O Sexta Feira

Capítulo 20 - Atingida


V - Marguerite posso te fazer uma pergunta?

M - Estava demorando.

As duas mulheres retornavam as proximidades da propriedade, enquanto Challenger, Jessie e Ned conversavam sobre os próximos passos para que tudo ocorresse da melhor maneira possível, entre a sala de visitas e varanda, não muito longe das duas mulheres.

V - Você nunca perder o costume?

M - Eu tenho uma reputação a preservar Verônica, você entende como deve ser.

V - Na verdade não quando sua reputação já se desfez alguns meses atrás. Mas isso já não me incomoda mais, não como antes.

M - Por enquanto tudo está muito bonito, mas vamos a pergunta, o que gostaria de saber Verônica?

V - Para ser sincera, como você está se sentindo, como é saber que além da sua vida, uma outra cresce dentro de si?

Marguerite a olhou surpresa, esperava qualquer outra pergunta, mas não essa, que talvez não fosse capaz de responder por completo, não quando tudo ainda era muito novo e estava descobrindo que podia amar aquela criança, que o amor crescia a cada vez que a sentia mexer, ou podia ver o seu corpo mudando em termos de aparência.

M - E porque isso agora?

V - Porque você é o mais proximo de uma irmã que eu possa desejar e, eu gostaria de compartilhar esse momento, além ter dúvidas sobre o que você me perguntou mais cedo e me lembro das suas aversões com crianças no platô também.

M - Hum...As minhas aversões?!

... Talvez não fosse aversão, talvez fosse cautela e receio.

... Se quer saber a verdade Verônica, eu não acreditava que estava grávida, não até o dia que senti ele ou ela aqui dentro, quando aparentemente mexeu e depois que falei o nome de John o impulso intensificou.

V - Então você sente mesmo mexer?

M - Sinto, algumas vezes mais fortes, outras mais fracas, mas sei que seja como for, não estou sozinha.

Mais alguns momentos se passaram, Verônica parecia inquieta, a herdeira observava o seu semblante, existia uma próxima pergunta, uma não pronunciada, que a garota refletia sobre ou como deveria formular.

M - O que mais quer saber Verônica?

V - O que? Não Marguerite, acho que não seja nada demais.

M - Algo demais ou não, sei que tem mais coisas que gostaria de perguntar, vamos, aproveite que estou de bom humor e a faça, pode ser sua única oportunidade.

Verônica riu de sua reação, a herdeira não usava tons ríspidos ou arrogância habitual, tinha um tom de provocação, mas também brincava com as palavras, era a sua oportunidade.

V - Você falou que sente a criança mexer, minha mãe uma vez me contou sobre isso, que eu mexia em seu ventre. Acha que pode um dia deixar eu ver, tocar a sua barriga?

M - Ora Verônica, eu jamais negaria isso a você, sei o quanto significa. Bem, aproveite que ele parece acordado, pode tocar.

V - Mesmo?

M - Sim, vá em frente.

A garota tocava o ventre de Marguerite, sentia-se emocionada e extasiada, sorria alegremente tanto pela atitude da herdeira, como pela sensação, os movimentos, e alguns segundos poderia jurar que além dos movimentos, identificou batimentos.

V - Esta... esta mexendo.

M - Hahaha ... Sim Verônica, está, mas com você parece mais calmo se comparado ao John.

V - Será que sabe quem somos?

M - Isso eu já não tenho ideia. É tudo muito novo, ainda mais sendo eu, você sabe.

V - Hahaha sim Marguerite, eu sei.

Compartilhavam aquele momento, aos poucos com o passar dos anos os laços que as ligavam se mostrou além da amizade, Verônica preferiu abaixar para sentir os movimentos, por algum motivo aquela sensação a remetia a infância, das vezes que sua mãe contava de como se sentia, do amor que crescia dentro de si, a fez lembrar das histórias, dos pais juntos na cama perto da hora de dormir, lhes contando como estavam ansiosos por sua chegada.

Contudo as boas lembranças dissiparam e deram lugar para o pânico e desespero, ainda que tentasse se controlar, sua mão depositada sobre o ventre de Marguerite estava tomada por sangue, a herdeira havia sido atingida. Tamanha foi a sua surpresa quando a sentiu perder a firmeza, cambaleando entre seus pés, quando olhou para cima, sua pele estava pálida, sua roupa manchada de sangue, havia sido atingida por uma lâmina de três pontas, que perfurava a lateral esquerda, cravada, entre as costelas e o seio, exatamente o local que anos atrás foi atingida pelo punhal do conselheiro do rei, em Camelot, “mas como? E por quem? Não havia ninguém nas proximidades”

V - Marguerite, Marguerite... Fala comigo vamos.

Verônica não obteve respostas, estava concentrada demais para perceber o que a atingiu, perdida entre suas lembranças e a sensação da criança, além de ter se esquecido momentaneamente que apesar de tudo, ainda corriam perigos, o remorso lhe bateu de imediato quando olhou para expressão apagada de Marguerite, quase desfalecida, não manteve a guarda como de costume, e agora a herdeira pagava por sua falha, por seus instintos que de nada adiantaram, olhou ao seu redor não foi capaz de visualizar ninguém, nenhum impostor, sequer sabia de onde a lâmina havia sido lançada.

