivo. A última vez foi antes de conhecer a sua mulher.

Ex mulher – ele se corrigiu.

Os lábios de Severo se curvaram num sorriso sarcástico – era sensato ignorar aquela linha de pensamento, ela nunca lhe fazia bem. Naquele momento, melhor seria resignar-se e continuar a sua rotina destrutiva, se dopando com uma porção tripla de sedativos.

Ele se encaminhou até a ante-sala e já localizara a sua poção do sono quando ouviu vozes vindas da sala da direção. Até se alegrou um pouco – expulsar um aluno abelhudo certamente melhoraria o seu humor... mas ele sentiu o seu coração afundar ao ver quem realmente estava ali. O Lorde das Trevas.

- Boa noite, Severo.

Ele engoliu seco, demonstrando em seu rosto a surpresa.

- Há algo que eu possa fazer por você, Milorde?

O Lorde das Trevas sorriu de uma forma maligna, se aproximando de Severo.

- Eu pensei que a primeira pergunta que você fosse me fazer seria como eu entrei aqui?

- As proteções de Hogwarts são muito fracas comparadas ao seu poder. – Deu de ombros. – Acho que seria uma pergunta estúpida.

O Lorde assentiu.

- De fato. Mas eu achei muito frustrante que os Carrow não pudessem me dizer a senha para entrar aqui.

- Ninguém a tem. Eu prefiro manter a minha privacidade. Foram os Carrow que lhe deixaram entrar no castelo?

- Aleto. E jamais duvide das proteções dessa escola, Severo.

- Então como o senhor entrou?

O olhar de Voldemort tornou-se quase triunfante. Ele não respondeu de imediato; como se ele quisesse saborear o momento. Uma criança, criando suspense antes de revelar o seu brinquedinho novo. Por fim, disse:

- Eu voei.

Severo franziu o cenho.

- Vassoura?

- Não. Eu voei. Apenas algo no qual eu estive trabalhando nos últimos tempos e finalmente consegui. Se você quiser, posso lhe ensinar; não acho que nenhum dos demais Comensais conseguiria realizar esse tipo de magia.

Severo piscou duas vezes, finalmente esquecendo a dor de cabeça e as preocupações anteriores. Acesso a novos tipos de magia foi um dos principais motivos que levou Severo ao lado das Trevas. Ele tinha certeza que, seja qual fosse o encantamento que permitira o Lorde das Trevas voar, era algo maligno. E muito poderoso.

Não conseguiu conter a sua voz e a sua sinceridade ao responder.

- Claro que quero.

- Perfeito. Mas, antes, eu quero que você faça algo por mim – Severo ergueu uma sobrancelha. – A Varinha das Varinhas, Severo. Eu a encontrei.

Ele havia encontrado. Severo tentou assentir, tentou manter a sua expressão neutra. Tentou não agir como um homem que acabara de receber a sua sentença de morte. Abriu a boca, mas nenhum som escapou pelos seus lábios.

- Impressionado?

Quando forçou um sorriso a aparecer em seus lábios, Severo notou que eles tremiam. A sua voz estava igualmente instável quando conseguiu dizer:

- O senhor já a recuperou?

- Não. Eu preciso da sua ajuda. Acontece que o portador da varinha era Dumbledore. E hoje ela está em seu túmulo. Creio que apenas o diretor possui acesso aos mausoléus da escola, certo?

Severo respirou fundo.

- Sim. Apenas eu posso violar a tumba de Dumbledore.

Uma risada rouca, que mais parecia um grunhido, formou-se na garganta do Lorde.

- Violar é uma palavra muito forte, meu amigo. Eu apenas vou pegar algo que deveria me pertencer. Vamos?

Severo assentiu, pondo sobre os seus ombros um sobretudo que estivera pendurado perto do seu gabinete e encaminhando-se para fora da sala, imediatamente seguido pelo Lorde das Trevas. O seu coração palpitava por não saber se sobreviveria ou não àquela noite. O medo de morrer e o pavor por, talvez, estar tomando uma decisão errada lhe corroia... E se os planos de Dumbledore não funcionassem? E se a sua morte fosse, de fato, parte dos planos dele?

Aquilo não era justo. Passar anos se sacrificando por uma causa, e, no fim, não desfrutar da paz? Não era justo. Nem para ele, nem para Linda Marie.

Linda.

O rosto da esposa apareceu em sua mente, fazendo-o estremecer. Ela o odiava. Como ele podia morrer, sabendo que ela o odiava?

E, enquanto saía do castelo e era envolvido pelo o vento frio da madrugada, Severo fez a si mesmo uma promessa: se sobrevivesse àquela noite, procuraria Linda. E faria com que ela voltasse.

XxXxXxX