Elfo e humano atravessavam juntos a campina, indo em direção a capital de Calendria que naquela noite estava bem mais movimentada do que o normal. O olhar de Raregard estava perdido e seu corpo parecia se mover por conta própria, como quem está distraído e ainda assim continua a fazer algo. Ao se dar conta disso, o elfo disse:

—Se eu não tivesse ameaçado aquela mulher, você nunca a deixaria, né?

—Se eu soubesse que você é um mentiroso, com certeza não.

—Do que está falando? - questionou o elfo confuso.

—Disse que a deixaria ilesa, mas não foi o que aconteceu. - respondeu o homem indignado – Katherine ficou largada a própria sorte e só Nymira sabe o que vai acontecer.

—Lamento, mas foi o melhor que pude fazer com tão pouco tempo. Não viu que por causa dos gritos dela, os guardas foram alertados? Além do mais, ela não parecia nem um pouco afim de cooperar.

Com uma expressão de desgosto, Raregard se recusava a enxergar o elfo com bons olhos.

—Um emberlano com o coração perdido por causa de uma calendrina. Seu caso é o pior que eu já vi até agora.

—Vai se foder! - retrucou sem elevar a voz.

—Está me xingando sem nem saber o meu nome?

—Qual é o seu nome?

—Uly, eu…

—Vai se foder, Uly!

O elfo deixou escapar um sorriso de canto, então bloqueou a passagem do outro com a mão assim que se aproximaram da primeira construção, no início de uma extensa rua de pedras.

—Se abaixa.

Ambos se esconderam atrás de um amontoado de fenos e espiaram por cima, avistando incontáveis soldados transitando de um lado a outro, boa parte deles montados em cavalos.

—Para onde quer ir? - indagou Raregard.

—O que? Vai me guiar? - debochou Uly.

—Conheço essa cidade bem melhor do que você. - retrucou impaciente.

—Verdade. Mas você vai armar pra mim, emberlano. Não confio em um idiota cujo coração está escravizado por alguém do lado inimigo.

—Eu não estou armando pra você! - rebateu em voz baixa, embora claramente quisesse falar mais alto – Se eles nos pegarem, estaremos mortos!

Dois guardas começaram a caminhar na direção deles, embora ainda não tivessem notado a ambos.

—Precisamos sair daqui! - advertiu o homem.

—Onde eles guardam as armas de Stonehold? - perguntou o elfo.

—O que? - surpreendeu-se o homem.

—Rápido! - apressou o elfo.

Assim que os guardas chegaram ao final da rua de pedra e olharam para o barril, um deles ficou realmente furioso, tanto que começou a cerrar os dentes.

—Mas que merda é essa aqui? - esbravejou, chutando o objeto que tombou – Só tem um e ainda por cima tá seco. Não acredito que a gente vai lutar de cara limpa.

—Relaxa, cara! No Bar da Rosa deve ter o suficiente, aquela velha nunca decepciona.

Um pouco acima do barril tombado, na primeira construção daquela rua e com certeza uma das mais antigas, havia uma janela entreaberta, cujo interior estava escuro, dando da impressão de que o lugar tinha sido abandonado. E quando os guardas se afastaram, Uly abriu os olhos que imediatamente se destacaram em meio aquela escuridão, dada a maneira como refulgiam.

—Alguém pode nos encontrar aqui dentro. - preocupou-se o elfo.

—Ninguém mora aqui. - revelou Raregard – Olha, eu não sei sobre essas tais armas de Stonehold, mas os militares ficam alojados em algum lugar do castelo. Só que é loucura ir até lá.

—Do jeito que estamos, sim. - disse Uly com um meio sorriso.

—O que você..?

Alguns minutos mais tarde, o emberlano andava a passos lentos pelas ruas de pedras, carregando um saco sobre os ombros, sempre cabisbaixo como era de costume dos escravos. Estava suando, aparentemente por causa da carga, contudo na verdade era de puro nervosismo.

Estavam em meio a centenas de soldados armados, concentrados nos preparativos para a batalha iminente e cada vez mais ficava difícil para andar, pois precisava desviar de cada um deles para alcançar o castelo que já estava à vista.

—Você! - chamou um soldado.

Raregard começou a andar mais rápido, fingindo que não tinha escutado o homem a sete metros atrás de si.

—Vai para um beco vazio. - sussurrou Uly.

