Quatro

Acho que deixo de ser visto como o figurão do lugar depois de não aparecer naquela sessão de treinamento. Pelo menos para quase todo mundo, nem mesmo Henry parece estar muito feliz comigo. Olho para Nove e Maggie que são ajudados a se levantar pelos seus Cêpans e levados para a enfermaria e me sinto culpado pelo que aconteceu com eles, embora acha que essa sessão de treinamento deva ser nivelada por quantas pessoas há no local.

O Adam mais velho passa por mim e me olha com uma expressão fria que me faz estremecer – por um momento eu me lembro qual é a raça dele, aquele olhar me fez lembrar o olhar assassino dos mogadorianos. Seis está parada do meu lado por uns minutos, eu sei que ela perdeu a Cêpan dela, mas pelo menos evita o papo constrangedor que terei que ter ao chegar no meu quarto.

- É, acho que ganhamos o título de mais populares no treinamento. – eu falo sorrindo para ela.

Seis revira os olhos e me dá uma cotovelada nas minhas costelas que ainda estão doídas, mas eu faço uma dor maior que realmente senti.

— Não deveríamos ter faltado o treinamento, Johnny. – ela fala séria para mim.

Eu concordo com ela. O objetivo desse treinamento era nos fazer criar uma interação em grupo e não só testar nossa destreza. De alguma maneira eu me sinto mal porque eu gostaria de ter participado desse treino hoje, queria saber o que os outros sabem fazer. Até agora sei que Seis fica invisível e controla os elementos e Maggie dispara Raios pelos olhos, mas Nove e Um são completos mistérios para mim.

E se iremos ter que fazer treinamento corpo a corpo tenho que saber o que eles sabem fazer. Não quero perder para eles. Vejo que Seis está se distanciando de mim, mas a detenho segurando pelo seu braço de leve.

— Sessão de treino especial todo dia depois das oito? – pergunto para Seis.

Vejo que ela sorri com a ideia, mas não é um sorriso de quem vai ceder fácil.

— Não sei, acho que não vai aguentar lutar comigo todo dia depois dessas sessões de treinamento, quer dizer, você viu como os outros ficaram.

Eu rio.

— Estou achando que quem está querendo arranjar desculpa é você. – debocho dela e pressiono o botão do elevador. Nessa altura todos já subiram, sinceramente é uma coisa meio exagerada, mas eu não ligo. Me sinto mal por isso, mas não quero que esse momento com Seis acabe.

— Okay, Johnny. – Ela diz jogando o cabelo para trás como resposta. – Veremos se você vai aguentar, mas não terei piedade de você, irá para a enfermaria desmaiando todo dia se for necessário.

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Seis entrou no quarto que ela divide com Um enquanto estou na cozinha e pegando alguma coisa para comer. Consigo achar um pacote de biscoito recheado já aberto e começo a terminar o serviço que começaram indo para a sala.

Lá encontro Sam, ele foi para a Sala de Treinamento junto comigo, mas depois que fui treinar com Seis eu o perdi de vista. Ele olha para mim e sorri, tanto tempo que não fico a sós com meu amigo que eu acho que precisava ainda de alguma coisa da minha antiga vida. Sentamos juntos no sofá e me impressiono por estarmos numa casa cheia de gente e ninguém mais estar ali.

— E aí. – falo com ele oferecendo o biscoito.

Ele pega o pacote e retira dois deles enquanto observo que está assistindo um filme que está começando agora. O a música é muito excitante e vejo um texto que começa a subir pela tela explicando o enredo que irá levar aos acontecimentos da trama.

— Um filme de alienígenas? – eu pergunto.

— Sério? – ele arregala os olhos incrédulo com minha pergunta. – Você não sabe que filme é esse?

— Claro que sei o que é Star Wars, Sam. – falo revirando os olhos e sentando ao seu lado, não porque eu esteja com vontade de ver o filme, eu realmente estou querendo evitar ao máximo Henry, porque pela cara dele, não está muito feliz comigo.

Assisto o filme até a metade, mas ele é muito grande e sinceramente. Quando você é um alienígena não tem graça ver outros alienígenas ainda mais quando seu melhor amigo é nerd e fica perguntando se a sua telecineses e seus Legados são iguais a força que os Jedis usam – a teoria é interessante, mas isso iria me render uma conversa para o dia todo que não estou a fim de ter com Sam, por fim eu me despeço dele e vou para o quarto.

