O vento tocava gentilmente o rosto daquela mulher bela e calma. Ela se encontrava só, no estacionamento do Instituto de Tecnologia Nekomi, e aguardava seu amado, enquanto conversava em silêncio com o gentil vento. Seus cabelos louros seguiam o toque do ar, seu rosto sentia o frio da brisa, seus ouvidos escutavam a melodia simples dele. Ela e o vento eram, naquela hora, um ser só. O vento lhe dizia sobre o seu dia, e ela lhe respondia com sorrisos doces e palavras carinhosas. Ela esquecera-se do resto do mundo; o vento e ela eram a única coisa que ela notava. Errado – ela não esquecia que seu amor estaria de volta em breve; a pessoa que ela aguardava. Essa pessoa havia voltado universidade adentro para pegar algo que havia esquecido, mas não demoraria a voltar. De fato, o cujo voltara rápido; era um rapaz não-tão-alto-assim, vestindo Jeans, camiseta branca e uma jaqueta preta. Ele voltava chamando a mulher que a aguardava, mas sua voz o vento abafava. Seus cabelos eram escuros, assim como os olhos; seu querer de viver, porém, era claro como o sol.
A deusa Verthandi. O humano Morisato Keiichi. Uma ligação de amor e compaixão; a ternura dela derretia seu coração, açucarava sua alma. Keiichi teve seus olhos encantados por aquele ser puro e perfeito. Deusa – a mulher perfeita? Longe, não havia nada de perfeito. Mas era muito perfeito. E assim resume-se um amor; a perfeição da mera imperfeição. Keiichi teve sua alma ligada à dela, teve seus sonhos conectados aos dela, teve sua vida unida à dela.
– Verthandi! – Chamava o rapaz. A moça desta vez ouvira, virando-se contente àquele que ela muito amava; seus olhos retinham um brilho romântico, retinham esperança. Verthandi retribuiu o chamado do rapaz com um sorriso, enquanto ia até ele, que vinha até ela.
– Keiichi-san! – Exclamava Verthandi. – Encontrou o que você procurava? – Questionou, com ternura transbordante aos olhos.
– Sim, sim! – Respondeu Keiichi, erguendo um livro que segurava. – Vamos voltar para casa agora. – Disse, enquanto seguia em direção à sua motocicleta.
– Sim! – Exclamou alegre Verthandi.
Keiichi ligou a moto negra e Verthandi sentou-se no ‘banco do passageiro’ acoplado à lateral da moto, e eles deixaram para trás a Universidade.
Verthandi, a deusa. Keiichi, o humano; o humano que lhe roubara seu coração, que lhe fizera o pedido que a uniu a ele para sempre. Seu bom coração, sua coragem e imprudência. Sua tolice e temores; longe de ser o humano perfeito. Mas aos olhos de um coração apaixonado, a mera imperfeição é a única dose necessária para criar a pessoa perfeita. Mal notam os apaixonados, que a perfeição na verdade esconde-se no sentimento – amor –, e não na pessoa.

Keiichi e Verthandi diminuíam de tamanho à medida que se afastavam; perto dali, uma sombra mexeu-se por trás de meia-dúzia de árvores; uma pessoa de cabelos reluzentes e de olhar frio seguia cada movimento de Verthandi. A vingança estava próxima; ele sabia quem era ela. Ela era aquela que o presente tinha em mãos. Ela era uma deusa, descendente daqueles que o haviam preso àquela cavernosa escuridão. Vingança… seu coração batia com vontade, sua saliva secara, seu corpo queimava – vingança. Seu desejo era um só. Seu desejo era ser livre. Mas para ser livre, ser livre da escuridão do cárcere, ele precisava desta vingança, deste ódio. Só assim ele seria livre. Para amar, odiar. Para criar, e destruir. Para ser.
Ele avançou lentamente em direção ao caminho que Verthandi e Keiichi haviam ido por; lentamente ele começou a andar mais rápido, mais rápido, mais rápido. Logo ele corria mais rápido do que um carro, ele era rápido, muito rápido. Mas não o bastante, pensava consigo. Livrei-me da prisão de meu corpo, mas ainda falta a prisão de minha alma, dizia para si mesmo. Eu devo fazer isso, devo liberar o poder que me fora proibido de usar! Disse, desejando voltar à forma que tinha antes de ter sido selado, antes de ter sido preso. Ele correu tão rápido que havia ultrapassado Keiichi e Verthandi. Mas a corrida lhe custou fadiga – ofegante, ele parou, ouvindo, à distância, o som da moto que Keiichi e Verthandi vinham se aproximar.