O homem dobrou uma esquina e adentrou o primeiro beco que encontrou, contudo haviam quatro soldados distraídos e bebendo.

—Outro! Outro! - exclamou o elfo com urgência.

Assim que o emberlano voltou para a rua, ouviu a armadura do seu perseguidor sacudindo e tal como ele, começou a correr, desviando dos inúmeros civis pelo caminho.

—Pare!

—Primeira porta a direita! - murmurou Uly, que espiava através de uma fresta no saco.

—É um bordel! - protestou o homem.

—Entra ali, droga!

Quando o homem entrou, viu que o local pouco iluminado estava repleto de pessoas nuas e seminuas, boa parte sobre grandes almofadas, tão entretidas que sequer perceberam a anomalia no ambiente. E quando o soldado chegou, vasculhou em todas as direções, tentando enxergar além das inúmeras cortinas que balançavam com a menor das brisas.

—Vocês, saiam do caminho! - ordenou o militar.

—Mas o que pensa que está fazendo, Sir Louzada? - questionou uma mulher de mais idade, cabelos cacheados e prateados, dentro de um vestido púrpura. Tinha no rosto uma expressão serena que combinava perfeitamente com seu tom de voz – Se quer diversão, deve ser mais gentil.

—Não tenho tempo para isso, madame Lionora. Um homem suspeito entrou nesse lugar, você o viu?

—Está diante dos meus olhos. - respondeu ela com sarcasmo.

—Por favor! - protestou o militar, olhando para o lado e sacando a espada na mesma hora – Você!

—Baixe a arma, Sir Louzada! Não permito derramamento de sangue em meu estabelecimento. - advertiu a mulher.

—O que quer comigo? - perguntou Raregard, cercado de três mulheres que tocavam seu corpo com notável fascínio – Tá me seguindo esse tempo todo.

—Dei ordem de parada e você desobedeceu! Vamos para fora!

—Eu só quero foder em paz e sabia que você ia me atrapalhar.

—Eu te conheço… É o escravo do lorde Reindhar, aquele que vive escoltando lady Katherine. Por quê está aqui? E cadê aquele saco que estava carregando?

—Estou aqui para trepar e aquele saco estava cheio de coisas velhas que juntei durante um mês só para pagar uma hora. Não estraga tudo. - apelou o homem, puxando uma das mulheres para mais perto.

—Panelas, roupas usadas e outros apetrechos que a generosa lady Katherine cordialmente forneceu para recompensar o homem que salvou a vida dela. Poderia ter pago em ouro, mas isso com certeza irritaria o lorde Reindhar, seu pai. - esclareceu Lionora, aproximando-se do militar que passou a fitá-la, claramente aborrecido – Está tenso por causa da guerra, não é bom que nossos homens fiquem assim. Skye… Leve este precioso soldado para o quarto e alivie a tensão dele.

Uma mulher de cabelos curtos e pretos se aproximou, colocando ambas as mãos no peitoral de aço da armadura de Louzada, que cuidadosamente guardou a espada e a envolveu pela cintura, não mais dando atenção para o emberlano, até finalmente desaparecer com a cortesã escada acima.

Não tardou até que o militar calendrino estivesse nu, de joelhos sobre o colchão e possuindo a mulher que gemia com uma veracidade duvidosa. Foi quando viu tudo girar, caindo até atingir o chão de madeira e ser ensopado pelo próprio sangue, de encontro a escuridão eterna da morte. O corpo decapitado caiu sobre a cortesã, que tentou gritar, mas foi rapidamente contida pela mão ágil de Uly.

—Shh… Calma. Só preciso que fique bem quietinha, entendeu? - advertiu ele, para tanto exibindo a espada manchada de sangue tal como ela própria também estava.

—Por favor… Eu não fiz nada… - apelou uma Skye chorosa, encolhida na cabeceira da cama.

—Se continuar fazendo barulho, eu vou te matar. - ameaçou em tom severo.

A cortesã imediatamente tapou a boca com ambas as mãos, enquanto o elfo começava a vasculhar o corpo morto de Louzada como se fosse um monte de trapos. Um jogo de cinco chaves, uma garrafa vazia, um saquinho com algumas moedas e um relógio velho, bem desgastado, mas que ainda funcionava.

