O Senhor de Gondor

Capítulo 2 - Destino


Quando abri os olhos, pude perceber o brilho do sol vindo de uma janela por cima da cama, fazendo brilhar o lençol branco que me cobria. Coloquei minha mão sobre meus olhos e os esfreguei, podia também ouvir o canto dos pássaros lá fora. Sentia muita dor em minha cabeça; quando levei minhas mãos até ela por causa da dor, pude perceber que estava enfaixada.

Levantei-me da cama, coloquei os dois pés ao chão frio e feito de madeira, havia alguns vasos com flores espalhados pelo quarto ao lado de bacias com água e panos. Dei alguns passos com a mão na cabeça, pois doía muito ainda. Uma garota loira de olhos esverdeados, mas um pouco amarelados com mais ou menos a mesma idade que a minha entrou pela porta, ela segurava uma bandeja com um recipiente cheio de água, e quando me viu, o derrubou no chão, fazendo um grande barulho, então colocou a mão em sua boca com um sinal de susto:

— Você acordou! – disse ela.

— Onde estou? – perguntei.

— Papai, o garoto acordou – disse ela.

Em seguida, um homem entrou pela sala. Ele tinha o cabelo negro, curto e uma barba cerrada. Seu porte era grande e atlético. Ele se aproximou de mim e disse:

— Você está bem, garoto? – perguntou.

— Bom, eu acho que sim. – respondi a ele com a mão em minha cabeça. — Minha cabeça dói muito.

— Não é por menos, a batida foi muito feia. - disse ele. — É quase um milagre você ainda estar vivo.

— O que aconteceu comigo? – perguntei para o homem.

— Você foi encontrado por ela – disse ele olhando para a garota. — Estava boiando em um riacho aqui próximo, ela o encontrou e o trouxe para cá sozinha.

— Obrigado. – disse a ela, me respondendo com um sorriso.

— Então, quem é você? O que aconteceu? – perguntou o homem.

— Meu nome é... eu não me lembro, na verdade eu não lembro de nada. – respondi um pouco confuso.

De repente, outro garoto entrou no quarto, loiro com cabelos compridos e um pouco mais velho que a menina.

— Então o dorminhoco acordou. – disse ele.

Este é Barad. – disse o homem – Meu primogênito. E essa é Hildwyn, minha filha mais nova, e eu sou Karick.

Tivemos uma conversa longa, eles explicaram muitas coisas; como fui encontrado e dormi por quatro dias seguidos. Me contaram também sobre a mãe deles; era uma mulher de Rohan, isso explicava o cabelo loiro das crianças, já que o de seu pai era escuro como os homens de Gondor. Ela havia falecido há poucos dias, assassinada por um orc.

— Esses malditos orcs, eles haviam sumido por séculos, já tinham até mesmo virado uma lenda. – dizia o homem com um tom de raiva. — E simplesmente voltam assim do nada, em um número extremamente grande, tomando posse do reino de Gondor. Às vezes eles aparecem por aqui e não podemos fazer mais nada, pois agora o rei é Eithor.

— Eithor? – eu perguntei.

— Sim, Eithor, ele é o novo rei. Nosso rei, Guildor, faleceu em batalha, assim o reino foi tomado por ele e seus orcs. Agora nosso povo foi escravizado, porém temos sorte de viver num vilarejo distante, além das montanhas, aqui eles pouco aparecem.

— Pois bem, agora descanse um pouco, isso deve ter sido muita informação pra sua cabeça dolorosa. – disse o homem batendo a mão na minha cabeça mesmo sabendo que ela estava machucada enquanto eu gemia de dor. – Mas então, como deveremos chamá-lo, cabeça enfaixada? – acrescentou ele.

Então eu olhei pela janela e vi um pássaro pousar sobre ela, de relance tive uma lembrança de um homem que não sabia quem era, me dizer algo como “Wallor”, e que precisava me salvar.

— Wallor, acho que esse é meu nome. – disse a ele.

— Pois bem senhor Wallor, seu nome é forte. Podemos te chamar de apenas Wall? – riu o Barad.

— Sim, não há problema. – respondi.

Então eles me entregaram uma faca, bonita por sinal, que carregava o símbolo de Gondor em sua bainha.

— Isto foi encontrado com você. – disse Hildwyn.

— Te traz alguma lembrança? – perguntou o homem.

— Não – eu respondi a ele olhando para a faca enquanto o brilho dela iluminava o meu rosto.

