O Máscara

(Des) Encontros


Rafael assentiu para a porta fechada a sua frente, refletindo sobre o que acabara de acontecer.

Como imaginava, ela o havia dispensado da forma mais sincera possível. Ele não podia negar, mas estava um tanto decepcionado consigo mesmo. Decepcionado e pensativo.

Ele caminhou vagarosamente corredor afora, mancando um pouco. Sentia-se pequeno, irritadiço e rejeitado. Ela o havia rejeitado. Sentia pena de si mesmo.

Rafael começou a pensar no que poderia ter feito de errado, no que o faria ser culpado. Ele não queria levar a culpa por aquela bobagem, mas Fordy não o perdoaria. Estava tão encantado pela garota que não iria pensar o contrário.


Rafael parou no meio do caminho, indeciso se deveria voltar para o quarto e tentar descansar ou se deveria descarregar seus últimos pontos de energia na piscina. Estava cansado, mas os pesadelos estavam cada vez mais frequentes e assustadores até mesmo para ele. Às vezes mudavam - ou às vezes simplesmente não viam. Por fim, decidiu mancar de volta para o seu casulo e descansar.

Muito embora tentasse, lhe parecia impossível pregar os olhos. Já passavam das duas da manhã, e Rafael mal se lembrara de como havia sido seu último e bom sono. Talvez houvesse sido antes de ela chegar; não sabia. Ele suspirou, fechando os olhos.

A cada dia que se passava, sentia o vazio preenchê-lo cada vez mais, enclausurando-o em relação a tudo que o cercava. Não era apenas a máscara que o prendia, ou as enormes paredes que o cercava. Era um sentimento obscuro, forte e arrebatador – Rafael sabia que era ruim, mas não conseguia se livrar. Estava consumindo-o aos poucos, a cada momento em que respirava. Era um sentimento tão pesado e assombroso que o escondia o máximo que podia até mesmo de Fordy. Estava quebrado; totalmente arruinado e fragilizado. Com o passar dos tempos, ele quase podia apalpar o próprio fim, que ansiava mais do que um bebê faminto anseia pela mamadeira. No fundo e no fim de tudo, era só mais um desesperado, sem esperanças para se agarrar ou forças, para fazê-las por si próprio.

Rafael sentou-se em sua cama, olhando o ambiente escuro ao seu redor, como se o estivesse analisando pela primeira vez. Nada mais ali o satisfazia como antes; nem todo o luxo que seu pai lhe oferecia, nem todo o apoio de Fordy. Aquele pensamento o fez se sentir desolado e sozinho.

Ele desenrolou-se dos lençóis que o envolviam feito serpentes e levantou-se da cama, pondo-se a perambular pelo quarto. Estava desperto como nunca. Não conseguiria voltar para a cama naquele momento, por isso decidiu sair.

Sair. Era estranho pensar daquela maneira quando se estava preso, mas ao mesmo tempo tendo determinada liberdade. Rafael ainda podia ir além do jardim, até as árvores que finalizavam a visão que tinha do “mundo” além de sua janela. Poderia se perder ali, tão profundamente a tal ponto de nunca ser encontrado. Estar sozinho não lhe assustava mais. Era uma forma de consolo, na verdade.

Era muito tarde, por isso decidiu não usar a máscara. Apenas um suéter a mais e sua calça costumeira de dormir, descalço e sem rumo.

Seu primeiro ponto fora a antiga área de lazer onde seu pai costumava receber convidados. O lugar cheirava a cloro e a mofo, e o único ponto de luz no momento eram as lanternas que iluminavam a água cristalina internamente. Se o frio não congelasse seus ossos, Rafael teria se jogado com tudo dentro da piscina. Causava-lhe uma angustia profunda ao lembrar-se da voz do pai sussurrar-lhe palavras maldosas e ameaçar desabar aquele lugar, só pelo prazer de infernizá-lo. Rafael pôs o capuz do suéter que vestia, protegendo a cabeça das brisas que ameaçavam-lhe congelar a carne.

