— Queria falar com você e não queria que outros nos incomodassem. Sabia que uma hora teria que voltar para sua cama. Por isto, após o jantar, me retirei para deitar e vim até aqui. Fiz mal?

— Não deveria estar aqui, Vossa Alteza. Todos irão falar e reprovar. E depois irão dizer que eu estou aproveitando de sua boa vontade. Por favor se retire do meu quarto.

Ele se levantou com muito cuidado e se aproximou dela, a segurou pelo queixo e a obrigou a olhar para ele, seu olhar estava triste e havia marca de choro em seu rosto.

— Eu irei sair, mas antes quero me justificar, quero explicar o que aconteceu hoje. O dia foi longo e...

— Sim, o dia foi muito longo, Vossa Alteza e eu estou sentindo que perdi a luta com uma carruagem, estou toda dolorida. Então, se for possí...

Mas ela não conseguiu concluir o que iria dizer. Quando Modred a beijou, tirou-lhe o folego, fazendo com que as palavras fugissem para longe de seus lábios, e só houvesse a necessidade de ficar naquele abraço.

Ela é tão doce! Tão gentil! E mesmo sem poder ouvir seus pensamentos, posso sentir a bondade que emana dela. Se ela é um demônio, estou mais que pronto em me deixar ser seduzido por ela.”

Modred conduzia seus pensamentos por caminhos nunca antes percorridos, enquanto seus braços apertavam e traziam Maze pra mais perto de si.

Ele mordiscou suavemente seus lábio, e quando ela abriu a boca, ela permitiu que suas línguas se encontrassem em uma verdadeira festa. Passou os braços por seus ombros e enfiou os dedos em seus cabelos.

Somente quero sentir seu cheiro perto de mim, apenas dessa vez preciso sentir que sou desejada e amada. Só dessa vez.”

Beijava-a com desespero, ansioso por mantê-la presa em seus braços. Ele a encostou na parede, passou a mão por seus seios e sentiu a maciez deles sob o tecido, o quão firmes ficaram com seu toque. Ele estava inebriado por ela. Tudo nele queria e chamava por aquela mulher.

Pela primeira vez na vida, queria sentir o amor, queria ser completo e se sentir amado.

Quando ele começou a desabotoar o vestido, Maze sentiu medo, como se o passado tivesse batido à porta e ela o empurrou com delicadeza, mas com firmeza, o afastando dela.

Havia recordado da única vez que fora tocada assim e isto a assustou, ficou com medo de que as coisas se repetissem, não queria ser usada como uma boneca e descartada.

— Você não disse que deseja conversar? Que este foi o motivo que o trouxe aqui?

Ele não podia ler seus pensamentos, mas podia sentir que algo havia a incomodado e esfriado seu desejo por ele, algo a preocupava. Talvez ainda fosse virgem e sua paixão a havia assustado.

Passando as mãos pelos cabelos, ele a pegou pela mão e a levou para sentar ao lado dele na cama. Seu desejo não havia esfriado e ainda precisava se controlar. O simples toque de suas mãos faziam ele arder de desejo.

— Quero pedir perdão por tudo que minha tia disse. Não penso como ela e...

— Mas o que ela disse é verdade. Foi rude, até um tanto grossa, mas falou a verdade. Eu não sou da sua classe social. Não passo de uma criada e mesmo que o senhor negue, ela falou a verdade. O senhor sente atraído pelo silêncio da minha mente e por não conseguir ul...

— Quieta mulher! Você está falando demais. – Ele colocou um dedo em seus lábios pedindo silêncio.

— Ela não tinha o direito de falar nada do que disse. Pois ela sabe muito pouco da minha vida afetiva. Raramente compartilho algo com alguém – Ele passou as mãos pelo cabelo e ficou olhando para o vazio, em busca de palavras, Não era fácil se abrir sobre sua vida intima.

Maze sentou-se mais ereta, segurando sua mão e pronta para ouvir. Sempre seria assim com ele, a vontade de protege-lo das coisas ruins sempre estaria rondando seu coração.

— Você sabe que para mim ter contato com outras pessoas é complicado. Um simples aperto de mão pode desencadear uma profusão de imagens. Ou me leva a ouvir o que a outra pessoa pensa com tanta facilidade que é como se eu estivesse dentro da cabeça dela. E isto sempre foi um complicador para mim. Me envolver com qualquer mulher sempre foi muito mais difícil do que você possa imaginar. Algumas vezes, quando eu sentia desejo por alguma mulher e tentava avançar e, ao tocá-la sentia a enxurrada de pensamentos e ideias, eu saia correndo. Já cheguei a ficar sentado num canto de banheiro tentando não vomitar até as tripas ao ouvir nitidamente que eu era um garanhão e que isto iria dar a ela a liberdade para viver a vida devassa que tanto desejava.

Maze acariciou seus cabelos e apertou sua mão, sentindo que sua dor era maior do que muitas vezes ela havia imaginado.

