Cap. 7: Hazel

Hazel observava o vôo de seu dragão pela sacada da construção. As escamas de Pedric brilhavam num tom de verde vivo contra a luz do sol, e ela não podia deixar de se sentir admirada com a visão do seu companheiro. O espetáculo das escamas de Petric brilhando em tons azulados e esverdeados nublava a paisagem das montanhas por onde ele circulava. Era uma vista surreal, os morros pareciam sorrir com suas diversas cores para o dragão.

Era uma elfa, e há quase cinco anos morava na Terra dos Dragões, desde que o seu dragão Pedric nascera na Agaetí Shur’turgal. Tinha a pele branca, com os cabelos cor de mel, que desciam suavemente pelas suas costas encaracolavam nas pontas. Ironicamente, os seus olhos eram da cor das escamas de Pedric: um azul brilhante, da cor do oceano, que conforme a luz torna-se verde como o mar.

Mesmo sendo uma elfa e vivendo a maior parte da sua vida cercada pelos árvores de Du Weldenvarden e suas belezas naturais, aquela terra tinha algo de mais misterioso. E os dragões que cortavam os seus céus só deixava aquele lugar ainda mais fascinante. Mas apesar daquela terra ser fascinante aos seus olhos, Hazel sentia uma incompreensível vontade de retornar ao lugar de onde viera: Alagaësia, com todos os seus defeitos, salpicada de raças adversas com os elfos, anões e humanos. Queria poder viajar e conhecer outras culturas, assim como Ágata fazia. Mas segundo o seu mestre, ela e Pedric ainda não estavam preparados para correr o mundo.

Estava com os pensamentos perdidos nos diversos lugares que gostaria de visitar, quando abruptamente foi acordada do seu sonho desperto:

– Hazel!

Ela virou-se para aquele que a chamava. Era Nate, que tinha as suas sobrancelhas unidas com uma ruga, em sinal de irritação.

– O que houve? – ela perguntou suavemente, sabendo do temperamento do elfo mais velho.

Ele soltou um resmungo.

– Eragon-Ebithril pediu para que você contatasse a Ordem, já que eu preciso preparar as minhas coisas.

Ela estranhou, levantando uma sobrancelha em sinal de desconfiança.

– Preparar as suas coisas? – perguntou novamente, sentindo-se curiosa com a recente irritação de Nate.

– Nós vamos viajar. – quem respondeu fora Isteir, que subitamente surgiu na varanda onde ela e Nate estavam.

Isteir, apesar de ser humana, era muito próxima à Hazel. Hazel não conhecia muitos humanos além de Eragon, por isso achava a presença de Isteir fascinante. Não sabia exatamente quando se tornaram tão amigas. Mas agora eram tão próximas que compartilhavam quase tudo, por isso estranhou a declaração da amiga.

– Você vão viajar? – perguntou novamente, dessa vez voltando-se para Isteir. Ela notou que a morena usava a sua capa verde para voo e parecia tão irritada quanto Nate.

– O mestre nos mandou numa missão. – Isteir respondeu e logo em seguida suspirando, parecendo cansada – Eu e Nate iremos escoltar os novos cavaleiros de dragão que surgiram recentemente.

Hazel compreendeu o motivo da irritação de Nate. Não era segredo para ninguém que Isteir e Nate não se aturavam. O motivo, mesmo Hazel sendo próxima à ela, não se sabia. Mas Hazel conhecia o caso o suficiente para compreender que eles não poderiam ficar num mesmo lugar por muito tempo sem gerar confusão. Por isso, ela achou graça da situação e soltou uma leve risada.

– Do que está rindo? – Nate perguntou, elevando ainda mais a sua irritação.

Mas a graça logo deu lugar à tristeza, por saber que Isteir viajaria para Alagaësia e ela deveria ficar e aguardar a chegada dos novos aprendizes. Ela suspirou, pensando no dia que montaria nas costas de Pedric para visitar todas as terras que tivesse vontade.

– Eu gostaria de poder ir...

Nate revirou os olhos.

– E eu gostaria de não ir. – ele disse redirecionando os seus olhos negros à Isteir.

A garota lançou um olhar feio à ele e virou-se novamente para a amiga, que agora tinha os seus olhos cor de oceano tristes.

– Não fique assim, a sua hora vai chegar. – Isteir lhe deu um pequeno sorriso, o que não lhe era comum – Agora, o mestre Eragon acaba de ter uma reunião com Arya Dröttning e com os eldunarí sobre o surgimento de novos cavaleiros em Alagaësia. Ele pediu que você contatasse a Ordem para uma reunião ao entardecer com uma certa urgência.

– Certo. - Hazel assentiu, sentindo-se um pouco mais confiante por ser incumbida de uma tarefa por Eragon.

O elfo se retirou da varanda sem lhe lançar uma única palavra. Parecia realmente irritado, Hazel pensou. Nate gostava muito daquele lugar, da presença dos dragões e principalmente da companhia de Eragon e Saphira, por isso a elfa chegou a conclusão que o motivo do seu incômodo não era somente a companhia de Isteir, mas a missão de ter que deixar aquela terra. Hazel novamente desejou estar em sua pele para poder viajar por toda Alagaësia.

