Eu sentia o aroma fresco do campo, um ar limpo. Respirei profundamente, como se procurasse limpar meus pulmões. Olhei a minha volta, encontrava-me em um lindo jardim, havia minúsculas flores de mel brancas à minha esquerda, à minha direita, asessippis lilás. Levantei-me e pude ver um extenso campo de margaridas de shasta e, entre elas, perfeitos ramos de delfínios.

Comecei a andar e admirar as flores. Eu realmente gostava delas, sempre saía atrás dos jardineiros que trabalhavam em casa ou na vizinhança para conversar com eles e aprender mais sobre elas. Flores dão vida a qualquer lugar, é tão prazeroso admirá-las, cheirá-las e mantê-las saudáveis. Poderia passar o dia fazendo tudo isso e depois me sentaria ao lado de um canteiro e desenharia meus croquis de vestidos para relaxar.

— Apreciadora de botânica? — virei-me abruptamente para o dono da voz. Holmes estava agachado a alguns metros de mim e segurava delicadamente uma das pétalas azuis de um delfínio.

— Mr. Holmes, desde quando está aqui? — antes que Mr. Holmes me respondesse, ouvi o chiado de uma porta se abrindo, no entanto, não havia portas ali.

— Onde tem flores sempre há abelhas. — constatou Mr. Holmes ao se levantar. O lugar estava cheio de abelhas, que chiavam como portas se abrindo.

De repente, o tempo começou a fechar, o vento ficou forte e barulhento.

— Mr. Holmes, temos que encontrar um lugar para nos abrigarmos! — corri até ele e peguei sua mão, mais macia do que esperava.

— Não, Maud. — Maud? Mr. Holmes era sempre bem educado e me chamava por Miss Collins. Levantei levemente minha cabeça para olhar a expressão em seu rosto: seu semblante mostrava preocupação. — Maud, nunca se esqueça das abelhas.

Um barulho ensurdecedor de porta batendo com força fez com que eu me levantasse em um salto. Meu coração batia forte, estava levemente suada. Por alguns segundos, não reconheci onde estava. Engoli minha saliva com dificuldade, olhei para minhas pernas e reconheci o vestido de Madame Cousteau.

Saí lentamente da cama, ao tocar meus pés no chão, percebi que estava descalça, meus pés estavam apenas com as meias de lã. Respirei fundo, mas o ar não era puro como o do sonho. O sofá em que Mr. Holmes havia se sentado depois de me ajudar a me deitar estava vazio. E, por trás do sofá, o armário de madeira pintado de branco estava escancarado.

Meu coração continuava martelando com força e rapidamente. Dei um passo para frente e minha perna bateu na gaveta, também escancarada, do criado mudo. Os papeis de carta que estava dentro da gaveta, estavam espalhados pelo chão, o tinteiro estava aberto e havia manchado todo o tapeta feito à mão. Corri para o sofá, pensando se havia algo dentro do armário. Surpreendentemente, havia várias roupas femininas, que aparentavam ser de muito boa qualidade, no chão.

Comecei a suar e a ter dificuldade para respirar, alguém havia invadido meu quarto. Onde tem flores sempre há abelhas, o lema de Mr. Holmes do meu sonho não parava de vir a minha mente. Minhas pernas vacilaram ao pensar que o invasor ainda poderia estar em meu quarto. De repente, percebi que trabalhar com Mr. Holmes não era brincadeira, que realmente poderia ser perigoso.

Eu tinha que ir até Mr. Holmes, ou então talvez Dr. Watson fosse uma escolha melhor para poder me acalmar. Abri a porta de minha suíte sem me dar conta de ainda estava descalça. Fui até a porta da frente, e bati freneticamente até que Dr. Watson a abrisse.

— Miss Collins, entre! — Dr. Watson me conduziu delicadamente até o sofá de sua suíte, luxuosa como a minha. — Mas o que aconteceu?