— Conversei com Argus sobre isso. Tinha medo de não me sentir atraído por nenhuma mulher ou, pior ainda, amar alguma e não poder tê-la em meus braços. Ele disse que não era para eu confundir minha masculinidade com meu dom e que eu deveria aprender a separar isto, caso contrário iria acabar virando um celibatário. – Deu um riso amargo enquanto dava um tapa na própria perna. - De uma certa forma, foi o que me tornei, pois tive poucas mulheres em minha vida. A última que levei para a cama foi um desastre. Eu não estava apaixonado por ela, mas cego de desejo e quando meu desejo foi satisfeito, pude sentir que os sentimentos dela eram de satisfação e orgulho, por ter enlaçado um homem da minha posição social. Depois dela, não consegui tocar outras, sem temer ouvir cada palavra não dita.

Maze conseguia imaginar o quão difícil a vida tinha sido para ele. Não era apenas ausência de contato sexual, mas físico e emocional também. Com medo de ser sempre um título e uma posição social e não um homem de verdade.

— Passei a analisar cada expressão facial, cada imagem ou pensamento que enviavam para saber se era a mim ou ao meu título que desejavam. E quando eu notava que queriam o título, desistia. Não posso me casar com uma mulher que quer o título e minha fortuna e não a mim.

Ele parou olhando para seus olhos, arrumou uma mecha do cabelo atrás da orelha dela. Havia chegado a hora de dizer o que sentia por ela, sem medo do que iria ouvir.

— Eu estava disposto a ser um monge, sem me preocupar com um herdeiro e todas essas coisas que envolvem o título, até que você surgiu na minha frente naquela noite junto com Olímpia. Ela pediu para eu te empregar, e eu só pensava que devia estar diante de um anjo. E como suas paredes são tão duras, você se tornou um delicioso quebra-cabeça para mim. Aprendi a ler seu rosto. Sabendo procurar, está tudo aí. E não consigo ver maldade em você. A única coisa que vejo, quando você me olha é amor. Eu sei que está apaixonada por mim, pelo homem que sou e não pelo duque. Sinto que se eu não tivesse nada além de um casebre, ainda assim, você iria me querer ao seu lado. Estou errado?

Olhando dentro dos olhos dele via a dor e a insegurança por trás das palavras, o medo de sofrer outra rejeição. Passou a mão delicadamente pelo seu rosto, contornando seus lábios com a ponta dos dedos. Estava ganhando tempo, ele sabia disso. Sentia que seria rejeitado e não poderia lutar contra isto.

— Ah Modred, eu sou toda errada para você. Não é apenas por ser tão somente uma criada, mas pelo meu passado. Eu não sou digna de você, nem um pouco. Você nem faz ideia de quão errada eu sou para um homem da sua posição social. O quão constrangedor poderá ser para você me ter ao seu lado.

— Por que? Me conte. Deixe eu decidir.

Ela levantou-se e foi até a janela do quarto. Ficou olhando a lua cheia que ia alta, cobrindo de luar os campos que se descortinavam de sua janela. Entrava uma brisa fria, provavelmente já passava da meia-noite. Como era difícil falar sobre aqueles fantasmas, mas ele tinha sido tão honesto com ela. O mínimo que poderia fazer era o mesmo.

— Você sabe por que Olímpia me trouxe pra cá?

— Ela disse que você precisava de um refúgio, de um lugar para se esconder de alguém que lhe fizera mal.

Ele tinha levantado da cama, parado atrás dela e colocado uma mão em seu ombro, pretendia vira-la de frente pra ele, mas ela se alojou em seus braços e procurou se confortar nele. Sentiu que precisava dar tempo para que ela soubesse colocar em palavras o que tinha para contar.

Depois de um tempo que lhe pareceu uma eternidade, enquanto ele sentia que ela chorava calada, ela voltou a falar.

— Eu perdi minha mãe quando eu era pequena, fui criada por tio Alfred e pela família de Olímpia, cresci ao lado dela, recebi a mesma formação que ela. Estive ao lado dela durante toda a confusão com o primeiro casamento, o filho e tudo mais. Um dia, uma amiga da família Wherlocke perguntou se havia uma criada a disposição para que a ajudasse com um bebê recém-nascido e meu tio não se importou que eu fosse trabalhar com ela. Olímpia se importou um pouco, mas por fim concordou. “Talvez fosse bom para mim sair debaixo das asas do meu tio”, foi o que ela disse e tive que concordar.

— Inicialmente foi tranquilo, cuidava do bebê e não tinha maiores surpresas. Até que o marido dela voltou da França. Foi quando meus transtornos começaram. Ele me perseguia. Tentava passar as mãos em mim. Tentou tirar minha roupa por mais de uma vez.

Modred sentiu ódio daquele homem sem rosto, mesmo sem saber o final da história, sentia que queria dar um tiro nele. Queria manter Maze protegida sob seus braços, não queria que ela continuasse falando, mas sentia que se a interrompesse agora, ela nunca mais iria voltar a tocar naquele assunto.

