Ao virarmos a esquina, a carruagem que havíamos pego para chegar a Whitechapel já nos esperava. Mr. Holmes me empurrou para dentro dela, em seguida, ele e Dr. Watson entraram rapidamente.

Tirei a boina, estava com muito calor, talvez fosse efeito da adrenalina que percorreu meu corpo durante o episódio passado. Mr. Holmes me deu um lenço para que eu enxugasse o suor que ainda brotava em minha testa, não pude evitar corar de vergonha, não é muito atraente ver uma mulher suando como uma porca sem nem mesmo ter feito uma atividade física.

— Ah, Miss Collins! — exclamou Mr. Holmes com um divertido sorriso nos lábios. — Foi muito divertido ter a sua presença nessa parte da investigação.

— Holmes! — Dr. Watson chamou a atenção de Mr. Holmes. Acredito que ele estava receoso sobre qual seria a minha reação. — De qualquer forma, tenho certeza de que seus esforços ajudaram bastante, Miss Collins.

— Bom, acho que se minha presença divertiu os senhores, então não devo me sentir tão mal, não é mesmo, pelo menos fui útil em alguma coisa. — dei um sorriso desconfortável. Eu ainda não sabia se, apesar de ter feito Mr. Holmes melhorar seu humor, havia realmente sido útil ou não e se a minha presença não os atrapalhara. De qualquer maneira, tinha decidido não expor minhas inseguranças para nenhum dos dois naquele momento, não queria que isso servisse de desculpa para que Mr. Holmes me tirasse do caso.

Seguimos boa parte do caminho em silêncio, passei o trajeto olhando para minhas mãos, pois não sabia mais como me comportar perante os dois.

— Williams, é exatamente aqui. Não vou demorar. — a carruagem parou repentinamente e Mr. Holmes saltou dela sozinho, fechando a portinhola com a mesma rapidez com que desceu.

Dr. Watson e eu trocamos olhares confusos, dei uma risada, já estava ficando habituada a essa troca de olhares. Esgueirei-me para o lugar que antes era ocupado por Mr. Holmes e olhei pela janela.

— Ah meu Deus! — exclamei deixando minha boca escancarada. Dr. Watson, que estava sentado à minha frente durante o percurso, adiantou-se até a janela, mas não entendeu o tamanho da minha surpresa ao perceber onde estávamos. — É a única loja da Madame Cousteau em Londres! Ela é incrível! As moças mais ricas da sociedade londrina usam seus vestidos. E posso dizer que é cada um mais lindo que o outro, Dr. Watson. São maravilhosos e caríssimos, é claro. Você acha que Mr. Holmes entrou lá?

— Acredito que sim, ou então ele foi almoçar sozinho no restaurante em frente a essa loja. — respondeu ele, indicando a nossa vista antes de mudarmos de lugar.

Um leve sentimento de decepção abateu-se sobre mim, sempre quis entrar em uma loja da Madame Cousteau, mas se eu fosse com mamãe (o que ela me prometera caso eu aceitasse o cortejo do Sr. Kerrington, coisa que não vai acontecer), teria que estar com meu melhor vestido, mesmo assim, talvez não fosse tão bem atendida, imagina então se eu entrasse com o meu disfarce? Chamariam a polícia!

Assim, só me restou imaginar por que diabos Mr. Holmes teria entrado lá. Revisei todo o diálogo com Friedrich, não houve nada que indicasse que tivesse alguma pista na Madame Cousteau.

Quinze minutos mais tarde, Mr. Holmes abriu a porta acompanhado de um rapaz alto e magro vestido de mordomo. Dr. Watson e eu nos apressamos para voltar aos nossos devidos lugares, se Mr. Holmes ficou incomodado com a nossa curiosidade, ele não demonstrou.

— Coloque as caixas do lado deste senhor, por favor. — ordenou Mr. Holmes ao jovem, que, ao repousar as caixas no assento ao lado de Dr. Watson, olhou para mim com um grande sorriso. Respondi o sorriso sem ao menos pensar sobre isso, pois o sorriso do jovem foi tão genuíno.

Mr. Holmes deu alguns pences para o rapaz e entrou na carruagem, estava com um ar muito satisfeito e esboçava um sorriso no rosto, naquele momento, ele era mais feliz que mamãe depois de uma tarde de compras.