– Agora enfim chegou a hora. Hora de realizar meu sonho! – Exclamou consigo. Então tirou um dos brincos, que tinha formato de um bastão, e separou o pequenino bastão de ouro do prendedor, jogando este fora. Ele segurou o bastãozinho com os dedos indicador e polegar, olhando-os fixamente. Seu rosto suava sob a máscara – agora era a hora. Tudo tinha que ser feito direito. Não poderia haver chances de falha. Não hesitando, então, sibilou com vontade um encantamento comprido e complexo. Um círculo mágico se materializou sob ele; o bastãozinho dourado engrossou-se, e depois alongou – o pequeno bastão tornara-se agora um verdadeiro bastão d’ouro. Era liso e leve; a um extremo, havia asas de anjo e um globo cercado de anéis; ao outro extremo, duas pontas formavam um ‘U’, e dentro deste havia outro globo, mas menor e sem anéis. O bastão era maciçamente ouro. Era leve. Era mágico.
O homem olhou com desejo para o bastão – ele havia conseguido. Mesmo com sua mágica quase totalmente selada, ele conseguira invocar seu companheiro de batalha. Tomando fôlego, ergueu o bastão acima da cabeça, com um olhar vitorioso, com um ar poderoso:
– Distorcei a realidade deste mundo, trazei-nos o vosso reino dos desertos brancos! – Mais círculos formavam-se envolta dele; todos complexos e cheios de runas. – Trazei aquelas que controlam o tempo ao vosso reino, acordai novamente para vossa majestosa existência! – Tomou fôlego para a última parte do encantamento. – Renascei Ewiggold! – Ondas mágicas então ecoaram pelo ar, rebatendo em cada coisa sólida, distorcendo o espaço. A cena girou e voltou, distorceu e revirou – criando um novo cenário.
Verthandi sentiu um grande poder se desatando lentamente à frente; o cenário se difundia com imagens surreais, o ar tinha duas personalidades, o céu escureceu repentinamente.
– Verthandi, o que está acontecendo? – Perguntou em voz alta Keiichi. Verthandi não sabia o que era aquilo tudo, mas sabia que era um perigo a Keiichi.
– Eu não sei! – Respondeu ela com um olhar preocupado.
A moto não parava. À velocidade deles, só puderam ver o vulto do homem de cabelos pratas parado à estrada. Verthandi olhou para trás, e captou, numa fração de segundo, o homem sorrindo vitorioso. Quem é ele? O que é esse poder? O que ele pretende? – Ser livre.
O homem sorriu, sorriu, sorriu vitorioso. Um sorriso maníaco de vitória ao custo da agonia humana. Agora você mordeu a isca, Senhorita do Presente, disse. Ele estava progredindo; a partir daquele momento, Verthandi entraria em sua dimensão, onde coisas vivas não têm vez. Agora seria fácil para ele. Para ele ser livre, livre!
Numa última distorção do espaço, o cenário mudou permanentemente. Neve, neve branca e pura reinava por todo o lugar. Não havia por onde se esconder do frio – a neve era dominante, a neve era tudo. A estrada sumira, a paisagem tornara-se neve pura. O chão era neve, ar era neve, montanhas era neve, vida – só a neve. À frente, porém, uma árvore nua e congelada subitamente apareceu defronte Keiichi e Verthandi. A moto corria, a neve era escorregadia, a árvore se aproximava rapidamente… no último milésimo de segundo, Keiichi viu um anjo – Holybell. Um baque forte se deu quando a moto bateu com tanta força na árvore, que a rompeu no meio. A moto estava destruída. Mas Verthandi conseguira salvar Keiichi com a ajuda de Holybell – sua outra metade. Sua outra existência.
Keiichi-san! Dizia Verthandi para si mesma, agora com o corpo cheio de neve, enquanto observava preocupada Keiichi desmaiado. Ela o abraçou. Ele podia estar dormindo, desmaiado ou em coma, mas ela ainda acreditava que seus sentimentos poderiam alcançá-lo. Eles iam alcançá-lo. Ela olhou ao redor – neve, gelo, frio. Não havia escapatória. Então ela o carregou nos braços, e caminhou em frente. A moto quebrada fora deixada para trás. À frente, mais neve, mais frio. Não desistindo, porém, ela manteve a caminhada; andou… andou. Ela andou por um tempo oblíquo, por um tempo esquecido. A longa caminhada tirou-lhe as forças, mas, quando ela notou, defronte ela havia um gigantesco vale; uma grande garganta naquele imenso deserto de flocos de neve. Uma imensidão de altura, largura e comprimento – o fundo não podia ser visto, e na outra borda do vale, tudo era minúsculo. Era uma cratera gigante, no coração do deserto das neves puras.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.