—De novo — exigiu Saladim, seu rosto contorcido numa expressão de desagrado.

Callya limpou o suor da testa e repetiu o movimento tentando ser o mais eficiente possível. Era difícil manter o ritmo depois de três horas de treinamento ininterrupto, mas ela fazia o possível para ignorar a dor constante nos membros e continuar movendo-se, desenhando círculos no ar com sua adaga.

A rotina da jovem desde a chegada ao abismo, dois meses atrás era sempre a mesma: correr pelas grandes planícies ou saltando sobre as árvores na floresta mais ao norte, tudo isso antes do desjejum. Depois aprender sobre os antigos mapas da terra-média e suas histórias com Gandalf. Era difícil, mas ela estava começando a pegar o jeito. Apenas Haldir, acostumado a passar muito tempo ao lado da dona parecia aborrecido com o abandono.

Apesar do duro treinamento, a jovem não se entregara ao desânimo e, aos poucos começava a entender a rotina no abismo e seus habitantes. Gandalf, apesar de ser sempre calmo e solícito, era muito misterioso e, às vezes distante. Saladim era sério e rabugento, mas era muito eficiente em tudo que fazia. Eles eram como partes distintas de uma mesma pintura: um contraste de cores que no fim, produzia um produto harmonioso.

Um belo dia, o som de cavalos trotando chamou a atenção de Callya que voltava de uma de suas corridas matinais. Curiosa, pôs a mão no rosto para bloquear os raios de sol e poder distinguir quem eram os visitantes. A princípio, acreditou que fosse algum viajante de passagem, mas quando os três cavalos se aproximaram ela pôde ver as armaduras reluzentes com um desenho no centro. Cavaleiros, sem duvida.

Três homens robustos desmontaram de seus cavalos e caminharam rapidamente em direção a jovem.

—Saudações, viajantes — disse Gandalf que se aproximava do grupo com um sorriso amável no rosto — o que traz três cavaleiros de Gondor ao abismo de Pangborn?

As últimas palavras do mago atiçaram a curiosidade de Callya que examinou os homens atentamente. Eles eram um pouco parecidos, talvez irmãos. O do meio devia ser o mais velho e também o líder do grupo. Ele possuía uma grande barba loura e sobrancelhas grossas da mesma cor reunidas em traços rudes. Os outros dois eram menores e tinham uma aparência mais cordial. Sempre ouvira falar das proezas dos cavaleiros do rei Aragorn, mas nunca os tinha visto realmente.

—Grande mago branco — disse o mais alto enquanto removia o elmo — sou Eynar, chefe da guarda pessoal do rei Aragorn. Venho a ti com uma mensagem do rei.

—Pois então, Eynar de Gondor. Transmita sua mensagem.

—O rei diz que possui informações sobre algo que e do seu interesse e solicita sua presença imediatamente.

Gandalf se apoiou em seu cajado e fitou o nada por alguns instantes, perdidos em seus pensamentos.

—Saladim — disse o mago —de comida e agua a estes homens e depois faça os preparativos. Viajaremos assim que estiver tudo preparado.

Saladim saiu sem discutir, caminhando rapidamente em direção à boca do abismo, mas dessa vez sem jogar-se de lá de cima como geralmente faziam. Ele caminhou e desceu o que parecia ser uma enorme escada de pedra. Callya, totalmente surpresa, pois jamais tinha visto aquela escada, olhou para o mago com uma expressão questionadora.

Gandalf apenas sorriu e foi então que ela percebeu que os três homens olhavam discretamente para o abismo, curiosidade brilhando em seus olhos.

—Callya, vá com Saladim e arrume as suas coisas. Você virá comigo.

Ela assentiu e correu para alcançar o rapaz de cabelos escuros.

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Depois de comerem e arrumarem os seus pertences nos alforjes, o grupo estava pronto para a viagem. Saladim se recusou a ir, pois segundo ele grandes cidades eram irritantes e ele precisava desesperadamente de um período sem ter que se aborrecer com a extrema falta de habilidade de Callya que, em resposta lhe fulminou com o olhar. Ela não entendia como alguém poderia ser tão difícil quando o seu jovem mestre. Parecia estar sempre aborrecido ou entediado. Apenas suas plantas o faziam sorrir...um pouco.

—Vamos senhor — pediu um dos cavaleiros — temos que voltar ao castelo o mais rápido possível.

Gandallf estreitou os olhos para o homem e depois lhe deu um sorriso tranquilizador.

—Claro. Callya? Está pronta?

A jovem assentiu enquanto apertava nervosamente as rédeas de Haldir que relinchou satisfeito. Fazia tempo que ele não cavalgava além daquelas planícies.

Os cinco cavalos partiram a toda velocidade, deixando uma nuvem de poeira para trás. O cavalo de Gandalf era muito rápido e seu cavaleiro o montava com uma maestria invejável para alguém cuja montaria não tinha sela. Porém, Haldir era veloz e estava divertindo-se tentando alcançar o seu oponente. O que ninguém mais sabia era que aquele cavalo era um amigo muito antigo do mago Scadufax, o senhor dos mearas.

Ao cair da noite os viajantes resolveram parar descansar um pouco. Amarraram os cavalos num arbusto e fizeram uma fogueira enquanto Scadufax pastava um pouco mais longe. Assim que todos se sentaram ao redor da chama Eynar comentou admirado.

—Seu cavalo é muito veloz senhorita.

Callya apenas sorriu enquanto jogava uma maça para o corcel.

Eynar continuou.

—Eu nunca vi um cavalo cuja velocidade alcançasse um meara. Ainda mais Scadufax.

Os outros dois cavaleiros fizeram sons assentindo.

—O que o senhor acha Gandalf?

O velho mago coçou a barba pensativo.

—Isso é realmente algo impressionante. Há quanto tempo ele está com você Callya?

—Cinco anos — respondeu a jovem depois de um momento — meu pai o encontrou na floresta perto da vila. A mãe havia sido morta.

Gandal ergueu uma sobrancelha.

—Morta por quem?

—Ele não soube dizer — ela deu de ombros.

—Claro — Gandalf concordou enquanto tirava um cachimbo do seu alforje.

Os dois outros cavaleiros que Callya não sabia o nome cochicharam alguma coisa.

—O que foi? — perguntou ela, vendo seus rostos preocupados.

Eynar deu uma olhada para a floresta logo atrás deles.

—Eles estão...desconfortáveis.

—Desconfortáveis com o que? — insistiu a moça.

—Essa é a floresta de Fangorn, senhorita —explicou a cavaleiro mais baixo — é um lugar perigoso.

—Só para aqueles que oferecerem perigo a floresta — corrigiu Gandalf depois de soltar uma longa baforada — agora vamos dormir um pouco.

Todos concordaram e alguns minutos mais tarde o silêncio tomava conta do local.

Callya não dormiu de imediato. Ela estava receosa em dormir desde que chegara no abismo, pois tinha sonhos estranhos quase todas as noites. Pensara em contar para o mago o que estava acontecendo, mas sempre que tentava, simplesmente não conseguia ir adiante. Callya sentia que só ela podia fazer algo a respeito, mesmo que não fizesse ideia de como.

O ruído de passos esmagando a relva chamou sua atenção. Ela levantou-se alarmada e olhou na direção da floresta, mas não parecia haver nada lá. Foi só quando ouviu o rosnado na direção oposta, foi que ela percebeu as figuras enormes e disformes montadas em cães enormes.

Orcs.