Passou um tempo ali, encarando a água e pensando em sua maldição. Adam havia contado pouco a respeito, nem mesmo Fordy podia ajudá-lo nesta área. Sempre que lhe contava algo a respeito, Adam fazia questão de assustá-lo, exagerando nos pontos fortes. Rafael sabia que fora fruto de um relacionamento indesejado do pai com uma garota qualquer – isto era antes de ele mudar o rumo da história. Rafael tinha cerca de dez anos quando ouvira essa primeira versão. Mas, ao completar dezoito anos – a idade a qual ele julgava amaldiçoada – Adam contara a história.

Rafael lembrava-se claramente do cheiro de álcool que emanava do homem naquela noite, logo depois que chegara. Havia uma agitação silenciosa na casa, onde funcionários que Rafael nunca vira na vida perambulavam pelos corredores, uns em prantos, outros apenas anestesiados, pois pareciam nunca terem presenciado a morte de alguém – muito menos de alguém tão bela e jovem. Ele lembrava-se do cheiro de álcool que era um marco para a fúria do pai, que sempre descarregava nele toda a brutalidade que o liquido quente e de cor amarelada dava cabo. Adam, no entanto, não o agredira naquele dia. Rafael esperou por isso, enquanto chorava baixinho, encolhido perto o bastante para receber o golpe, mas o longe o suficiente para se esquivar. Fordy não estava com ele naquela noite; estava com os outros funcionários, cuidando para que o acontecido — como assim se referia – não passasse para fora da mansão de Adam Blessed, o famoso milionário, filantropo e empresário. Rafael implorou para quem quer que o ouvia naquele momento para que o velho estivesse com ele.

Aquelas lembranças eram demais para ele. Seus olhos ardiam e seu peito doía, corroendo-se de culpa e tristeza. Não havia um dia em sua vida sem que ele não se lembrasse dela, de seu rosto e de seu cheiro. Não havia um dia sem que Rafael não se arrependesse, não chorasse ou desejasse de todo coração ter sido ele a partir, e não ela. Sua eterna... Ele costumava escrever para ela, mas suas escrituras nunca sequer saiam de sua escrivaninha; muitas delam foram para o lixo, e as outras Rafael mal se lembrara do que acontecera.

Ainda sob tremor, estava a lembrar-se do acontecido daquela noite. Seu pai segurava uma garrafa, ao invés de um copo, já pela metade. O liquido fervilhava junto com ele, que andava de um lado para o outro, segurando aquela garrafa amaldiçoada e agitando-a a todo o momento, virando seu liquido sobre a boca de tempos em tempos.

Rafael cogitou pedir desculpas, lamentar-se e mostrar seu arrependimento, mas não conseguiu. Estava mudo e parado feito uma obra de arte que, mesmo quieta, mesmo silenciosa, dizia muito.

Adam, involuntariamente, começou a gracejar e ralhar, bebendo em intervalos longos. Ele estava com uma expressão estranha no rosto; uma expressão assustada, como se... Rafael não conseguia explicar.

Veja o que ela nos fez, Adam murmurou, sentando-se na poltrona próxima a janela, ela amaldiçoou todos nós.

Rafael estava confuso; como ele podia falar assim de uma garota tão doce?

Digo sua mãe, seu garoto estúpido, ladrou em direção a ele, que tremia cada vez mais. Não conseguia entender o que o pai queria dizer, talvez estivesse tão bêbado que começara a imaginar coisas. Sua mãe, aquela vadia...