—Estão vivendo suas vidas normalmente, imersos em seus prazeres, porém às custas de milhares. - proferiu Uly cheio de desprezo – Agradeça a dona desse lugar. - e saiu pela porta, fechando-a.

No corredor, Lionora e Raregard aguardavam o elfo, que se apresentou com algumas manchas de sangue, principalmente em sua espada. Ao se dar conta disso, a mulher estreitou os olhos:

—Pensei ter dito “nada de mortes em meu estabelecimento”.

—Menos um soldado para matar meus irmãos. - retrucou friamente, sustentando o olhar dela – E não se preocupe, humana. Direi o que você fez ao nosso rei e ele poupará este lugar, afinal, diferentemente de vocês calendrinos, o povo de Aurora não sente prazer em massacrar.

—Não confunda as coisas, meu jovem. Aqueles que estão por baixo não podem ser culpados pelas decisões tolas de seus governantes. - rebateu Lionora de maneira firme – Agora chega de falatório! Saiam pelo terraço e não voltem mais aqui, entenderam?

—Obrigado, senhora. - agradeceu o homem.

—Obrigado uma ova, Raregard! Vão! Vão!

Assim que chegaram ao terraço e madame Lionora fechou a porta, trancando-a, Uly deu uma boa olhada nos quatro cantos e analisou cada detalhe em seu campo privilegiado de visão. Enquanto isso, Raregard apoiava-se no parapeito, sem tanto interesse nas rotas de fuga que o outro estava traçando. O vento frio da noite há muito tempo não incomodava sua pele, sempre acostumada a coisas bem piores, como revelavam as cicatrizes espalhadas pelo corpo todo.

—Quando disseram que os elfos atacariam, não entendi o porquê. Eles ficaram quietos por tanto tempo…

—Alguém deste reino mandou um assassino para Aurora, que matou a filha do rei durante a celebração do Grande Dia de Nymira.

—Hum… Então é isso. - disse o homem indiferente.

—Está insinuando alguma coisa?

—Sendo bem sincero? Não dou a mínima. As coisas são como são e gente como eu, que não pode fazer nada, não deve ficar se preocupando com aquilo que não pode ser mudado.

Uly riu e disse:

—Foi a coisa mais patética que eu já ouvi. Você realmente não tem nenhuma dignidade.

Raregard deu de ombros e foi se apoiar em outro lado do terraço, perdendo-se na visão de uma família constituída pelo pai, a mãe e duas meninas. Não muito distante deles, havia um militar realmente grande; teve arrepios ao imaginar alguém como ele furioso.

—Por que se apaixonou por aquela nobre?

Houve um instante de silêncio, até que o homem finalmente respondeu:

—Eu era uma criança bem encrenqueira antes deles chegarem e me escravizarem. Depois disso, fui torturado mais vezes do quero lembrar, até ser comprado pelo lorde Reindhar. A essa altura, já tinham tirado de mim qualquer motivo para viver, eu não tinha esperança de ser alguém, minha única utilidade era servir. Só que Katherine nunca me enxergou assim. Foi a única pessoa que olhou para mim, que me viu como uma pessoa. Ela foi capaz de abandonar tudo para fugir comigo… - sorriu, embora a tristeza logo abraçasse suas feições.

Uly suspirou, colocou as mãos na cintura e fitou o céu com poucas nuvens.

—Jamais conseguiria protegê-la, emberlano. Quanto tempo acha que levaria para que fossem capturados?

—Então eu deveria ser grato pelo que você fez? - questionou com sarcasmo – Não fode! Aliás, que ideia maluca foi aquela de entrar no bordel?

—A gente precisava sair da rua, não ia demorar até que outros militares se dessem conta e nos cercassem. Foi uma aposta. - disse Uly satisfeito – Eu só não contava que a dona desse lugar fosse alguém tão resiliente.

—Ela poderia ter ferrado com a gente. O que você fez foi tentativa de suicídio. - repreendeu o homem.

—Eu arrancaria a língua dela antes que pudesse tentar algo idiota. - proferiu com um ar sombrio que fez Raregard engolir em seco – Precisamos nos apressar, o rei não tardará a chegar.

—O castelo, com certeza, está repleto de gente poderosa. Qual o tamanho da arma que você quer roubar?

—Uma que mede por volta de quatro carroças. - respondeu enquanto tornava a procurar uma rota alternativa até o destino.