Apoiou Marguerite contra seu corpo, caminhava o mais rápido que o peso extra da herdeira lhe permitia, na medida que aproximava da casa pode ver os vultos de alguns de seus amigos perto, e também o sangue da mulher ao seu lado que escorria nitidamente, deixando um rastro de sangue assustador por toda a neve branca que cobria chão.

V - NED !!!! CHALLENGER!!!

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Tudo parecia bom demais para ser verdade, Ned e Challenger discorriam e trocavam ideias sobre a organização futura perante a Sociedade de Zoologia, riam animadamente enquanto terminavam de descrever a matéria que logo mais seria publicada, Jessie os acompanhava e também opinava sobre, a mulher melhor do que eles estava mais bem informada de como os seus “espectadores” poderiam reagir diante da notícia e, o que poderia ser útil ou não, sem que revelassem demais sobre o platô ou fizesse com que o cientista parecesse um charlatão.

No entanto, os gritos de Verônica os despertaram daquele “sonho”, que tornou-se um pesadelo, a visão das duas mulheres aproximando-se vagarosamente, a garota mantendo-se em pé, com uma Marguerite quase desfalecida, ambas sujas de sangue, os vestidos claros, manchados de vermelho, os atordoou, não acreditavam no que viam.

Ambos correram ao seu encalço, os empregados próximos também agiram de prontidão, Malone foi o mais ágil, pegou Marguerite em seu colo e em passos largos a deitou em um dos sofás, a deixando confortável, obedecendo as instruções de Challenger que caminhava atrás de si.

C - Por Deus, o que aconteceu aqui? Marguerite você consegue me escutar? Marguerite? Não, está quase inconsciente.

... Ela está perdendo muito sangue, precisamos estanca-lo imediatamente, me tragam ataduras, e também de bandanas, Jessie vá até o quarto e traga minha mochila, irei precisar de alguns medicamentos e uma agulha e linha também.

Jessie e os empregados correram para atender o que o cientista havia pedido. Verônica estava quieta, tinha lágrimas em seus olhos, chorava ao olhar para suas mãos ainda sujas de sangue e mais ainda para Marguerite. Malone a abraçou fortemente, a acolhendo em seus braços, como um consolo e uma tentativa de acalma-la, enquanto a garota permita-se deixar levar pelos sentimentos de medo e frustação.

N - Shhh... Vai ficar tudo bem Verônica. Ela é forte, foi só um corte e Challenger sabe o que faz, vai ver.

V - Não é isso Ned, quer dizer, também. Mas eu sou uma caçadora, eu deveria ter ficado atenta, eu não a protegi, eu falhei.

N - Do que está falando Verônica? Você não podia imaginar que isso aconteceria, nenhum de nós poderíamos, independente da situação.

V - Estou falando que sabíamos dos riscos, todos nós. E eu baixei a minha guarda. Veja agora, Marguerite foi ferida por um dos empregados de Xan, que estava próximo de nós o tempo todo, e eu não vi.

N - Como pode ser disso?

C - Acredito que eu posso explicar, a lâmina que está cravada em Marguerite, é semelhante ao que o Callum usou no platô, além disto, ele fez questão de se mostrar presente, pelo pouco que posso ver, carrega os símbolos da dinastia Xan também.

... Verônica, minha jovem, isso tudo não foi culpa sua, poderia ter acontecido com qualquer um de nós, mas que seja visto como um alerta, mesmo aqui não devemos nos esquecer dos riscos que corremos. Irei precisar de você ao meu lado, se acalme, Malone esta certo, tudo ficará bem, mas não posso negar, as condições de Marguerite me assustam, por conta da gravidez, acho que teremos que buscar um hospital, talvez ela precise de uma transfusão de sangue.

... Malone acho que é sua a missão de buscar o nosso caçador, John pode perder a cabeça, se tratando de Marguerite, o homem quase sempre perde a cabeça e você é o mais recomendado para conte-lo, leve o Sr.Leopold junto, pode precisar.

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Malone não olhou para trás, junto de Leopold subiram os degraus apresados, o homem o guiava pelos corredores até o escritório de Lady Roxton, infelizmente chegou a tempo de presenciar uma cena extremamente desconfortável, que preferia deletar de seus pensamentos, afinal existiam coisas mais sérias a serem resolvidas.

Ned - Desculpe interromper Lady Roxton, John

... Mas é importante, é sobre Marguerite.

A Lady o fuzilou com o olhar, havia lágrimas em seu rosto, mas também orgulho e luxúria, pode perceber que quando citou o nome de Marguerite, a mulher estremeceu, aparentemente de raiva, virando-lhes às costas, seguindo para a janela.

John por sua vez o encarou com tristeza nos olhos, decepção, mas na medida que aproximavam-se transformou-se em angustia, foi então que repórter se deu conta que suas roupas estavam manchadas de sangue, as feições do homem alteravam, pode senti-lo mudar de humor, como da água para o vinho.

J - O que aconteceu com Marguerite? Malone, o que aconteceu com ela?