Rafael sentiu-se ofendido. Não a conhecia, e nem sabia como era; às vezes, quando era menor, sonhava com o rosto de uma mulher muito bonita, de olhos esverdeados e cabelos longos. Ela sorria para ele, mas era um sorriso borrado, assim como a imagem que tremeluzia e desaparecia tão de repente quanto havia aparecido. Ele até se afeiçoara a ela, e gostava da ideia de que aquela imagem representasse-a. Nunca contou a ninguém a respeito, nem mesmo a Fordy – o qual bombardeava sempre que podia sobre tal, e o qual evitava tocar no assunto.

Rafael teve a astúcia de questionar o pai. Adam, furioso, o encarou de esguelha, como se ele fosse a coisa mais estúpida que já vira na vida.

Sua mãe era uma bruxa, Adam confessara, e te amaldiçoou por que era uma vadia egoísta e traiçoeira.

Inicialmente, Rafael achara que o pai estava falando bobagens. Ele desacreditou de imediato, soltando até uma risada seca e baixa. Todos aqueles médicos que não podiam ajudá-lo... Todos aqueles tratamentos...

Adam o ignorou, bebericando mais do liquido âmbar e de cheiro fortíssimo. Depois, querendo Rafael ouvir ou não, ele contou todo o resto, toda a verdadeira história. No fim, ele mal dera tempo para que Rafael organizasse seus pensamentos e questões. Depois de secar a garrafa da bebida, ele deitou-se na cama e apagou, não sem antes de estilhaçar o vidro com força na parede, arremessando-o com uma mira tão ruim que quase acertara Rafael.

Ele estava atordoado, incrédulo e desperto. Não se lembrava do que acontecera depois, apenas de perguntar a Fordy se era verdade tudo o que ouvira naquela noite, e o velho confirmar apenas com uma olhadela de pena e cansaço. Desde aquele dia, Rafael mal se lembrara do que era ter uma noite tranqüila. Ele não chorava mais, não lamentava-se. Apenas sentia pena de si mesmo e reclamava. Havia crescido física e mentalmente.

Rafael acariciou a água gelada, agitando-a. Ele havia feito um esboço do rosto da mulher que aparecia em seus sonhos, mas também o havia jogado fora, pois estava com raiva dela agora.

Havia passado muito tempo ali à beira da piscina, perdendo-se em dores do passado, quando decidiu que era melhor voltar, antes que seus dedos congelassem de vez. Estava quase no meio do salão quando ouvira o barulho da chuva chama-lhe a atenção. Ele caminhou em direção as portas de vidro e as abriu, não surpreso por encontrá-la destrancada.

Ele resolveu sentar-se nos degraus curtos, apesar do frio. O céu estava ficando cada vez mais claro, e uma névoa pesada cobria todo o jardim, dando um tom assombrado ao lugar outrora colorido. Alguns chuviscos conseguiam chegar até ele, umedecendo sua pele exposta. Ele tocou o capuz que protegia sua cabeça, aliviado por tê-lo ali.

Rafael não sabia como aquilo havia acontecido, ou em que momento havia acontecido. Foi num instante, um pequeníssimo instante em que fechou os olhos; ele a imaginou no fundo de sua mente, viu seu rosto corado encarando-o com fúria e ouviu o som do que lhe pareceu tapas suaves no chão, seguidos de uma brisa morna e uma fragrância doce e leve.

Foi com um arquejo de surpresa, uma tropeçada para trás e um “Meu Deus!” abafado que ela anunciara sua presença.

Rafael congelara quando um bolo se formara em sua garganta. Estava sem a máscara, e tudo que o protegia era o capuz de seu suéter. Se ela se aproximasse demais... Mal conseguia processar o que estava acontecendo. Por que ela estava acordada àquela hora? E por que estava ali?

Ela deveria estar dormindo, ou em qualquer outro lugar que não fosse ali, naquele momento.