— Ainda não te contaram? – vejo pela expressão dele que eles decidiram algo que eu não sabia.

— Sobre? – eu pergunto, mas não sei se quero saber as respostas, atualmente sempre que me falam sobre algo que não envolve algum tipo de genocídio ou a morte de algum amigo então evito querer saber.

— Vou ficar no mesmo quarto que você, Henry e BK! – ele fala animado.

Sorrio quando ele fala isso. Até que é uma boa notícia, para falar a verdade a melhor notícia do dia. Me despeço dele e vou para o quarto, porque não aguento mais o meu cheiro de suor. Quando chego na porta eu tento tomar coragem e giro a maçaneta.

Henry está fazendo carinho na barriga de Bernie Kosar e os dois parecem estar tão entretidos que parecem nem notar a minha chegada. Por um momento acho que posso pelo menos tomar um banho sem que seja interrogado, mas não tive sorte com isso. Meu Cêpan se levanta e cruza os braços cruzados olhando para mim.

— Acho que eu preciso de uma explicação. – ele fala.

Eu me afasto da porta do banheiro e me viro para ele. Agora olhando melhor para o quarto realmente há uma terceira cama que deve muito provavelmente ser a de Sam. Eu e Henry ficamos nos encarando e mando BK sair para dar uma volta com minha telepatia, ele obedece e sai pela fresta que deixei ao entrar.

— O que você quer saber? – eu pergunto tentando manter a voz neutra.

— Por que faltou ao treino, Quatro. – Henry fala e me espanto por usar meu número e não meu nome.

— Adam não lhe contou as visões legais que ele me mostrou? – eu falo com um tom acusatório e me aproximo de Henry. – Eu tive um dia ruim Brandon.

Acho que Henry já entendeu que eu sei o verdadeiro nome dele depois de ver tanta gente chama-lo assim. Eu me sinto meio egoísta por nunca ter perguntado isso e então percebo o quanto ele sabe de mim e eu nunca tive a mínima vontade de saber, nunca quis perguntar essas coisas.

— Olha John... – ele se aproxima e para minha surpresa me abraça. – Eu sei, ele me falou. Eu não morri John, eu estou com você, o futuro já mudou, então se tem medo que ele vá acontecer como aconteceu em suas visões, relaxe garanto que não vai.

Eu sento na cama depois que terminamos de nos abraçar e fico olhando para Henry. Não sei se não saber como o futuro vai ser é uma coisa boa ou ruim, porque agora é tudo incerto.

— Você fez a coisa certa. – ele continua. – Sarah estará melhor longe e segura, temos que focar no seu treinamento. É por isso que estou chateado, você perdeu um dia de treino.

— Eu estava treinando com a Seis. – retruco.

— Hoje não era corpo a corpo John. – Henry fala sério agora, percebo que o tom paternal sumiu. – Sei que você e Seis estão se dando bem, mas precisam treinar com os outros. Eles precisam confiar em você. Goste ou não Quatro você provavelmente vai ter que ser o líder deles, então eles precisam confiar em você e você precisa saber o que eles fazem, como é o comportamento deles.

Eu já havia pensando vagamente nisso, mas agora que Henry está dizendo percebo a idiotice que fiz. Foi a primeira impressão, eu a joguei fora e agora provavelmente aqueles três Gardes devem me achar um babaca pelo que fiz com eles.

— Eu irei treinar com eles amanhã. – eu falo sério.

Acho que Henry entendeu que estava falando sério porque ele senta e pega o livro que está lendo da cabeceira e se prepara para ler. Eu preciso perguntar algumas coisas e acho que se Sam vier agora para esse quarto a chance é agora ou nunca.

— Qual era o nome dos meu pais? – eu pergunto.

Percebo que meu súbito interesse sobre minha vida antes da Terra deixa Henry com uma expressão nostálgica.

— Seu pai se chama Liren e sua mãe se chamava Lara. – ele fala e sorri. – eles eram incríveis juntos.

Lara e Liren, será que...

— Henry... Qual era meu nome, em Lorien? – eu pergunto, não se realmente isso interessa, mas é meu passado.

Henry me olha e seus olhos ficam espantados.

— John, por que o interesse repentino sobre seu passado? – ele pergunta. – Nunca quis saber sobre essas coisas antes.

Eu também não sei. Mas depois que você tem memórias de duas vidas dentro da sua cabeça e em nenhuma delas sabe qual foi o nome que você nasceu, apenas um número. Começa a querer questionar essas coisas.