Eu conseguia ver o olhar de preocupação de Dr. Watson enquanto ele me encarava fixamente. Mas eu não conseguia pensar em nada naquele momento, abri a boca para falar, mas nenhum som. Sendo assim, Dr. Watson tocou uma campainha e, em menos de um minuto, um jovem que trabalhava no hotel apareceu.

— Traga uma dose de conhaque, por favor. — o jovem saiu e Dr. Watson voltou-se novamente para mim. — Está mais branca que a neve Miss Collins. Preciso avisar Holmes, mas não quero deixá-la sozinha.

— Não precisa se preocupar em deixá-la sozinha, Watson, já estou aqui. — narrando a cena agora, reflito sobre como Mr. Holmes faz suas aparições sem ninguém perceber.

Ele caminhou até mim e agachou-se para ficar na minha altura. Ele estava preocupado, mas, ao mesmo tempo, parecia irritado. Era claro que ele estava irritado, eu tive um ataque de pânico só porque alguém havia invadido o meu quarto enquanto eu dormia! Não era para ser grande coisa, era?

— Miss Collins, sei que deve ser aterrorizante pensar que havia alguém em seu quarto enquanto você dormia. Peço desculpas por não ter feito absolutamente nada embora soubesse que isso poderia vir a acontecer. — apesar de concentrada em cada palavra de Mr. Holmes, pude ouvir uma exclamação de Dr. Watson. — Prometo à senhorita que absolutamente nada acontecerá a você, por isso, espero que você seja forte o suficiente para levar a investigação à diante.

Um calor gostoso invadiu o meu corpo. Mr. Holmes, apesar de irritado, ainda confiava em mim e em minha capacidade, ele também poderia precisar de mim durante esse caso, já que parecia firme ao dizer que esperava que eu fosse forte para levar a investigação à diante.

O rapaz do hotel chegou com a dose de conhaque. Mr. Holmes agradeceu e ele mesmo me entregou o copo, certificando-se de eu mesma poderia segurá-lo.

— Holmes, não sei se é seguro para Miss Collins continuar. — disse Dr. Watson, apreensivo.

— Vai dar tudo certo, Watson. A pessoa que invadiu a suíte de Miss Collins não queria fazer mal a ela, senão já haveria feito. — respondeu Mr. Holmes, sentando-se ao meu lado. O conhaque havia me deixado ainda melhor.

— Sabe quem fez tudo aquilo? De quem são aqueles vestidos jogados para fora do armário? — perguntei, ainda confusa sobre alguns detalhes do caso. Será que Mr. Holmes expulsou os verdadeiros Bexleys e o Lorde Beresford?

— São roupas alugadas, as aluguei justamente para o caso de alguém invadir nossas suítes. Seria bastante suspeito e entregador se não houvesse nada nos armários e malas na frente de nossas camas. — virei-me para verificar a cama de Dr. Watson, havia mesmo uma mala pousada em frente a ela. — Quanto a quem fez aquilo, sei perfeitamente, mas não posso revelar.

— Por que não? — perguntou Dr. Watson contrariado, acredito que não gostava quando Mr. Holmes escondesse alguns detalhes. — Estamos lidando com a segurança de Miss Collins.

— Mas é por causa de Miss Collins que não posso contar, apesar de não ser preciso, já que tudo é realmente previsível e óbvio.

Dr. Watson soltou um suspiro, enquanto eu franzi o rosto. Como poderia ser tão evidente. Seria Friedrich? Afinal, ele me reconheceu, talvez quisesse saber o que estava acontecendo. Mas do que ele teria medo? Por que colocaria todas as roupas de uma dama para fora, mexeria em seu criado mudo? Quem ele pensava que eu era?

— Vocês podem pensar o tempo todo refletindo a respeito, mas sugiro que pelo menos Miss Collins comece a se arrumar para o baile. Afinal, se demora até mesmo com a ajuda de Mrs. Hudson, imagina sozinha.