Adélia, por outro lado, estava “escondendo-se” ao lado da janela, com as mãos cobrindo a boca que estava paralisada na forma de um grito – o qual não acontecera. Talvez a surpresa houvesse sido grande demais. Sua cabeça começara a processar tudo muito rapidamente, deixando-a quase atordoada. O que ele estava fazendo ali? Será que ele sabia que ela estava ali? Por que ele tinha de estar ali? Adélia bisbilhotou por cima do ombro, encarando a figura sentada no relento, imóvel e assustadoramente silenciosa. Adélia o observava silenciosamente, aproveitando para captar cada detalhe que ignorara antes. Quando um vento forte soprou para trás o capuz que protegia sua cabeça, seu olhar desviou-se para o topo de sua cabeça. Seus cabelos eram ralos e claros, num tom de castanho que variava em escuro e claro; estava preso para trás, em um rabo de cavalo baixo, o que deixava visível uma mecha totalmente clara, quase branca, que despertou em Adélia um calafrio estranho. Talvez ele fosse mais velho do que ela esperava. Sua postura, anteriormente ereta e arrogante, agora estava encurvada e dura, como se ele estivesse abraçando a si mesmo e ao mesmo tempo tentando equilibrar-se. Onde estava ela não sentia tanto frio como ele deveria estar sentindo naquele momento, e aquilo despertou nela algo próximo de curiosidade.

Ele estava receoso. Mal conseguia respirar sabendo que estava sendo observado tão de perto. Ele queria virar-se e mandá-la embora, sem se importar se seria grosseiro ou não. Mas estava sem a máscara, sentia-se despido para encará-la agora. E estava com medo de que ela se aproximasse e o visse. Ele não saberia reagir bem se aquilo acontecesse, e temia por isso. Rafael recolheu o capuz e cobriu sua cabeça novamente, fechando os olhos e respirando fundo.

Impulsivamente, Adélia deixou que um ruído – algo parecido com um “Meu Deus!” – de surpresa escapasse. As mãos dele... Eram completamente bizarras – isso por falta de palavras. Adélia nunca vira algo assim. Mesmo que tivesse acontecido por uma fração de segundos, fora tempo suficiente para lhe causar enjôo. Ela abriu e fechou a boca, enquanto aproximava-se da varanda, curiosa.

—O que você quer? – Ela mal abrira a boca quando ele a interrompera, grosseiro como de costume. Sua voz havia soado baixa e estranha; estava rouca, áspera, mas não abafada como de costume. Adélia não soube como reagir. Ela parou no vão da porta, pronta para dar meia volta e correr até seu quarto, ou poderia ficar...

—A sua mão... – ela sussurrou, sem se conter. Definitivamente ela havia perdido a noção do perigo; talvez fosse uma das conseqüências de sua constante falta de sono. – O que você está fazendo aqui?

Ele não entendeu o motivo pelo qual ela estava perguntando aquilo. Afinal, ele poderia ir para onde quisesse – não literalmente – ao contrário dela.

—O que você quer? – Retrucou impaciente. Queria voltar para dentro, para a segurança do seu quarto, mas ela estava ali... – Ou vá embora.

Adélia cruzou os braços, com frio. A ideia de ir embora lhe pareceu tentadora naquele momento. Ela lhe lançou um olhar semicerrado.

—Você poderia ser um pouco menos grosseiro às vezes – rebateu, erguendo a sobrancelha. Estava prestes a se virar e ir embora quando um chiado chamou sua atenção.

—E você menos irritante – ele murmurou tão baixinho que Adélia pensou ter ouvido errado, ou não ter ouvido. Quem ele pensa que é?!

—E você... Menos insensível... – Adélia falou tão rapidamente que mal processou as palavras. Ela realmente não sabia do que estava falando, só sabia que um calor estranho lhe aquecia as bochechas, enquanto um bolo se formava em sua garganta.

Insensível? Aquilo era novidade para Rafael. Ele quase teve vontade de rir.

Um silêncio estranho se instalou. Rafael estava quase apostando na ideia de que ela já havia ido embora quando ela suspirou atrás dele, em um tom de quem assumia derrota.