O tempo se passou, comecei a viver com essa família. Eles me abraçaram como membro dela desde o começo. Eu os ajudava cortando lenha e caçando quando necessário. Karick ensinava Hildwyn, Barad e a mim a manejar espadas sempre que podia, ele dizia que não desejava que entrássemos em batalha, mas teríamos que nos defender quando preciso. Eu sempre tive talento nato com espadas, era como se eu já conhecesse ou a tivesse usado, mas eu não me lembrava de nada.

E assim, onze anos se passaram quase pacificamente naquele vilarejo; era um vilarejo quase esquecido pelas pessoas de fora, casas de madeira espalhadas e poucos comércios, era um povo alegre e sorridente. Fiz muitos amigos naquele lugar.

Eu cresci, tomei forma física, meu cabelo estava sobre os ombros e gostava de deixar minha barba pouco comprida, Barad virou um homem alto e orgulhoso, deixou seu cabelo crescer até as costas. E Hildwyn virou uma linda mulher, desejada por muitos no vilarejo, talvez por ser diferente das outras, pois não haviam muitas mulheres loiras no vilarejo, a maioria das pessoas que moravam ali mostravam ser descendentes de Gondor pelos cabelos escuros, e graças ao sangue de sua mãe que veio do povo de Rohan, ela era loira. Sem falar de sua personalidade forte que fazia o seu nome¹.

Barad e eu estávamos sentados numa mesa de madeira em uma Taberna que ficava ao ar livre na beira da estrada cinzenta, que passava pelo meio da cidade, era a estrada principal do vilarejo. Hildwyn veio até nós e sentou-se ao meu lado.

— Como vão, cavalheiros? Estão bebendo o que? – disse ela pegando minha caneca e tomando um gole.

— Hidromel? - Perguntou ela com a boca cheia.

Ela tomou e bateu a minha caneca sobre a mesa com força, que até a bebida de Barad derramou um pouco.

— Hey, isso era meu! – disse a ela.

— Você me devia um, então agora não deve mais – disse ela.

— Eu não me lembro disso! – disse.

Enquanto isso Barad segurava seu copo com medo de ser roubado por ela também, com uma expressão de medo. Nós três nos tornamos grandes irmãos, inseparáveis.

Poucos minutos depois, ouvimos um barulho vindo pela estrada, uma mulher estava correndo com uma criança no colo, então Barad a parou e perguntou o que houve.

— Orcs, orcs aqui!! - Respondeu ela desesperada.

Olhamos pela estrada, e um homem se aproximava em cima de um cavalo negro, junto a ele seis orcs a pé. Eles se aproximavam das pessoas, as chutando e as assustando. O homem gritava que a cidade estava sendo reivindicada pelo “Senhor, Rei e Soberano, Eithor”.

O homem no cavalo se aproximou de nós, que estávamos ao meio da estrada. Eu o encarava com seriedade.

— Saiam do meu caminho, estão atrapalhando! – disse o homem. Ele era magro e tinha uma aparência medíocre.

— Não! – respondi a ele.

Ele desceu do cavalo e me encarou:

— Está desacatando as ordens do rei, criança? – disse ele.

Nisso, Barad veio ao meu lado e Hildwyn estava logo atrás. O Homem pegou uma espada e apontou para mim.

— Ajoelhe-se. – disse ele.

Eu estava me ajoelhando, mas antes de encostar meus joelhos ao chão, estiquei meu braço e segurei a mão dele, assim tomei sua espada e apontei para o seu rosto, como fez comigo.

— Ajoelhe-se! – eu disse a ele.

Ele olhou para mim com ódio nos olhos e gritou pelos orcs:

— Seus incompetentes inúteis, venham até aqui e acabem com esse rebelde!

Assim os seus orcs vieram em nossa direção; um tentou me acertar com a espada, mas eu defendi. Barad pegou uma cadeira que estava próxima e acertou a cabeça do orc, assim pegando a espada negra que ele usava. Uma lâmina com formato diferente das normais.

Outro orc tentou me atacar, mas girei a espada junto à dele e atravessei a lâmina em seu peito; logo outro orc tentou me pegar por trás, mas Barad o acertou na cabeça com aquela estranha espada partindo seu crânio. Não foi difícil acabar com os orcs, pois eles não eram Uruk-Hai, então não eram tão habilidosos.

Quando acabamos com os orcs, escutamos o homem dizer.

— Larguem as espadas, ou ela irá morrer. – enquanto segurava Hildwyn pelo pescoço com uma faca apontada para sua garganta.

Eu olhei para Barad, e assim começamos a gargalhar.