— Qual é meu nome Henry, que diferença isso faz?

Ele se endireita e fica sentando na cama me olhando, noto que sua expressão é séria. Nunca tinha visto Henry querer esconder algo assim, percebo que ele quer me contar, mas algo o impede. Por que será?

— Não posso John, tem que entender. Nomes para os Gardes são coisas passageiras e vocês serão responsáveis por substituir os Anciões quando reerguermos Lorien, então irão ganhar os nomes dos Anciões. – ele tenta me explicar. – Os nomes deles são como títulos.

Não vou aceitar essa resposta, mas por hoje não irei pressioná-lo. Algo me diz que saber meu nome pode ser a resposta de algo, que se eu souber disso poderei ajudar Lorien de alguma maneira, mas por enquanto não irei pressionar o meu Cêpan. Eu entro no banheiro para tomar um banho e descansar desse longo dia.

Um

Fora minha autoestima e minha moral com o resto da Garde que eu perdi hoje, também perdi a minha própria. Também não estou falando com a Seis, ela está sentada na cama com os fechados e sentada sob as pernas e segurando uma xícara de café. Não sei como ela irá conseguir dormir com isso, quer dizer, devem ser umas 21h e tomar café agora? Mas gosto é gosto quem sou eu para questionar minha colega de quarto que prefere “treinar” sozinha.

Ouço alguém bater na porta e sinceramente espero que Seis abra, ela nem faz menção de se mexer. Reviro os olhos, claro que não eu que devo fazer isso. Me levanto da cama, provavelmente deve ser Maggie querendo um papo de meninas, ela está animada com essas coisas da Garde estar junta agora. A probezinha está com o barbudão do Cêpan dela no mesmo quarto e fico pensando em falar com Adamus (acho melhor chamar o Adam do futuro assim para distinguir), sei lá acho que eu e Seis não estamos nos dando tão bem.

Abro a porta e dou um gritinho – sim, não bastava toda a merda que fiz ao longo desse dia eu tenho que dar uma droga de gritinho para acabar de vez com tudo – nem sequer olho para ver se a meditação com cafeína de Seis acabou. É Adam, ele está parado na minha frente com os olhos escuros de mog arregalados com isso. Para constar eu fiz isso porque eu não esperava que ele aparecesse ali, depois de me ajudar a levantar e me abraçar nós não nos falamos direito.

— Oi... – ele fala constrangido. – Atrapalho?

— Não! – falo o pegando pelo braço e puxando-o para fora do quarto.

Caminhamos pelo corredor do bunker. Para a minha sorte, ninguém depois da surra pretende ficar andando pelos corredores. Estão todos cansados ou tomando lição de moral dos Cêpans, levo Adam até onde temos uma espécie de viveiro para Quimeras. A ideia era que depois que fizéssemos a missão para buscar todas elas pudessem ficar aqui enquanto não estivéssemos lutando contra mogadorianos, buscando Gardes em locais inóspitos pelo mundo ou qualquer outra coisa louca que eles planejassem. Por enquanto o único que gosta de ficar aqui é Areal, acho que o Chimera de Quatro não curte a ideia de sair de perto do protegido, aquele quarto vai feder a cachorro.

— Que lugar legal. – Adam fala olhando para o ambiente.

Tem uma floresta artificial criada por Adamus dentro dessa área, assim como um pequeno lago que foi escavado. Essa deve ter sido a parte do bunker que era usada para criar alimentos orgânicos caso os alimentos ficassem escassos e demorasse para voltar para a superfície e provavelmente deve haver algum rio subterrâneo por debaixo do bunker.

Areal aparece correndo como um lobo por entre os arbustos e em seguida se transforma em um gavião e nos sobrevoa. Eu e Adam rimos – exibido demais essa Quimera – quando ele chega perto do lago vira um peixe e fica nada até se casa pulando do lago e voltando a ser um lobo de olhos dourados e correndo para a floresta.

— O que foi isso? – Adam pergunta sorrindo.

Não lembro de ver nenhum dos dois sorrir desse jeito. Como se estivesse em paz e tranquilo, fico pensando que essa é uma parte dele que não quero nunca que suma.

— Ele só quer mostrar pra você quem é que manda aqui. – eu falo me aproximo de Adam. Eu quero abraçar ele de novo, dessa vez sem ter uma crise porque acho que vou morrer esmagada sem poder usar meu Legados.