—Afinal, obrigado pelo convite – Adélia se viu obrigada a dizer, pois além de se sentir culpada por ter sido ela própria insensível com ele, sentia-se mal por jogar algumas verdades em sua cara. – E, hum, sinto muito por hoje cedo.

Ele não esperava por aquilo. Não lhe passou pela cabeça que talvez ela também se sentisse culpada. Estava tão aturdido que não sabia ao certo como respondê-la.

—E, ah, isso me fez repensar sobre sua proposta de sermos amigos – Adélia não sabia de onde tirara tanta coragem, e estava até surpresa consigo mesma por não estar trêmula de medo ou nervoso, apenas com frio.

—Não foi uma proposta – Rafael hesitou tarde demais. Talvez ela estivesse tentando concertar as coisas, talvez estivesse realmente pedindo desculpas, enquanto que ele estava estragando as coisas. – Não era minha intenção tê-la como amiga. Nunca foi.

Por mais que não parecesse, ele havia tentado se redimir. Mas pelo silêncio dela, ele provavelmente tinha piorado as coisas. A palavra insensível nunca se encaixara tanto com sua personalidade como naquele momento.

—Bem... – Ela sussurrou, acanhada. – E qual é a sua intenção comigo, então?

Rafael respirou fundo e fechou os olhos, pensando em sua pergunta. Ah, Adélia...

De repente, sentira-se muito envergonhado. Não sentia vergonha de sua maldição, mas de si mesmo. Do Rafael insensível, grosseiro, antipático, pessimista e de todo o resto. Sentia vergonha agora de sua condição, de estar ali naquele momento, de ter pena de si mesmo, de ser quem era. Ele teve vontade de virar e encará-la. Só olhando nos olhos dela para ele se sentir cada vez pior. Rafael pensou em mentir; poderia dizer que não queria nada com ela, e que tudo aquilo era um engano. Por outro lado, poderia lhe contar a verdade também. Poderia confessar tudo, e mostrar quem era de verdade.

Ou poderia simplesmente não responder.

—O que quer aqui, afinal? – Ele desconversou, por fim.

Ela suspirou, sentindo o ar fresco penetrar-lhe a alma.

—Ar fresco – ela respondeu depois de um tempo. Havia outros motivos, mas preferiu não comentar. – E flores.

Ele grunhiu, tentando não confessar a coincidência – exceto pelas flores. Ele não era muito chegado nelas, mas a ideia de Adélia ter um apreço por elas o fez lançar um olhar curioso em direção aos pontos murchos e encolhidos distribuídos pelo jardim.

—Ah, e obrigado pelas flores – ela lembrou-se, sorrindo. As flores definitivamente mudavam uma parcela da coisa toda. Ela não poderia aceitar as desculpas de um cara, poderia jamais querer olhar em sua cara, mas não lhe devolveria as flores. Elas não tinham culpa de nada, e não fazia sentido jogar algo tão preciso e bonito fora só por que estava decepcionada com alguém. – Elas são lindas.

Rafael se sentiu só um pouco culpado por estar levando os créditos pela ideia de Fordy, mas tinha certeza de que o velho não se importaria muito se soubesse. Ele até sorriu para si mesmo, sentindo-se estranhamente bem ao ouvir aquilo. Não sabia exatamente o motivo, mas o fato de Adélia estar elogiando-o por algo o fazia se sentir... Contente.

Adélia lançou um olhar significativo para o lugar vazio ao lado dele e deu um passo à frente, hesitante. Ela pensou em se aproximar mais, sentar-se sem dizer uma palavra. Mas um calafrio percorreu sua espinha.

—Posso... Me sentar com você? – Murmurou, timidamente. Ela semicerrou um olho, receosa da resposta.

—Não! – Ele titubeou, tão alto e repentinamente que Adélia saltou para trás, um tanto assustada. Rafael tateou o espaço vazio ao seu lado, como que para bloqueá-lo dela.