— Você é mesmo um idiota. – disse para o homem.

Hildwyn pisou em seu pé, e depois o mordeu na mão, assim ele largou a faca ao chão.

Ele rapidamente se ajoelhou.

— Por favor, me perdoem, eu só vim até aqui por ordens do Rei – dizia ele desesperadamente com a cabeça baixa entre os joelhos.

— Vá embora, rato – eu disse a ele – Vá e não volte mais aqui, nosso povo é livre desse seu rei imundo.

Quando disse isso, ele se afastou em direção seu cavalo como se estivesse fugindo, mas ele tirou outra espada e foi em direção de Hildwyn. Porém, eu fui mais rápido e a joguei para o lado, e assim decepei sua mão.

Ele gritava de dor, mas eu não sentia compaixão.

— Seu covarde! Como se atreve a fazer isso? – disse indo em sua direção, mas Barad me segurou antes que eu o matasse.

— Vá embora daqui seu verme! É sua última chance de fugir. – disse a ele.

Ele montou em seu cavalo e correu, deixando um rastro de sangue pelo caminho.

Logo depois, as pessoas do vilarejo começaram a aparecer, estavam todos escondidos observando, e então vieram nos agradecer. Por fim, decidiram fazer uma festa no final da noite. O dono da Taberna disse que poderíamos beber de graça à vontade.

Quando o sol se pôs, uma grande fogueira foi acesa ao meio da vila e as pessoas fizeram uma roda em volta, Hildwyn estava lá dançando com as crianças, e Barad estava do meu lado, tomávamos Hidromel e Vinho em garrafas, sentados sobre a grama, iluminados pelas chamas.

Então Barad veio até mim e disse uma coisa que eu já havia percebido.

— Wallor, aquele homem ali, ele não para de olhar para você.

— Sim, eu percebi. Ele não é do vilarejo, é? – perguntei a Barad.

— Não, eu nunca o vi por aqui. – Ele me respondeu.

O homem olhava para mim, sentado em uma mesa, ele tinha uma cicatriz em seu rosto, que cruzava o seu olho esquerdo, tomava uma caneca de alguma coisa e não tirava os olhos de mim.

— Será que ele está afim de você? – disse Barad rindo, já um pouco alterado pela bebida.

— Cale essa boca. – disse a ele.

Hildwyn veio até mim, e me “chamou” para dançar junto com ela, me puxando pela mão antes que eu pudesse negar o pedido. Dançamos em frente a fogueira, e todos pararam para nos olhar. Eu estava constrangido, errei alguns passos, e quando a música finalmente acabou, eu sai de lá caminhando rapidamente sem dizer nada a ela.

Quando eu passava entre as pessoas, alguém segurou no meu braço com força, então eu olhei e percebi que era aquele homem com a cicatriz. De longe não dava para ver, mas de perto, ele parecia realmente velho, mas com um bom porte físico. Tinha um de seus olhos quase branco, como se fosse cego, me parecia alguém que eu já tinha visto antes.

O homem colocou o dedo polegar na minha testa e pressionou. Eu abri a boca com isso.

— Wallor? – perguntou o velho com sua voz grossa.

— Eu mesmo – eu respondi.

Então o homem tirou a espada, e nisso eu recuei, fechei o punho e pensei em socá-lo. Mas o homem a fincou no chão e se ajoelhou.

— Meu Senhor. – disse ele.

— O que é isso? Levante-se homem, foram só alguns orcs que eu matei, não precisa de tudo isso.

O homem olhou para mim com dúvida em seus olhos. Retirou a espada do chão e colocou de volta na bainha.

— Quantos anos você tem jovem? – perguntou ele.

— Dezenove. – respondi.

— A idade está certa, o rosto também é muito parecido, o corte de cabelo também não mudou. Humm... Você bateu com a cabeça? – resmungou ele.

— Sim, eu bati há muito tempo, mas o que isso importa? O que você sabe sobre o meu passado? – eu perguntei a ele.

— Você é Wallor, filho de Guildor, herdeiro de Gondor, e meu rei. – disse o homem me olhando nos olhos.

Nesse momento eu fiquei espantado, e a notícia soou como uma brincadeira para mim.

— Não pode ser, eu? Mas como? Deve ser um engano isso. – eu o respondi meio gaguejando.

Barad chegou junto a mim

— Quem é ele, Wallor? – perguntou Barad

— Barad, ele disse que eu sou herdeiro de Gondor. – respondi com uma expressão de pasmo.