— Para que tantas caixas? — perguntou Dr. Watson enquanto eu tentava parar de admirar as belíssimas caixas que guardavam os produtos da Madame Cousteau, elas eram brancas aperoladas, envolvidas com laços de um rosa bem suave, as caixas aparentavam tanta qualidade que pareciam terem sido feitas de...

— Madeira. — Mr. Holmes completou meus pensamentos, ele olhava diretamente para mim, mas seu olhar era leve, poderia até esquecer aquele olhar que ele havia me lançado antes de expor a minha vida em voz alta quando cheguei em seu apartamento. — São feitas de madeira, bem finas, pintadas à mão, as fitas que as envolvem são da mais pura seda. Um verdadeiro trabalho de arte, é realmente difícil tingir o tecido para essa tonalidade de rosa.

Meus olhos brilhavam e revezavam entre as caixas e Mr. Holmes. Eu não gostaria de me mostrar muito consumista nesse relato, porém minha admiração por Madame Cousteau é realmente exagerada, arrisco-me dizer aqui que, em meu tempo livre, eu mesma desenho alguns croquis, como amadora, lógico, afinal, como eu poderia ser uma estilista tão incrível como Madame Cousteau? E eu também não poderia invadir seu ateliê em Paris pedindo para ser sua aprendiz como fiz com Mr. Holmes, não tenho confiança o suficiente para isso.

— Holmes, mas por que tudo isso? — insistiu Dr. Watson, será que ele não poderia se acalmar e admirar as caixas?

— Bom, nas duas caixas maiores há um vestido em cada uma, na quadrada, há um chapéu e, nas duas retangulares, dois pares de sapatos. Saberão o motivo — ele olhou para a janela e, no mesmo instante, a carruagem parou. — daqui alguns minutos. Watson, ajude-me a levá-las lá para cima.

Havíamos chegado ao apartamento na Baker Street. Subi na frente dos dois, por indicação de Mr. Holmes e abri a porta da sala. Estava ansiosa, esperava que Mr. Holmes sentasse em sua poltrona e nos explicasse o que realmente aconteceu em Whitechapel e nos contasse algumas de suas suposições.

— Ora, você deixou a maior bagunça aqui... — uma senhora, que eu não fazia a menor ideia de quem era, começou a brigar com Mr. Holmes, mas parou quando me viu. — Quem é a senhorita? — perguntou-me com brilho nos olhos.

— Maud Collins, muito prazer. — apresentei-me, saindo da entrada do apartamento para que Mr. Holmes e Dr. Watson entrassem com as caixas.

— Mrs. Hudson, um imenso prazer! — exclamou ela, adiantando-se para pousar as duas mãos em meus braços.

— Mrs. Hudson, infelizmente não temos tempo para apresentações. Temos que estar no Savoy em exatos 47 minutos. — disse Mr. Holmes analisando sua aparência em um espelhinho perto do guarda-volumes, atrás da porta da sala de estar. — Faça o favor de ajudar Miss Collins a se trocar, ela é um tanto lerda para esse tipo de coisa.

Estava tão surpresa naquela hora, que nem me importei de Mr. Holmes implicar com a minha velocidade de trocar de roupa (coisa que ele não sabe como é mais difícil para uma mulher, além de nós adicionais no espartilho). Um daqueles vestidos Madame Cousteau era para mim! Tentei não me mostrar muito animada, talvez Mr. Holmes o queira de volta, por isso não deveria ficar tão alegre.

— Mas e a outra, Holmes? — perguntou Dr. Watson ao se sentar na poltrona de Mr. Holmes assim que o detetive entregou uma das grandes à Mrs. Hudson.

— É para você, meu caro Watson.

— Para mim? — perguntou Dr. Watson com uma expressão de estranheza no rosto.

——Mas é claro que não, a não ser que você seja uma dama. — respondeu Sr. Holmes, provavelmente achando a situação muito divertida. — Por que vocês duas ainda estão aqui?

Mrs. Hudson e eu estávamos distraídas rindo da piadinha de Mr. Holmes quando ele nos chamou a atenção, nos entreolhamos e seguimos diretamente para o antigo quarto do Dr. Watson.

Já havia tirado a camisa velha quando ouvimos uma batida na porta.

— Esqueceram os sapatos. — a voz de Mr. Holmes era abafada pela porta. — Deixei-os aqui do lado de fora.

