O Dia dos namorados chegou em Downton, e os jovens estavam todos animados com o fato de cada um ter recebido um cartão especial, Edith estava tão feliz que só faltava pular de alegria, afinal, ela jamais havia recebido um cartão de São Valentim em toda a sua vida, por isso, subia as escadas distraidamente quando se deparou com Mary descendo e tentou esconder tanto a alegria do rosto como o cartão de suas mãos. A maioria ainda se sentia constrangida por demonstrar qualquer tipo de felicidade quando estivesse perto de Mary, pois se sentir feliz diante de tamanha infelicidade era praticamente um insulto e por mais que as duas não fossem as melhores amigas, Edith não queria causar mais tristezas á irmã.

Mary imediatamente percebeu o cartão colorido nas mãos de Edith e mesmo ainda não estando tão a par do tempo, imaginou do que se tratava, e tentando tirar a culpa que percebeu que a irmã sentiu por isso, disse á ela que se divertisse em Londres.

Durante o chá servido á tarde, Tom ficou encostado na lareira em frente Mary que estava sentada em uma poltrona, e, enquanto ele tomava o chá percebera que Mary apoiava sua xícara com as duas mãos parecendo ser aquilo algo pesado demais e, sempre com os olhos em direção a janela, deixava seus pensamentos a levarem para qualquer lugar que não fosse ali, como se a cada minuto um pouco de sua força e vontade de viver estivesse se esvaindo, e então, tentando iniciar uma conversa com ela, disse:

–"Você não gosta desse chá?" Mary recobrou os sentidos e finalmente deu sinal de vida:

"- Ah, claro! É uma delícia. Um dos meus favoritos"

"- Não é o que está parecendo, ou será que colocaram algo dentro dele para te fazer dormir?" Mary sorriu e como boa contestadora que é, tomou um gole do chá, fechou os olhos por alguns segundos como se tivesse saboreado a coisa mais gostosa do mundo, se virou para Tom e disse:

"-Delicioso! Satisfeito?"

Ele fez cara de quem se deu por vencido, porém satisfeito, e foi até a pequena mesa, deixando sua xícara já vazia por lá, aproveitando estar sozinho ao lado de Mary, voltou para ao lado da cadeira, inclinou-se levemente seu corpo para o lado dela, sem se dar conta disso, e resolveu prosseguir com o diálogo:

"-Anteontem eu e seu pai fomos falar com o sr. Trent e pensei em chamar você para ir caminhar comigo para ver as plantações, mas seu pai não achou a ideia muito boa e pediu para que eu não a perturbasse... se eu te tivesse chamado, você iria?"

"-É bem provável que não, Tom, não ando com vontade de fazer nenhuma caminhada" disse Mary se virando para a janela novamente. Mais uma vez o silêncio estava feito, ela então resolveu se levantar e ir até á mesa para escolher um pedaço pequeno de bolo, para que ninguém (leia-se Tom) ficasse novamente preocupado se ela estava se alimentando bem ou não , ao menos, por algum momento Tom havia conseguido despertar Mary daquele sono profundo em que ela estava vivendo acordada, e a fez pensar na vida novamente.

"-O bolo estava uma delícia, Thomas! Aposto que Daisy ou a Sra. Patmore ganharam algum cartão de dia dos namorados!" Thomas ficou tão surpreso por Lady Mary ter voltado a sua atenção á ele, que por alguns segundos deixou lhe escapar um sorriso largo, mas rapidamente se recompôs e respondeu com a formalidade devida:

"-Sim Mi Lady, o carteiro deixou várias cartas para as meninas lá do andar debaixo, levarei as suas felicitações á todas assim que tiver a oportunidade" Mary apenas sorriu discretamente e assentiu com a cabeça, voltou-se então para Tom que tinha ido até a mesa para experimentar o tal bolo delicioso, e Mary continuou com o mesmo assunto

"-E você Tom, recebeu algum cartão? Edith recebeu!"