Ele fica me olhando por alguns segundos até que parece notar quem foi que queria conversar.

— Eu queria te agradecer por ter me tirado daquela base.

— Agora que me agradecer? – reviro os olhos. Eu estava tão furiosa com Adam que praticamente quis ignorar o treinamento por causa disso, agora ele quer me pedir desculpas. – Por que para me rejeitar você faz isso na frente da Garde e para se desculpar tem que ser a sós?

Não sei por que estou com raiva. Eu queria que ele me desculpasse, mas agora estou furiosa com Adam, talvez não tivesse passado a vergonha que passei se ele tivesse feito isso desde o início.

— O que? Um foi você que quis vir aqui. – ele fala sem entender nada.

— Claro, por que eu achei que você iria querer falar sobre outra coisa, não sobre esse assunto.

— Que tipo de coisa? – ele pergunta e noto que também está se irritando.

— Esquece Adamus. – eu falo bufando e ameaço a largar Adam ali falando sozinho naquele lugar rezando para Areal esquecer que aquele é um mog amigo.

— Minha família! – Adam fala e noto uma mistura de raiva e mágoa por revelar isso.

Me viro espantada. Pelas poucas coisas que lembro das memórias do Adamus, a família dele o rejeitou e o abandonou quando souberam que ele traiu a causa mogadoriana. A irmã o tratava como um verme e a mãe o deixou para ter o cérebro dissecado apenas com uma última refeição e sem olhar para traz.

— O que tem sua família? – pergunto retornando mais calma.

Adam senta numa pedra grande que tem espaço para duas pessoas e eu sento ao seu lado. Seu rosto assume uma expressão fria típica dos mogadorianos que eu já vi algumas vezes. Ele está tentando pensar no melhor jeito de expressar essas palavras. Encosto minha mão suavemente nas suas costas para encorajá-lo.

— É difícil Um. – ele fala fazendo uma pausa. – Eu sei que elas vão me odiar por causa de tudo que farei nessa linha do tempo.... Por ter escolhido o lado de vocês, mas era de uma maneira tão... Boa vê-las me tratando como um herói.

Não sei o que dizer. Acho que estou com um pouco de raiva por Adam dizer isso, já que essa fama de “herói” seria porque ele teria matado três Gardes, e eu seria um deles.

— Eu sei que sou uma farsa, eu me sinto tão livre podendo ser eu mesmo aqui e não ter que fingir que sou um adorador do Grande Livro de Setrákus Ra que é como se tirassem o maior peso do mundo das minhas costas. – Agora a expressão de Adam começa a suavizar e ele olha para mim com uma expressão mais tranquila. – Elas vão me odiar, eu queria pelo menos ter uma chance de tentar falar com as duas sobre minhas escolhas .... Quem sabe elas podem mudar de lado?

Percebo que Adam está querendo a minha aprovação. Me sinto desconfortável com isso, eu já havia conversado sobre a família dele com o Adamus. A mãe dele se suicidou porque para ela era a coisa mais “honrosa” a se fazer depois que o filho traiu a causa mogadoriana e matou o General Andrakkus Sutekh naquela realidade também, já a irmã Kelly se tornou um dos piores pesadelos da Garde criando pikens monstruosos para nos atacar, não sei como responder isso para Adam, ele é um mogadoriano em um milhão. Chega ao ponto de mesmo em qualquer realidade, não importa o motivo ele nos ajuda.

— Adam... – eu falo, mas minha voz sai incerta e sem confiança.

— É... Eu sei, isso é utopia. – ele me dá um sorriso triste. – Só queria que houvesse uma chance Um, mas elas vão me odiar de qualquer maneira.

Estamos mais próximos agora e nos abraçamos. Ficamos os dois quietos olhando para o habitat criado para as Quimeras e tentando esquecer essa guerra e tudo que estava por vir. Por enquanto estava bom assim. Coloco a cabeça no ombro de Adam.

Perco a noção de quanto tempo ficamos assim. Depois finalmente nos beijamos de novo, dessa foi como eu imagine que seria nosso beijo. Sem sirenes de avisos, sem mogadorianos carecas feios – Adam é uma exceção da raça dele, ok? – e sem monstros tentando me devorar. Só nós dois.

— De nada, por ter tirado você de lá. – digo sorrindo uma hora. – Mog-boy.