— O QUE?!?! Como assim herdeiro de Gondor? Você? – respondeu ele.

— Sim, este homem é Wallor, filho de Guildor, herdeiro de Gondor. – respondeu o homem.

— Como você tem tanta certeza disso – perguntei ao homem.

— Porque eu sou Aratus, escudeiro e melhor amigo de Guildor. E seu padrinho. – respondeu o homem.

Depois disso, eu, Barad e Aratus fomos até uma Taberna para conversar melhor, lá ele me contou mais fatos:

— Eu estava junto de seu pai no último dia de Gondor, naquele salão, onde travamos a última batalha por nosso povo. – dizia ele levando a caneca de Hidromel na boca e bebendo um gole. – Lutei bravamente do lado de seu pai, mas aquele lugar não parava de encher de orcs e quanto mais matávamos mais inimigos surgiam; porém estávamos aguentando, até que então o próprio Eithor entrou lá, e vocês não vão acreditar, mas ele é inacreditavelmente poderoso.

— Ele é tão poderoso assim? – perguntou Barad.

— Ele tem uma força que vai além da lógica humana. – continuou Aratus – Eu tenho certeza de que ele não é um humano. Ele matou seu pai e me deixou inconsciente, me dando essa cicatriz.

A cicatriz de Aratus ia da testa dele até sua bochecha, atravessando o seu olho quase branco e cego.

— Mas lutamos bravamente aquele dia, nós fizemos quase o impossível. Aguentamos até o dia amanhecer, como seu pai disse que conseguiríamos fazer. – disse Aratus.

— Eu não sei o que dizer – eu disse a ele, chocado com isso – Agora que você me contou, eu consigo me lembrar de algumas coisas. – Eu dizia a ele segurando a minha caneca com as duas mãos.

— Do que você lembrou, Wall? – Perguntou Barad.

— Eu me lembro de algo como um homem, que me salvou, na verdade ele me jogou de uma cachoeira, para me salvar de orcs. – respondi, e tirei uma faca de minha cintura – foi ele quem me deu isso. Ele me chamou de “A última esperança de Gondor.” – disse olhando para a adaga.

— E realmente você é a última esperança de Gondor, Wallor. – disse Aratus.

Eu não sabia o que dizer, eu senti uma grande responsabilidade cair em minhas costas de uma hora para outra.

— Vá! Reúna um exército, há vários sobreviventes da última guerra de Gondor que ainda querem se vingar. Há várias pessoas oprimidas por esse novo rei que aguardam a volta do herdeiro do trono, o qual desapareceu e nunca fora encontrado. Você é o garoto que dá esperança para todas essas pessoas, elas acreditaram até hoje que você não estava morto, eu procurei você por onze anos. – disse Aratus.

— Eu não sei se posso. – respondi guardando a faca novamente.

— Wallor, seu povo espera por você. – disse o velho.

Olhei para Barad, e então observei através da janela da Taberna, vi Hildwyn dançando com as crianças e Karick, nosso pai, junto a ela, rindo com outros moradores do vilarejo. Assim olhei para ele e respondi:

— Meu lar é aqui, eu não sou o herdeiro de Gondor, você é, não eu.

O velho somente lamentou de cabeça baixa e olhou para o seu copo vazio. Então me levantei da mesa e fui em direção a saída, Barad veio comigo. Mas antes de sair o velho disse:

— Wallor, não se esqueça de quem você realmente é, pessoas esperam por você há anos. Eu vou ficar por aqui algum tempo caso você mude de ideia.

Olhei para trás, mas voltei meu rosto para frente e simplesmente saí do local.

No outro dia, dentro de casa contamos a história para Karick e Hildwyn. Ela ficou surpresa.

— Como você recusou, seu idiota? Você podia ter uma grande aventura. – disse Hildwyn.

— Bom, é uma grande responsabilidade, não acha? Ser rei e ir para uma guerra. – disse a ela.

— Eu acho que você deve pensar no assunto. – disse Karick – Você é a esperança do povo de Gondor, eu já fui de lá um dia. E hoje aquele povo sofre muito nas mãos de Eithor, você nasceu com esse fardo.

Abaixei a cabeça e disse que ele podia estar com a razão, mas eles eram minha família e não conseguiria abandoná-los, por mais que eu odiasse esses malditos orcs. Eles me compreenderam. Não era uma tarefa tão fácil assim, ir para uma guerra, e de um dia para o outro você descobrir que é rei de Gondor, é quase uma loucura. Mas todos eles disseram que estariam ao meu lado seja qual fosse a minha decisão.