Mrs. Hudson abriu uma frecha da porta e pegou a caixa, deixou-a em cima da cama e virou-se com um enorme sorriso para mim.

— Estava mesmo me perguntando de quem seria esse vestido em cima da cama de John. — comentou a Mrs. Hudson, alegremente. — Sempre pensei em alguns momentos como esse, mas nunca achei que se tornaria realidade.

— Ah... — não estava entendendo muito bem sobre o quê a Mrs. Hudson estava falando, de forma que não pude responder mais do que um mero ah desajeitado. Ela parou bruscamente e manteve o olhar fixo em mim por um ou dois segundos no máximo.

— Mas você não tem ideia do que estou falando! — exclamou ela, seus pensamentos são rápidos como os do Mr. Holmes! — Que tipo de relacionamento você tem com o Mr. Holmes?

Encarei aquela senhora por um momento, confusa. Mr. Holmes era meu ídolo, ela achava... ela achava que eu... bem não sei como escrever o que eu pensei, mas acredito que ela achava que poderia ter algum tipo de sentimento romântico entre mim e Mr. Holmes! Certamente não pude evitar corar nem naquela hora nem neste momento, em que relato essa história (hm... acho melhor tirar essa parte, se Mr. Holmes não lê os relatos de Dr. Watson, Dr. Watson provavelmente lerá este aqui e contará a Mr. Holmes).

— Sou a aprendiz de Sherlock Holmes! — respondi eu, com empolgação e tentando disfarçar minha vergonha diante daquele assunto. Com toda essa confusão, esqueci que eu tinha um propósito na vida e, nesse momento, acreditava que esse era o meu propósito mesmo.

A Sra. Hudson achou a ideia muito engraçada e me perguntou como eu tinha conseguido aquela façanha. Sinceramente, eu ainda acho que foi a minha persistência e que o Mr. Holmes enxergou uma pitada de talento e de inteligência, mas tenho as minhas dúvidas...

Finalmente abrimos a caixa e não conseguimos conter sorrisos nem exclamações de admiração. O vestido era simplesmente magnífico: seu forro era creme com leves pregas na região dos seios, a camada de cima do vestido fazia com que o forro fosse visto em um formato triangular, deixando somente a região central à mostra, já a parte da saia do forro era salmão. A camada principal era coberta por listras azuis claro com flores miudinhas cor de salmão, entre as grossas listras azuis, podia se ver a mesma tonalidade de creme do forro. As mangas eram longas e macias, ideias para o inverno. E, como toque final, havia um cinto grosso e salmão envolvendo minha cintura.

Queria me vestir o mais rápido possível, mas Mrs. Hudson era cautelosa e perfeccionista, portanto demorei mais para me vestir ali do que demoraria para me vestir em casa. Calcei os sapatinhos azuis o mais rápido que pude, pensando que Mr. Holmes já deveria estar impaciente com a demora, e fui em direção à porta.

— Mas e seus cabelos? — Só então lembrei-me que estavam presos em um coque já mal feito depois de tanta troca de roupa, põe e tira chapéu e boina. Assim, ela os prendeu em um meio rabo de cavalo trançado (com uma incrível velocidade que não fazia sentido se pensássemos no processo de colocar o vestido). Ela me olhou, emocionada e me liberou para a sala.

— Miss Collins, o vestido ficou incrível! — elogiou-me Dr. Watson boquiaberto.

Só assim percebi que não havia tido tempo para olhar-me no espelho. Voltei correndo para o quarto. Modéstia à parte, ele ficou perfeito! Não sei como Mr. Holmes sabia o meu tamanho, acho que ele deve saber de tudo sobre cada pessoa que ele vê.

— Miss Collins! — gritou Mr. Holmes da sala, fazendo com que eu corresse de volta para a sala.

— Estou pronta, vamos! — disse animadamente caminhando até a porta de entrada. Tive a impressão de que Mr. Holmes hesitou um pouco ao me ver e corei ao me lembrar da confusão feita por Mrs. Hudson. Definitivamente, tenho que excluir isso deste texto e da minha memória.