—Achei que elfos fossem mais inteligentes! Realmente acredita que ninguém vai ver? - zangou-se Raregard, indo até o outro de dentes cerrados – Eu teria mais chances de sobreviver fugindo com Katherine do que nessa furada em que você está nos metendo!

—Vamos ver por quanto tempo você vai pensar assim. - retorquiu confiante.

Minutos mais tarde, ambos já estavam percorrendo cautelosamente os telhados das construções, até serem forçados a descer no beco mais próximo da rua paralela, pois não conseguiriam saltar até o outro lado. O coração do emberlano parecia estar prestes a sair pela boca, enquanto a mão do elfo nunca ficava distante demais do punho de sua espada, bem como seus olhos refulgentes pareciam jamais descansar.

—Deveríamos ter pego a armadura daquele cara. - comentou Raregard.

—Você é grande demais pra ela. E em mim ficaria muito folgada.

Enquanto conversavam na saída do beco, algumas pessoas passavam apressadamente com destino certo a suas residências. Foi quando se ouviu o som de uma trombeta tocando duas notas, uma menor e outra maior.

—Eles chegaram! - anunciou Uly preocupado – Não posso mais me conter.

—Como assim não pode mais se… O que está fazendo?

Foi quando os olhos castanhos do homem ficaram arregalados diante da cena que estava presenciando. Apanhando do chão uma pedra do tamanho de uma laranja, o elfo a segurou com firmeza e inscrições estranhas surgiram, num tom similar àquele em seus olhos. Ele a jogou para cima sem muita força, a apanhou e então atirou em direção aos muros que guardavam o castelo de Calendria, porque já estava ao seu alcance.

—Há uma conexão entre aquela pedra e eu, para que através disso, eu possa chegar até lá num piscar de olhos. - explicou Uly, erguendo o rosto para o maior.

—Então você pode se teleportar? - admirou-se Raregard – Mas que maldito! Depois de tudo que a gente passou, só agora você conta isso?

—Acha mesmo que eu seria idiota a esse ponto?

—Acho. - respondeu simplesmente.

—Mas não sou! - retorquiu um Uly ofendido e irritado – Uma habilidade desse nível requer muita aura, não sai de graça. Se eu a tivesse usado desde o começo sem parar, agora estaria esgotado. - então voltou-se na direção do castelo – Pensei que teria mais tempo, mas as coisas mudaram. Preciso me apressar, o que significa não ser capaz de levar você comigo e, sendo assim, está livre para voltar.

—Sabe muito bem que eu não posso voltar. - disse o homem em um suspiro – Serei executado assim que colocarem as mãos em mim. Ficarei por aqui, torcendo para que os elfos não me confundam com seus inimigos.

Uly meneou a cabeça e durante algum tempo, ficou em silêncio. Parecia incomodado, talvez até inconformado com alguma coisa e, no fim, olhou para o outro, claramente decidido.

—Ok, você vem comigo. Mas tem que me prometer, Raregard. Tem que jurar! - exigiu, para tanto se colocando frente a frente – Não importa o que aconteça, se eu não for capaz de alcançar o objetivo, você o fará.

—Eu não sou um soldado, além do mais…

—Você é um emberlano! - rosnou Uly, acertando um tapa na bochecha do homem e o segurando pelo queixo – Já vi crianças emberlanas com mais determinação, então está na hora de mudar essa postura fraca e agir como o seu povo agiria!

Foi quando Raregard respirou fundo e se lembrou de todas as vezes em que foi torturado desde sua captura, ainda quando criança. Recordou também dos gritos de sua mãe, suplicando para que não o levassem, antes de ser covardemente transpassada por uma espada na altura do peito.

Eu senti tanto medo, que aos poucos fui perdendo a vontade de viver. Por causa da dor, me esqueci completamente de quem eu era.

—Eu juro, Uly. - disse determinado – Juro que se for preciso, vou completar o objetivo que é… O que mesmo?

O elfo apontou na direção do castelo, revelando:

—Vamos roubar o Rinoceronte de Aço. - e apontou na direção onde, distante dali, estavam os portões de Calendria – Depois rompemos as defesas desses humanos miseráveis. Er… Sem ofensas.

—Não ofende, só que ainda não entendi como faremos isso. Se essa tal arma é gigante e nós mal estamos conseguindo ir até lá sozinhos, no que está pensando?