— Então, uma tarde, quando a esposa dele foi descansar e eu fiquei cuidando da criança, ele me agarrou na cozinha. Me prendeu dentro da dispensa da casa e sem ouvir que eu não conhecia um homem, tirou minha virgindade. Quando terminou, ele me espancou e me deixou lá, suja, rasgada e sangrando. Eu queria morrer. Sai correndo de lá e quase morri congelada e acabei parando na Toca. Não fazia ideia de que Olímpia estava lá, só queria um refúgio. Eu estava me sentindo tão suja, tão humilhada, com tanta vergonha que acabei contando a ela toda verdade. Que sem pensar duas vezes, me levou para casa e cuidou de mim. Ele foi me procurar até lá, queria me levar de volta para a casa dele. Mas Olímpia não permitiu. Ele disse que eu havia o seduzido, havia mostrado os peitos para ele e que apenas agiu como um homem normal age com uma... prostituta.

Aquela palavra ainda a chocava, ainda doía em seu peito e causava-lhe enjoo. Segurou com força o choro, pois precisava contar o resto daquela história sórdida.

— Voltei a cuidar de Olímpia e de seu filho, Ilar. Mas depois de algumas semanas comecei a ficar enjoada, vomitava todos os dias e descobri que estava grávida daquele idiota. Foram os piores meses da minha vida. Queria morrer. Não queria aquela criança. Olímpia cuidou de mim, ficou ao meu lado até quando o bebê nasceu. Mas eu não consegui me aproximar dele. Nem alimentá-lo eu consegui. Só de pegá-lo eu tinha nojo e sentia que ia morrer. Por fim, pensei em voltar para Londres. Fui trabalhar com meu tio Alfred, deixei o menino aos cuidados da família de Olímpia. Porém, logo que o bastardo soube que eu estava em Londres começou a me perseguir. Ameaçou me matar se eu contasse a alguém o que havia acontecido e que eu deveria manter Olímpia calada. Chegou a me bater para que eu mantivesse a boca fechada. Voltei para junto dela, contei o que aconteceu e ela decidiu me trazer para cá. Ela pretendia contar a verdade a você. Mas como você não conseguiu ouvir meus pensamentos e demonstrou isso para todos, que estava encantado com a possibilidade de ter uma criada que tinha muros tão fortes, ela pediu para que eu contasse somente se sentisse vontade.

As lágrimas escorriam por seu rosto e lhe era dolorido prosseguir. Não importava o que sentia, sabia que não tinha agido de forma correta com ele e precisava partir.

— Perdão, Modred. Não pretendia te contar isso. Mas não acho justo você querer uma mulher suja, que tem um filho e que é toda errada para você. Eu irei embora assim que Catryn estiver forte o suficiente para cuidar de Olivia sem minha ajuda.

Dessa vez Modred a obrigou a virar para ele. Ela estava com o rosto molhado por lágrimas, e mesmo que não conseguisse ouvir seus pensamentos, seu rosto dizia o quão dolorida e quebrada ela estava por dentro e quão verdadeiras eram suas palavras.

Naquele momento ele soube que precisava proteger aquela mulher de qualquer mal que havia a sua volta. Ele havia descoberto o amor e era hora de lutar por ele. A abraçou e acariciou seus cabelos, acalmando-a, era tão bom sentir seu cheiro de sabonete de lilás, sentindo sua pele de encontro as suas mãos.

— Maze, você não é culpada por ter sido violada, quem deveria ter sido punido é este bastardo e não você. Eu entendo por não saber lidar com a criança. Afinal, ela não foi fruto do amor. Mas de uma violência que você sofreu. Tenho vontade de mata-lo. Céus! Nunca pensei em dizer isto, mas sim, sinto que poderia mata-lo com minhas próprias mãos.

Ela se afastou um pouco dele e o olhou admirada, aquela frase não combinava com o homem doce que ela conhecia.

— Só tenha paciência comigo, Maze, porque eu estou apaixonado por você. E tudo que eu tenho é vontade de te proteger de todo mal que possa existir ao seu lado. - Sua ternura, seu carinho e amor foram suficientes para acalma-la e dar forças para ela lutar contra os fantasmas que a assombravam.

— Eu que peço paciência. Pois eu terei que sobrepujar várias barreiras internas para poder viver plenamente este amor com você. Terei que aprender a superar o medo do que já enfrentei. E terei que aprender a lidar com sua tia Dot. Ela deixou bem claro que não aceita nosso relacionamento e não acho certo tirar dela o direito de cuidar de você.

— Conversei com ela e deixei claro que o que está acontecendo entre nós é algo pessoal, que não deverá se envolver, sob pena de ser mandada de volta para Londres. Sei que ela ficará de boca fechada por algum tempo.

Aquele gesto era lindo. Ela lhe deu um beijo calmo em agradecimento por tudo que ele estava falando, não tinha palavras para dizer obrigado por estar ao lado dela.

Aninhada em seus braços, ela pediu para ele sair. Ainda não era hora de ficarem juntos. Ela precisava pensar sobre tudo que fora dito e colocar seus pensamentos em ordem. E sabia que ele também precisava de tempo para digerir tudo que haviam conversado.