Rafael tocou o próprio lábio com o dedo indicador, roçando-lhe a pele machucada seguidamente, enquanto pensava na própria promessa.

Nunca tivera o hábito de prometer nada a ninguém, nem mesmo à Fordy, que mal dava satisfações sobre si mesmo. Não fazia questão de compartilhar nada com o velho, nem com ninguém. Já era grande demais para suportar o próprio fardo sozinho.

Mas aquilo era gravemente diferente.

Assim que vira os olhos dela brilhando, enquanto o encarava penosamente, não pôde evitar fazer coisas absurdas para amenizar a agonia que sentia por querê-la tanto. Agora, enquanto encarava a enorme piscina que se estendia à sua frente, pensava consigo mesmo se fizera a coisa certa.

Estava assim, tão desesperado? Como podia ter certeza do que sentia?

Como pudera prometer coisas que mal fazia a ideia de como fazê-las?

Eram tantas perguntas que fazia a si mesmo que sentia que, se não entrasse logo na água e pusesse seus músculos para trabalhar, sua cabeça explodiria. Por isso, sem pensar em mais nada, saltou para dentro e pôs-se a nadar freneticamente, de um lado para o outro. Mal havia completado uma volta e suas costas já ardiam por conta do esforço.

Se não houvesse dor, então Rafael sentia que estava fazendo errado. Esgueirou-se para perto da borda da piscina, ofegante. Era assim que se sentia em relação a tudo.

Eles se conheciam a o quê, uma semana e meia? E tanta coisa já havia acontecido!

Claro que estivera muito próximo daquelas coisas que ela lhe proporcionava, e mal sabia do que realmente se tratava. Muito embora achasse que a coisa fosse completamente nova e, de certa forma, diferente. Antes de Adélia, tudo o que Rafael fazia era nadar, ler, reclamar, andar por aí sem se preocupar… Não que tivesse muitas opções. Sua vida era um inferno entediante, e não fazia questão de mudar aquilo.

Mas então Fordy o interrompera naquele dia, com a foto dela em mãos. Ainda lembrava-se de sua reação, da forma como aquilo o assustara e lhe causara uma raiva tão profunda de seu pai, por obrigá-los a fazer aquilo.

Parecia-lhe horrível, e lhe causava muita ânsia pensar daquela forma, mas Rafael achava que, uma vez na vida, Adélia tinha sido a única escolha certa de seu pai. Ele pensou por um momento o que o levara a escolhê-la - e que talvez aquilo lhe explicasse o porque detestava-o tanto.

Adélia deveria ter sido muito feliz antes de ir parar ali, Rafael pensou. Talvez a culpa de toda a sua infelicidade fosse realmente dele, talvez Rafael fosse…

Por que não conseguia esquecer aquilo? Ela já não havia admitido que não o odiava?

Rafael nunca tinha certeza do que ela sentia ou quem ela era quando não estava com ele. Ela ainda lhe era muito estranha, mas as coisas que sentia o fazia pensar que eles se conheciam há mais tempo.

Ah, as coisas que sentia…

Fordy certamente saberia nomear aquele tipo de coisa, mas Rafael não sabia como contar - se é que queria contar - ao velho sobre aquilo. Não era de feitio seu compartilhar sentimentos.

Mas Rafael poderia ter certeza de uma coisa: não era amor. Ele não amava Adélia. Mal sabia se estava apaixonado

Era-lhe uma sensação familiar, mas ao mesmo tempo diferente do que sentira antes.

Ele já foi - ou pelo menos acreditava que sim - apaixonado por alguém, e sabia que o que sentia por Adélia era diferente daquela queimação em seu coração. Por Adélia, sentia um leve formigamento no peito, uma pulsação incessante que o fazia ficar perigosamente mais tolo. Vulnerável.

Ele sentiu seu peito se apertar, quando uma lembrança o fez ofegar.

Rafael tinha sentimentos por Adélia, mas não deixaria que suas emoções o levassem ao precipício como da última vez.

Por mais que quisesse, ele nunca conseguira se perdoar, de fato, pelo o que acontecera com Celine. Acreditava, sim, que era sua culpa; mas nunca conseguira entender o porquê. Desde que a vira pela primeira vez ali, parada e encolhida no centro do hall de entrada, olhando curiosamente para todos os lados, Rafael sentira seu coração bater mais forte por ela.