Uly deixou surgir um sorriso de canto e, no instante seguinte, segurou Raregard pelo pulso. Uma luz similar aquela que refulgia em seus olhos e também a que tinha se destacado nas inscrições da pedra outrora lançada, brilhou aos pés do elfo, que foi sugado por ela ao passo em que levou o outro junto, até ambos desaparecerem dali.

Em um lugar estranho, onde qualquer som ecoava e não se via nada além de escuridão, o emberlano a princípio teve medo de dar um passo e cair, contudo reparou que seus pés pareciam firmes em algo que ele não era capaz de enxergar.

—Não perca tempo, me segue! - ordenou o elfo, dando um tapinha em suas costas largas.

—Que lugar é…

—Só vem! - cortou impaciente.

Embora confuso, Raregard entendeu que Uly por alguma razão não queria se demorar naquilo e logo o seguiu. A cada passo dado, era como se gotas caíssem em poças d’água no interior de uma caverna.

—Se prepara para o pior, humano.

Uma porta estranha surgiu na frente deles; era preta, aparentemente de ferro e com relevos que lembravam as inscrições estranhas daquela pedra, porém não estavam brilhando. E quando o elfo a abriu, esta rangeu de um jeito realmente incômodo, aumentando muito a ansiedade de ambos que não tardaram a atravessar.

Um jardim bem cuidado, no interior de um muro que circundava toda uma enorme construção repleta de torres. Eles estavam na ala leste, dentro dos terrenos do castelo de Calendria, com uma visão quase perfeita da enorme escadaria que conectava os portões do solo àqueles no alto, por sinal, avariados e claramente em processo de reconstrução.

—Vem alguém! - alertou Raregard.

—Ali! - disse Uly apontando para uma árvore e ambos se apressaram para se esconder atrás dela.

Um homem calvo, com ferimentos de queimaduras pelo pouco que dava para ver graças a sua armadura e uma notável cicatriz transversal no rosto surgiu de espada em punho, embora tivesse uma segunda embainhada. Parecia incomodado com alguma coisa, sobretudo pelo jeito como deu meia volta, rangendo os dentes e encarando algo na sombra do castelo; tanto o elfo, quanto o humano não conseguiram ver.

—O comandante deu ordens para que eu ficasse na torre do Conselho!

—Você não responde ao comandante! - disse uma voz rouca – Responde a mim, Ulisses Decarlo! Procure os inimigos e arranque as entranhas deles, é uma ordem!

—Está me pedindo para procurar sozinho em toda Calendria! - retrucou indignado.

—Comece pelo bordel, idiota! - esturrou o indivíduo na escuridão.

—Você mente! Disse que ia me transformar no comandante de Calendria, porém mesmo com o seu poder, quase fui morto naquela floresta desgraçada. Te dar ouvidos pode ser minha perdição, estou cansado disso!

—Como posso te dar mais poder se o seu corpo é tão fraco? Você almeja ser o comandante de Calendria, contudo não conseguiu dar conta de um velho.

—Aquele velho era o filho da puta do Alabas! - vociferou.

—Distante do auge, cansado pelo tempo, flácido, lento! - rosnou aquela entidade.

—Então está me dizendo… - começou Decarlo com uma calma duvidosa – Que é incapaz de me ajudar a chegar onde eu quero?

—Enquanto não mudar sua postura, não conseguirei te ajudar. Homens como Jonathas, Alabas e Turvin só são o que são porque tem foco, garra e não seguem pelas estradas mais fáceis. Quer ser como eles?

Decarlo olhou sem interesse para uma árvore não muito distante, porém sua mente estava em outro lugar, imaginando a si mesmo no posto militar mais alto do reino.

—Quero ser melhor do que todos eles.

—Um dos inimigos é um elfo, enquanto o outro não passa de um reles escravo da casa Reindhar. É essencial que você faça isso sozinho e rápido, Ulisses! Imagine como os lordes das grandes casas vão te olhar quando souberem que você, um capitão, interceptou um inimigo de guerra dentro das muralhas de Calendria.

Um sorriso de satisfação preencheu os lábios do militar, que rapidamente se apressou em direção aos portões que davam acesso ao exterior. E durante todo esse tempo, Raregard tinha ficado absolutamente confuso, enquanto Uly parecia guardar consigo cada detalhe do que acabara de acontecer ali.