Um rubor tomou conta de minhas bochechas, como eu iria me vestir sozinha? Eu conseguiria fazer isso com destreza se mamãe não tivesse se casado com Donald, que tinha vários empregados, incluindo Geraldine, que me ajudava e me vestir todas as manhãs e para outros eventos também. Tudo isso só confirmava a minha visão de que moças bem afortunadas não sobreviveriam no mundo real e fiquei brava comigo mesma por permitir que esse tipo de coisa acontecesse comigo.

— Tem razão. — disse, ainda montando um plano de como me vestir sozinha. Caminhei até a porta de meu quarto, que ainda estava aberta.

— Ah deixe-me pegar o vestido, deixei-o em minha suíte. — apressou-se Mr. Holmes, que em alguns segundos após entrar em sua suíte, trouxe mais duas caixas da Madame Cousteau. — E não se preocupe Miss Collins, ninguém entrará aí agora.

Fechei-me em meu quarto e olhei toda aquela bagunça. Resolvi não tocar em nada, ainda estava agitada, confusa e um pouco receosa. Abri a caixa e vi mais uma obra incrível de Madame Cousteau: o vestido era roxo, com pedrarias discretas e da mesma cor ao longo do corpete e contornando a região do quadril, em que começaria a saia, havia a surpresa atrás, um enorme laço roxo que fazia com que o vestido fosse menos bufante nas laterais e mais chamativo atrás. O espartilho era lilás, o que quebrava a seriedade do roxo.

Despi-me, dessa vez sem muitos problemas, Mrs. Hudson havia feito um laço para prender bem o espartilho. Encarei o vestido mais uma vez, eu conseguiria vesti-lo, eu tinha que conseguir. Resolvi tentar colocar o espartilho pelo lado contrário, algo que não foi muito agradável para meus seios, também deve ter deixado minha pele incrivelmente vermelha depois de tê-lo girado para a posição certa. Olhei-me no espelho, sentia que estava um tanto frouxo, mas não aparentava muito, provavelmente não apareceria por cima do vestido.

O vestido. Agora era hora, mas não deveria ficar nervosa, já havia passado pelo mais difícil. Quer dizer, era o que pensava, pois tive que tentar colocá-lo duas vezes antes que a terceira desse certo. Apesar de ele ser menos bufante, me perdi em seus tecidos e, na terceira (e gloriosa) vez, fiquei entalada, não o tinha afrouxado o suficiente.

O vestido caiu perfeitamente, ele era esplêndido, mal podia acreditar que estava em um deles mais uma vez, será que ele também era alugado assim como as roupas que estavam jogadas no chão? Gostaria tanto de tê-lo comigo como recordação pelo menos. No entanto, se o vestido estava perfeito, o cabelo estava horrível, todo cheio de tufos por fora da trança feita por Mrs. Hudson e com toda certeza estaria armado de eu a desfizesse.

Não tinha outro jeito senão me virar e criar algum penteado decente (ou que aparentasse ser, pelo menos). Desfiz as tranças, fazendo com que eu parecesse ter sofrido um acidente de cabriolé. Usando as marcas da trança feita por Mrs. Hudson, eu mesma fiz duas mais fininhas até certa altura do cabelo, depois juntei e os enrolei em coque, usei os grampos de Mrs. Hudson, consegui prendê-los, mas fiquei receosa de caírem. Porém, o penteado continuou firme e torci para que ficasse assim a noite toda (um pensamento sombrio do balanço da carruagem me deu um frio no estômago, mas o tirei rapidamente de minha cabeça).

Abri a porta de meu quarto novamente e pensei em qual dos dois eu bateria para avisar que estava pronta. Decidi bater no de Mr. Holmes, que abriu já pronto e com um jornal na mão.

O sangue da masmorra? — perguntei, lendo a manchete.

— Ora, Miss Collins, boa literatura sensacionalista é uma das bases para se entender o comportamento humano. — respondeu ele me analisando de cima a baixo, não preciso falar que corei novamente. — Ficou incrível, Miss Collins. Um vestido que realça a verdadeira beleza natural.