Adélia encarou sua mão, desta vez tendo a oportunidade de olhar mais de perto. Sua pele era pálida, e seus dedos longos e estranhos. Mas o que chamou a atenção dela foram as marcas que formavam formas estranhas em sua pele. Eram linhas ressaltadas, umas mais finas que outras, e escuras. Primeiramente, lhe pareciam apenas linhas tatuadas, mas então Adélia fixou seu olhar em uma delas e, assustadoramente... Era como se elas dançassem sob a pele dele.

—O que... – ela engoliu em seco – aconteceu com a sua mão?

Rafael recolheu-se depressa, escondendo a mão debaixo da manga longa do suéter. Ele estava atônico. Sua respiração estava pesada e seu maxilar doía de tanto cerrá-lo. Ele não sabia o que dizer.

—Adélia – ele começou, ainda trêmulo. Se ela se aproximasse... – Está esfriando demais. É melhor você voltar.

Ela sabia o que aquilo significava. Ele parecia desconcertado, e ela soube que havia tocado em uma ferida.

—Mas...

—Por favor, Adélia. – Ele pediu, estranhamente abalado para o gosto dela.

Se Adélia insistisse mais um pouco... Estava se sentindo mal naquele momento. Não sabia ao certo, mas ideia de vê-lo tão recluso por causa dela – por mais que ele tivesse sido cruel mais cedo – a fez se sentir mal. Ela não gostava de machucar as pessoas, mesmo que talvez essa pessoa merecesse um pouco de vergonha na cara. Adélia sentiu tanta pena dele naquele momento que se voluntariou a se retirar e deixá-lo sozinho.

—Me desculpe – ela sussurrou, antes de dar meia volta. Estava um tanto chateada e envergonhada com a situação.

—Adélia – Rafael se viu chamando-a, deixando-se ser impulsivo – o que provavelmente lhe renderia uma boa dor de cabeça mais tarde. Ela murmurou algo como um “oi” sem graça, parando para escutá-lo. – Não há pelo quê se desculpar, mas... – Ele travou, engolindo em seco. Desta vez, pensou bem no que iria dizer. – Eu penso que talvez nós possamos... Bem, o que você acha de nós...

—Um jantar? – Ela completou, um tanto embaraçada. Seu coração estava disparado, e sua respiração um tanto atrapalhada. Suas bochechas ardiam tanto que mal sentia o vento frio em seu rosto. – Acho que não é uma boa ideia. – Ela o observou respirar fundo, enquanto assentia discretamente. Depois do que acabara de acontecer, não lhe parecia mais estranho que ele sequer a tivesse encarado. – Acho que jantar nunca vai dar certo para nós.

Ele assentiu mais firmemente desta vez, concordando. Rafael não a respondera, e nem queria. Ela tinha um jeito especial de manchar seu ego sendo gentil.

—Você tem outra ideia? – Insistiu, receoso.

Adélia abriu e fechou a boca, deixando que um sorriso brincasse em seus lábios. Ele realmente era muito determinado.

—Hum – ela pensou, desviando o olhar para o jardim. Ar fresco... — Não sei, mas que tal um passeio?

Rafael sentiu um sorriso brotar em seus lábios. Ele pensou a mesma coisa. Lutando para contê-lo, ele afirmou.

—É uma ótima ideia.

Adélia abraçou a si mesma, sorrindo. Não sabia ao certo o motivo, mas sentia-se melhor agora – e até um pouco ansiosa. Talvez não fosse tão ruim assim...

Ao chegar ao seu quarto, ela enrolou-se com seus lençóis e deitou em sua cama, pensando no que aquele passeio poderia significar. Talvez ele lhe contasse mais a respeito de si para ela, e até lhe confessasse seu nome. Talvez ele fosse gentil desta vez.

Ela sorriu outra vez, lançando um olhar de esguelha para as flores que agora enfeitavam a mesinha que ficava entre a janela e a poltrona.