Observo a noite cair silenciosamente e anseio do fundo do coração que o sono se abata sobre mim de imediato. Desejo loucamente adormecer e voltar a vê-lo. Ultimamente, aparece-me com mais frequência nos sonhos. Vejo-o dentro de uma enorme redoma de vidro. Chego a pensar quem está do lado de fora, quem observa quem. Parece oculto nas sombras, mas vejo-o claramente. É belo, magnifico. Dou-me conta que assim que se veja livre, a sua beleza será capaz de ofuscar tudo em redor. Tem uns olhos tristes de um profundo e distante azul que acredito capturarem a minha alma e rasgarem-na em pedaços. Nunca mo disse, mas sei que me ama. Sempre amou.

Tenho a impressão de que me contempla com aquele olhar triste faz anos.

Carregado de um profundo amor e desejo, luta por sair, apoderado pela ânsia de me tocar, de satisfazer os meus mais sombrios desejos, de se fundir comigo e unir os nossos corpos num só, numa só alma. Há algum tempo, não tempo certeza quando, começou a cortar o vidro. Não usa quaisquer armas, serve-se das unhas. Os seus dedos sangram, o vidro está coberto de sangue e sei que as suas roupas negras – mesmo que não conseguia ver bem – também estão. Apesar de tudo não desiste. É incentivado por um amor profundo. Louco. Totalmente insano. Arranha o vidro dia e noite. Nunca dorme. Estou lá a observá-lo de longe.

Sinto que – por vezes – o incentivo a libertar-se. Bem no fundo desejo que se liberte rapidamente mesmo que sangre até perder a cor e os seus belos cabelos encaracolados castanho-escuros se tornem brancos. Quero que me tome como sua e beba do meu sangue, pois desejo correr nas suas veias e beberei o dele. Assim como ele, estou louca, completamente insana de paixão.

Desejo-o com a mesma intensidade que me deseja. Sonho com o dia em que irá libertar-se. Maravilhoso será o momento em que o beijarei e estreitará o meu corpo contra o seu, longo e esbelto, em que a sua boca cobrirá a minha e saboreei o seu doce e tentador mel. O dia em que me entregarei por completo á Morte. Ah, como a Morte é um homem magnifico.

Um dia aconteceu.

- Amo-te – murmura-me num silencio mórbido. Segundos depois ouço um estalar agudo. O vidro racha, parte-se em pedaços. O meu coração preenche-se de medo e excitação – és minha – desta vez ouço-o claramente. A sua voz é clara e obscura. Um arrepio percorre a minha coluna e avanço na sua direcção por instinto. Ele aproxima-se por pressa e toma-me em seus braços. Respiro fundo o seu aroma suave misturado com o metálico do sangue. Sinto-me subitamente sádica ao ponto de beijar os seus lábios rachados por dias sem beber, de provar o seu sangue. Rodeia-me possessivamente. Trocamos olhares íntimos, cheios de significado.

- Amo-te – digo-lhe sem receios. Os seus olhos chispam de loucura e amor. Deseja-me tanto e estou disposta a entregar-me – amo-te – volto a repetir. Dessa vez toma-me os lábios com um fogo sobrenatural, beija-me com puro entusiasmo e eu retribuo com a mesma força, entrego-lhe a minha alma, o meu amor desesperado e de certa forma perverso.

Sou uma jovem mulher perdida de amores pela Morte. As suas mãos percorrem o meu corpo com impaciência. Já esperou demasiado. Entrego-me ás suas carícias e beijos apaixonados. Amo-o. Oh Deus como o amo, perdoa-me.

Tudo escurece e sei que lhe pertenço. Serei eternamente sua. A Morte é um homem magnifico que me ama, o que posso mais desejar? Desfrutarei para sempre do seu amor. Desfrutarei para sempre o doce-amargo sabor da Morte. Oh Deus, perdoa-me pois pequei.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.