N - Roxton, ela foi ferida enquanto caminhava com Verônica.

J - Ferida? Como? Onde ela está?

N - Ela está lá embaixo, com o Challenger ... ROXTON, VOLTE AQUI!!

O cientista tinha razão, Roxton perdia a cabeça quando se tratava de Marguerite, sequer terminou de ouvir a explicação e nem ele, muitos menos Leopold, foram capazes de detê-lo, o homem corria disparado, sua silhueta desparecendo entre os corredores, não importava o quanto corriam atrás dele, não o alcançavam, parecia impossível fazer e não também importava o quanto chamavam por seu nome, era o mesmo que gritar para as paredes.

John podia jurar que sentiu seu coração quebrar, o pavor e o medo tomaram conta de si, o que viu na sala parecia mais como uma cena de guerra, os empregados limpavam um rastro vermelho no chão, Anne chorava desesperadamente junto de Jessie, que também tinha consigo um olhar perdido e aflito seguindo na direção de Challenger e Verônica, os dois não lhe permitiam ver com exatidão para o sofá, tampavam em partes a visão, mas ambos assim como Malone, manchados de sangue, o cientista revirando os seus frascos de medicamentos, o semblante carregado de preocupação e ainda pior, Verônica aparentemente era quem pressionava os curativos, deixava algumas lágrimas escapar, com pedido de desculpas, quase que imperceptível.

Sabia de quem era aquele sangue, que jazia sobre o sofá, e sabia o que poderia encontrar, temia pelo o que ainda não tinha visto, os seus passos eram pesados, sua respiração acelerada, o seu mundo mais uma vez girava.

J - Marguerite?

Ele aproximou-se dos amigos, Challenger foi quem cedeu o seu lugar para o caçador, em pé ao seu lado, depositou uma mão em seu ombro, enquanto John pode pousar os olhos sobre o corpo de sua amada, estava fria, sua pele empalidecida, sua respiração enfraquecida, assim como a sua pulsação, sangue cobria a parte superior de suas roupas, mesmo Verônica pressionando o curativo, o machucado ainda vertia muito sangue, no entanto, mais assustador do que a visão de Marguerite desfalecida a sua frente, foi a de reconhecer a arma que a feriu, já não mais cravada em seu corpo, mais ao lado, junto das bandanas.

J - Xan?

C - Acreditamos que sim meu velho, mas discutimos isso mais tarde.

...Marguerite perdeu muito sangue, e devido a gravidez acredito que isso pode ser prejudicial a sua vida e a da criança, precisamos levá-la para um hospital, imediatamente.

J - Challenger, já passamos por situações piores, o que você não está nos contando?

O homem obrigou-se a respirar fundo, descuidadamente passou as mãos entre os cabelos, dividia olhares entre John e Verônica, que compartilhava consigo os temores do real motivo de Marguerite estar naquela situação.

C - John, a lâmina que atingiu Marguerite, como já sabemos é uma estrela ninja, uma lâmina plana com três pontas, no Ocidente são usadas para distrair os inimigos, quando atiradas, com o reflexo da luz, elas podem fazer com que o oponente se distraia, mas além disto, podem ser usadas para acertar alguma parte do corpo, machucando ou dependendo do local pode ser letal, o que não é o caso aqui. No entanto, ainda existe a possibilidade de conter veneno, é comum entre os ninjas também utilizarem certos venenos em suas lâminas, para que quando atingisse o oponente, o veneno entrasse na circulação, atrapalhando assim o combate, ou o matando mais depressa.

... Por isso sugiro que sejamos rápidos, ela precisa imediatamente de um hospital e muito provavelmente de uma transfusão de sangue, que sendo bem sincero, eu também acho arriscado, mas ainda existe esperança de salvá-la.

J - Leopold, prepare o automóvel, o quanto antes.

... Challenger e Verônica, preciso que me ajudem com a conter o sangramento enquanto a carrego e se puderem gostariam que pelo menos um de vocês me acompanhem até o hospital. Por favor.

V - Vamos os dois John.

James - Lord Roxton, eu mesmo já preparei o veículo, podemos sair imediatamente.

J - Então vamos, Verônica segure firme os curativos, irei pegá-la no colo.

Lady Roxton presenciou o desespero de John e o seguiu minutos antes, agora o via saindo com a mulher no colo, mas estava cega pela mágoa, mais uma vez seu filho saia pela porta e mais uma vez por conta de Marguerite.

L.R - John Roxton, se sair por esta porta, espero que esteja ciente que será para nunca mais voltar.

John ajeitou Marguerite sobre o colo de Verônica, no banco de trás do veículo, tudo o que menos precisava naquele momento era sua mãe lhe dando ordens ou que quer que fosse, a mulher que amava, que jurou cuidar e proteger, estava correndo riscos de vida e ainda havia o seu filho, que tinha descoberto há poucos dias, que encheu seu coração de alegria, agora temia sequer conhecê-lo.

J - E estou ciente disso.

... Ned, está aqui o Oroboros, leve todos para a minha casa, todos ... Assim que puder os encontrarei.

... Vamos James, o mais rápido que puder.