Ela estava ao lado de Fordy, esperando-o convidá-la a entrar. Rafael estava escondido, envergonhado por conta da presença dela. Naquela época, ainda não usava a máscara, ainda não conhecia o preço de sua maldição e muito menos a verdade sobre si mesmo. Tinha apenas dezoito anos, e não passava de um pobre garoto iludido. Acreditava fielmente em tudo o que seu pai lhe dizia sobre aquilo; acreditava que aquela linda garota era a solução de seus problemas, o amor de sua vida e outros absurdos. Talvez esse tenha sido seu maior erro: acreditar demais.

Pensava que Celine estava ali para salvá-lo, para livrá-lo da maldição – o que era, de certa forma, verdade. Nem seu pai ou muito menos Fordy lhe explicaram o processo direito, mas Rafael sentia-se confiante com o pouco que tinha e sabia. Ficava feliz quando a garota saía de seu quarto para vê-lo, ignorando completamente seus olhos inchados e vermelhos ou até mesmo o desprezo em sua voz. Ele tentara consertar as coisas com ela, sendo o mais simpático que sabia ou podia ser. Mandava-lhe alguns presentes, e – depois de um tempo, sendo o que mais o constrangia no presente – lia para ela algumas coisas que escrevia.

Era uma das poucas coisas que fazia em seu tempo. Na época, ele escrevia coisas bobas sobre como os olhos dela eram bonitos, ou como sua pele parecia porcelana. Ela, por outro lado, zombava dele e quase nunca fazia questão de saber o que ele sentia por ela – por isso o deixava sozinho durante o que deveriam ser encontros marcados ou o ignorava enquanto lia seus versos. Mas nada daquilo impediu que Rafael se apaixonasse perdidamente por ela.

Diferentemente do que sentia por Adélia, o que Rafael sentia por aquela garota ainda lhe era muito recente, ainda o atormentava e o machucava de tal forma que ele poderia jurar estar sangrando pelo buraco em seu peito, que pulsava ardentemente sempre para lembrá-lo dela. O que sentia por Adélia ainda era um mistério, mas pelo menos sabia que não era a mesma coisa que matara Celine.

Ele saiu da piscina apressado, quase escorregando no processo. Não podia nem sonhar com a ideia de ver Adélia tendo o mesmo destino que Celine. Ele não suportaria vê-la no mesmo estado – fria, quieta, vulnerável... Jamais conseguiria se perdoar.

Muito embora já não lhe restasse muito tempo, Rafael não conseguiria viver consigo mesmo se a situação se repetisse. Tudo o que conseguia pensar em fazer para evitar que acontecesse era ser o menos odioso possível. Manteria-se escondido pela máscara pelo tempo necessário, e jamais permitiria que Adélia o conhecesse de verdade.

Estava indo em direção as suas coisas, num canto próximo à porta, quando um pensamento o deteve. Era uma lembrança, dele e de Adélia há poucas horas atrás.

Rafael prometera para ela que daria o seu melhor para que ficasse.

Como podia, então, jurar para si mesmo que jamais deixará que descubra quem ele era de verdade? E o que havia de bom — ou melhor, como prometera – naquilo? Nele?

Definitivamente, havia cometido um erro absurdo. E agora sabia o motivo.

Não poderia permitir que Adélia lhe extraísse o melhor, pois não tinha um. Sinceramente, Rafael não tinha nada que pudesse oferecê-la, exceto aquelas promessas vazias, mentirosas. Mentira igual ao pai para ela, prometendo-lhe coisas incapaz de fazer.

Um bolo se formou em sua garganta quando ele lembrou-se das palavras dela, do choque em seu rosto quando o acusou de ser igual a Adam.

Eu não sou como ele, dissera, no calor do momento. Mas agora, diante de tal perspectiva, perguntava a si mesmo se sabia a verdade no momento – isto é, se ele era realmente como o pai ou se era uma particularidade sua.

Quantas vezes Adam já mentira para ele? Talvez Adam tivesse escolhido mentir para ela – o que explicava sua desconfiança nele ou as comparações. Talvez Adam mentisse para ela assim como Rafael – mesmo sem ter noção no momento – mentira. Ele deveria ter feito promessas, ou qualquer coisa muito convincente para fazê-la ir parar em um lugar como aquele.

Rafael ficou curioso. Não conseguia imaginar uma mentira que fosse boa ao ponto de fazer com que Adélia fizesse algo o qual odiava – o que não lhe parecia ser do feitio dela.

Vagarosamente, ele caminhou até a borda da piscina, encarando a água azulada, pensativo. Ignorando a ardência nos músculos, contou até três e pulou de volta para dentro, disposto a dar mais algumas voltas, apesar do desconforto.