No momento em que Tom ouviu o questionamento, quase se engasgou com o bolo que mastigava, fez um sinal para que Mary esperasse ele se recompor e disse:

"-Eu, um cartão de São Valentim? De quem? Só se fosse de algum dos nossos inquilinos, que estivesse desesperado a ponto de mandar um cartão romântico para um homem!" E ele riu, primeiro porque a pergunta soou aos seus ouvidos como absurda e depois, porque a piada que ele tentou fazer do assunto tinha saído muito espontaneamente, pegando até ele mesmo de surpresa. Mary nesse momento, até que pensou em rir ou fazer uma pior piada sobre o assunto, mas lembrou-se que Thomas estava na sala e que esse tipo de brincadeira poderia de alguma forma o constranger ou insultá-lo, então, sem pensar muito, respondeu quase que asperamente para Tom, pois percebeu que Thomas já demonstrava um certo desconforto com o que acabara de ouvir:

"-Isso é resposta para se dar, Tom? Não perguntei brincando, eu estou a tanto tempo por fora das notícias, que nem sei como anda a sua vida! Se você tivesse se casado de novo eu não saberia!"

Só de ouvir aquilo Tom mudou... se casar era uma das coisas que estava fora de questão, sequer ter vontade de procurar um romance estava sendo cogitado e então ele voltou-se para o lado da lareira e respondeu:

"-Acho que a palavra romance não combina nada conosco no momento, nem como parte de brincadeira! Que tal deixar São Valentim para Edith, espero que ela faça bom proveito!" Ele não foi áspero em suas palavras, mas percebeu que a conversa estava tomando um rumo que poderia trazer muitos sentimentos á tona e achou que seria melhor evitá-los colocando de vez um ponto final no assunto. Depois dessas palavras, Mary percebeu que esse assunto realmente não deveria ser discutido e que se alguém perguntasse algo do mesmo tipo á ela, se sentiria igualmente desconfortável, então resolveu comer mais um pedaço do bolo e se sentar novamente.

Logo após o chá, a babá levou as crianças até a sala onde estavam e se deparou com o Sr. Barrow que já estava de saída, embora poderia ter ido já a não poucos minutos antes, mas pareceu-lhe interessante a conversa conflitante e desajeitada que Mary e Tom estavam tentando ter e então resolveu atrasar o máximo que pôde na esperança de ouvir algo mais importante. Nanny fez questão de esbanjar elogios ao pequeno George, tratando-o como o príncipe da casa e Tom logo que pôs os olhos sobre a filha se desmanchou, pegou-a em seus braços e se sentiu novamente animado, deu uma espiada em Mary e percebeu que ela ainda evitava olhar o filho, ficou apenas alguns minutos segurando o bebê e sem olhar pra ele, apenas voltando seu olhar novamente para a janela, entregou-o de volta a babá e disse que iria subir pois se sentia cansada.

Tom percebeu que Mary precisava voltar, que se Robert não fosse fazer nada, ele iria fazer, ele tinha iniciado a batalha e não se daria por vencido até conseguir convencê-la a voltar á vida!

No dia seguinte, todos estavam reunidos na biblioteca discutindo sobre a possível nova dama de companhia de Cora, Mary apenas observava sem nenhuma intenção de participar da conversa, Tom resolveu aproveitar a oportunidade para se aproximar e ser mais enfático com Mary, tomou uma xícara de chá e foi sentar-se na cadeira ao lado da dela.

"-Mary, está na hora de voltar para nós, não acha?" Aquilo soou tão doce e sincero aos ouvidos de Mary que ela não teve coragem de fazer qualquer oposição.

"-E o que você sugere?" respondeu, esperando pra ver o que lhe seria dito.

"-Encontre interesse em algo, qualquer coisa que seja!.... poesia, carpintaria" Disse Tom, tentando evitar a pausa que o faria rir do absurdo que acabara de dizer para a "Lady" e continuou dando algumas outras opções de passa-tempo existentes no mundo que ele só citou para mostrar a Mary que ele a apoiaria a fazer qualquer coisa que ela estivesse disposta caso isso a fizesse reagir.

"-Estou interessada em George" respondeu ela, buscando algo dentro de si, da qual ela já havia pensado outra vez em se importar.