Ao encontrarmos a carruagem nos esperando em frente ao prédio, Mr. Williams, o cocheiro, sorriu e desceu rapidamente de seu posto e, pela primeira vez, pude ver bem seu rosto, era jovem, com alguns tufos da cabeleira ruiva saindo por baixo boina e com muitas sardinhas charmosas espalhadas pelo rosto. Ele abriu a portinhola da carruagem para mim e ajudou-me a entrar, tive até a impressão de que ouvi-o dizer milady, no entanto, minha ansiedade estava alta e não posso ter certeza de que isso aconteceu.

— Miss Collins, — chamou-me Mr. Holmes ao entrar na carruagem seguido por Dr. Watson. — creio que esqueceu um pequeno detalhe. Arregalei os olhos, pensei que poderia ter sido um erro quase mortal, afinal, nem mesmo identificá-lo eu conseguia! — Seu chapéu.

Para meu alívio, Mr. Holmes sorriu e pediu licença para colocar o chapéu azul com fitas salmão em minha cabeça. Esperava que ele o colocasse de maneira grosseira, como qualquer homem faria, mas fui surpreendida por suas maneiras delicadas.

Chegamos ao Savoy rapidamente, pois também era localizado em Westminster. O hotel parecia ser um prédio comum, mas com carruagens de luxo por toda parte. Dr. Watson comentou baixinho comigo que o hotel fica maravilhoso à noite, pois eles possuem um sistema de iluminação especial que o ilumina por completo. Mr. Williams nos deixou na entrada de hóspedes e não na entrada de um dos restaurantes do hotel a mando de Mr. Holmes.

Mr. Holmes desceu da carruagem e não nos esperou para entrar no hotel, mas estou feliz que o tenha feito isso. Savoy é o mais novo hotel de luxo de Londres, todos dizem que é moderno, charmoso e que todos os famosos e políticos passaram a frequentá-lo desde sua inauguração, um ano atrás. Ao passarmos pela porta giratória, pude apreciar a grandiosidade da recepção: no topo da parede havia esculturas de pessoas, como se fossem estátuas da época renascentista, o chão era brilhante, as poltronas se mostravam muito confortáveis e os enfeites das mesinhas também se tratavam de esculturas, acredito que dessa vez seriam de madeira e não de mármore como as da parede.

— Posso ajudá-los? — perguntou um jovem da recepção.

— Estamos acompanhando aquele senhor. — apontei para Mr. Holmes que já conversava com um homem que deveria ser o gerente da recepção. — Obrigada.

O moço fez uma leve reverência e procurou outros hóspedes para serem atendidos. Mr. Holmes não demorou muito para nos encontrar, ele estava animadíssimo, deve ter apreciado muito o estilo do hotel.

— Almoçaremos no Savoy Grill. Pelo que li nas críticas dos jornais, o restaurante é conduzido por um chefe visionário. Estamos na mesa 33, acredito que aquele jovem poderá nos acompanhar até lá. — disse Mr. Holmes já gesticulando para o moço que havia oferecido ajuda nos acompanhasse até o restaurante.

Infelizmente, o rapaz andava tão rápido que não pude observar atentamente o caminho até o restaurante. No entanto, este eu posso dizer que era lindo e da mais alta classe, havia várias mesas de quatro e cinco lugares, eram pretas com toalhas brancas, as cadeiras também pretas e de um aspecto confortável, mas o que eu mais gostei foram os lustres, consistiam em pequenas faixas de cristal coladas uma na outra, havia também as paredes, que eram vermelhas e chamativas, provavelmente inspiradas nas novas tendências francesas.

Um dos garçons puxou a cadeira para mim e outro para o Dr. Watson. Sentamos confortavelmente e eu não parava de olhar o que havia a minha volta.

— Onde será que Holmes se meteu? — perguntou Dr. Watson olhando em volta por esse motivo. Parece que homens normais nunca prestam atenção aos detalhes dos lugares ou das pessoas, pelo menos isso eu tenho a meu favor nessa investigação.

— Eu poderia jurar que ele estava conosco agora mesmo! — pus-me a procurar por Mr. Holmes, segurando meu desejo de dar uma olhado no cardápio.

Um garçom chegou rapidamente à nossa mesa e puxou a cadeira de frente para a minha para que um homem, cujo terno era gelo e não preto como o de Mr. Holmes, sentasse. Ousei parar minha procura por Mr. Holmes para cumprimentar nosso companheiro, mas nenhum som saiu de minha garganta. O homem sentado à minha frente era Friedrich de Mecklenburg!