Mr. Holmes entrou novamente em seu quarto, me deixando sem saber o que falar depois de um elogio que eu nunca tinha esperado que saísse de sua boca. Respirei fundo e abri a minha pra lhe agradecer, como uma verdadeira dama deveria fazer.

— Não precisa me agradecer, Miss Collins, seu rosto já me diz que gostou do elogio. — disse ele com um sorriso divertido, o que me deixou em dúvida se teria sido um elogio genuíno ou um elogio para se divertir às minhas custas. Para me deixar mais alegre, decidi escolher a primeira opção e não pensar mais sobre isso.

Mr. Holmes voltou já preparado para sair, estava com uma sacola de pano em uma das mãos e o jornal na outra.

— Esperaremos Watson na sala de leitura. — disse Mr. Holmes indicando com a cabeça que eu o seguisse.

Pegamos novamente o elevador. Concluí que não gostava muito deles, eram muito barulhentos e me deixava apreensiva, imagina como seria horrível ficar presa dentro de um deles? Mesmo que tenha aquela alavanca vermelha para casos de emergência.

Seguimos para a sala de leitura, ao lado do saguão. Como tudo naquele hotel, a sala era maravilhosa. Espaçosa, cheia de sofás com estampas criadas manualmente. No teto, novamente as esculturas. Mr. Holmes e eu nos sentamos no mesmo sofá, muito confortável, aliás.

— O senhor aceita chá e bolinhos, senhor? — perguntou um rapaz vestido como os garçons do hotel.

— Por favor, para mim e para a senhorita. — respondeu Mr. Holmes. Ele pegou a sacola. — Miss Collins, aqui estão as suas luvas.

Ele tirou um par de luvas lilás como o forro do vestido, mas eram quentinhas por dentro, apesar não aparentarem por fora, só então percebi que meu vestido não possuía mangas longas. Como não havia percebido isso antes? Elas paravam alguns centímetros antes do cotovelo e seu fim de encaixava perfeitamente com o início das luvas.

— Aqui também está a sua máscara.

A máscara era linda, possuía um aspecto prateado coberto por uma renda roxa, ela ficaria presa por trás e esconderia o entorno dos olhos e parte do nariz. Fiz a anotação mental de não me esquecer de me olhar no espelho durante o baile.

— Como conseguiu os convites, Mr. Holmes?

— Fiz alguns trabalhos para Vossa Majestade num passado pouco distante. — respondeu ele como se fosse algo extremamente ordinário. — Vai gostar muito do baile, Miss Collins, dizem que o salão dos Hopwoods é do mesmo nível do de um palácio.

— Hopwood?! — surpresa por reconhecer o nome de Charlotte. — Não era um baile da Rainha Victória?

— Sim, mas os Hopwoods cederam o salão, são muito próximos da rainha. — Mr. Holmes não parecia se importar com os Hopwoods, talvez ele não soubesse da coincidência de hoje no almoço.

Meus pensamentos foram interrompidos pela chegada de Dr. Watson, que vinha acompanhado de uma mulher loira e delicada, usando um vestido azul escuro muito elegante e um tanto conservador. Mr. Holmes emitiu um barulho estranho que demonstrava um leve desgosto.

— Não gosta da esposa do Dr. Watson? — perguntei, me arrependendo logo em seguida por parecer indiscreta.

— Miss Collins, não posso te explicar todos os meus pensamentos, mas Mrs. Watson é uma mulher digna, de todo o jeito. — limitou-se em dizer. — Uma pena que não teremos tempo para apreciar os bolinhos e o chá.

Levantamo-nos e fomos em direção aos Watsons. Não pude evitar pensar que, se Dr. Watson estava acompanhado por Mrs. Watson, era certo de que eu e Mr. Holmes dançaríamos juntos a primeira música da noite.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.