Ele sabia que não era isso que ela demonstrava toda vez que estavam pertos dos seus filhos, e que ela não estava se esforçando para se quer ficar por alguns momentos com ele, e então ele sentiu que era hora de desafiar Mary: "- Ah, é mesmo?" com um tom de reprovação por saber que não eram de todo sinceras as suas palavras, e ela imediatamente percebeu que ele sabia disso e resolveu ser sincera com as próximas que diria

"-Eu vou estar" E aquilo soou como uma promessa, e sabendo que agora as palavras eram sinceras, a satisfação tomou conta de Tom, que ficou até sem jeito para dizer qualquer outra coisa, aquilo tinha sido verdadeiro. Mary se esforçou um pouco mais pra tentar demonstrar que também se importava com Tom:

"-E o que você fez hoje?" Tom mal pode responder pois Robert apareceu, cortando a conversa e mais uma vez reprovando Tom em qualquer tentativa que fosse de se aproximar de Mary. Ela se sentiu sem jeito, sabia que o pai sempre culpava Tom por tudo o que ameaçava a forma como ele conduzia a família, e depois que Robert foi embora, ela disse a Tom:

"-Não ligue para papá, você sabe como ele teme seus pensamentos revolucionários, no fundo ele só tem medo de seus ideais porque ele sabe que são bem intencionados e propícios a mudar o mundo, ele não quer que o mundo a sua volta mude, ele tem medo de você, principalmente estando você dentro de uma biblioteca." E Tom sorriu, pois sabia que a ênfase na biblioteca é porque Mary já havia visto os dois discutindo ferrenhamente a política de Tom por lá, e ele era uma das poucas pessoas no mundo que revidava Robert, embora em momentos de fragilidade, Tom já mais amadurecido, decidiu não iniciar nenhuma discussão com ele. Mas aquilo não era nada bom, concluiu Tom, então percebeu que ele teria que recorrer a algum aliado que também tivesse o interesse de ver Mary melhorando, depois de pensar bastante, concluiu que o ideal seria Carson. Tomou-se cheio de coragem e pôs seu plano em prática, foi falar com Carson, que também se encheu de coragem para fazer o que precisava ser feito, e sabia que era o correto, mesmo depois de ouvir palavras que o machucaram a fundo, mesmo depois de ver Mary gritando á todos na mesa de que queria ser deixada em paz! A verdade é que qualquer tipo de mudança, incomoda, e essa mudança não só incomodava, mas doía a fundo no coração de Mary. Tom sabia que doía, mas ele sabia que precisava doer, passar remédio em ferida aberta dói, mas também ajuda a sarar, Mary estava deixando o remédio entrar, e isso iria surtir efeito tão breve quanto uma anestesia, e depois de mais uma conversa importante, agora com sua vó, Mary decidiu de vez retornar para o mundo dos vivos!

No outro dia, o grande choque aconteceu! No almoço esperado com os arrendatários de Downton, Mary apareceu... e todos ficaram sem fala, e Tom a olhou deslumbrado e percebeu que pela primeira vez em seis meses lá estava ela, com um lindo vestido lílas, ela havia tirado o preto e estava tão bem, entrou pedindo desculpas pelo atraso, procurando um lugar pra se sentar e imediatamente Tom contestou de que deveria se sentar aonde ele estava sentado, Mary acatou, sabendo que ele sabia melhor do que ela mesma o que fazer naquele momento, e enfaticamente ele disse que aquele era o seu lugar! Não só o lugar á mesa, mas o seu lugar na vida, com as rédeas nas mãos. Passou quase todo o restante do almoço visivelmente emocionado, e viu que Robert tinha percebido o que ele estava fazendo, e que tinha dado certo. Ele não tirou os olhos de Mary e ficou ainda mais surpreso de que Mary sabia sobre um ou dois casos dos seus arrendatários, ela havia checado todas as anotações minuciosas que Tom fazia em seu caderno para que não ficasse tão alheia as conversas.

Todos ficaram impressionados pela presença tão triunfal de Mary, especialmente satisfeitos, estavam Tom e Carson.

Mary finalmente tinha se dado conta de que estava exatamente no lugar em que tinha desejado a vida toda estar: à frente de Downton Abbey, e sim, ela sabia quase como um talento nato fazer isso, a segurança que ela esbanjou, sua aptidão para a liderança, fizeram despertar em Tom uma admiração especial, que poucas vezes fora despertada, pois as mulheres fortes e decididas a tomarem seu devido lugar na vida, ele podia contar nos dedos, ele sabia que ela não era frágil, mas não imaginava que ela fosse tão forte, e agora, ela havia decidido se levantar para vencer.

A batalha tinha saído do 0x0.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.