Isteir novamente se virou para ela, os seus olhos castanhos e frios lhe confortando como se lesse a sua mente.

– Devo ir agora.

Elas se despediram com um curto abraço, para logo em seguida Isteir se retirar da varanda.

– Boa viagem! – Hazel lhe desejou antes de se virar novamente para o batente de pedra da varanda.

Ela novamente lançou os seus olhos em direção ao céu, mas dessa vez sem o intuito de admirar a paisagem, mas sim procurar pelo seu parceiro de escamas esverdeadas: Pedric. Logo avistou a figura do dragão brilhando contra o sol e refletindo uma bonita luz verde, que deixava Hazel orgulhosa de ser sua companheira. Assim que o viu, expandiu a mente em sua direção. Mesmo estando a vários quilômetros de distância da varanda onde Hazel se localizava, o seu vínculo com ele era forte o suficiente para que ouvisse os seus pensamentos àquela distância.

Pedric! - Ela o chamou.

Sim? - Ele respondeu no mesmo instante.

Pode me dar uma carona?

Depende de onde você quer ir. – Ele respondeu, bem-humorado.

Hazel soltou um pequeno resmungo insatisfeita com a sua resposta. Ela pode ouvir uma risada divertida de Pedric em sua mente.

Eu estava brincando. É claro que eu dou uma carona para a minha cavaleira!

Ela sorriu mesmo que Pedric não pudesse ver. O dragão era muito brincalhão e mantinha o bom-humor constante. Pedric conseguia ser ainda mais sociável do que a própria, sempre com o seu jeito leve e tranquilo. Sem falar que a cor de suas escamas fascinavam os olhos de qualquer um, não somente os delas. Palavras não conseguiam descrever o seu agradecimento por tê-lo ao seu lado.

Pedric finalmente chegou na varanda em que Hazel admirava o céu, sendo larga o suficiente para ele pousar – já que não era um dragão tão grande quanto Saphira. A bater de suas asas bagunçava os cabelos cor-de-mel enquanto ela se aproximava. As escamas de Pedric fora do sol tinha um tom de azul escuríssimo como o oceano. Hazel acariciou o seu pescoço, agora num tom azulado, enquanto se preparava para montar em seu dorso.

Não estava com a roupa de voo, mas felizmente Pedric usava a sua sela, o que diminuía a sensação de desconforto. O céu estava sem nuvens, e como seria uma carona rápida, ela não se preocupou em buscar a sua capa para se proteger do frio, permitindo que Pedric novamente decolasse.

Para onde vamos? Ele perguntou enquanto batia fortemente as suas asas para tomar altitude.

Procurar por Scarlet e Storbokk. Sabe onde estão?

Infelizmente não...

Com essa resposta, Hazel novamente expandiu a sua mente para procura-los, mas tomando o cuidado para não se infiltrar profundamente nas consciências que tocava – principalmente dos dragões selvagens, eles costumavam ficar muito irritados quando um cavaleiro tentava fazer contato sem a sua permissão. Ao tocar árvores e pequenos animais, finalmente sentiu a presença de duas consciências humanas vindas de uma clareira na floresta próxima ao castelo onde morava.

Mostrou a Pedric mentalmente a localização das duas consciências humanas. O dragão, que circundava uma torre para enxergar melhor os pátios da construção, entendeu o recado e arrancou em direção à floresta do portão sul do castelo. Hazel segurou firme na cela quando uma lufada de ar bateu em seu rosto e Pedric partiu com toda a velocidade para o lugar em que apontava.

Domínia Kópa era como chamavam aquela terra longínqua, distante de Alagaësia. Ficava num continente além do mar das terras do leste. Era possível ver o oceano azul brilhando à encosta do castelo. E pelas suas margens uma floresta verdejante pulsando em sua volta, juntamente com várias montanhas e colinas de picos pontudos mais afastados, onde os dragões selvagens punham os seus ninhos e repousavam. Já os dragões dos cavaleiros tinham grandes câmaras na parte mais superior da construção, onde somente alcançavam ao voo, imitando as estruturas da antiga Vroengard. O castelo tinha também grandes pátios de pedra, onde Hazel costumava a treinar, e um jardim em seus fundos onde o seu mestre elfo Faraniel cultivava diversas ervas e espécimes curiosas só encontradas nas florestas de Du Weldenvarden.

O lugar em si não era maior que as cidades elficas que já visitara, e nitidamente menor que a capital do império Ilirëa. Também pudera, tudo aquilo fora construído somente a uma década atrás com a ajuda de Eragon, Saphira, alguns poucos dragões selvagens recém-nascidos, os eldunarí e elfos feiticeiros. Podia-se dizer que Domínia Kópa ainda estava em construção, conforme novos cavaleiros surgiam para complementa-la. Simultaneamente, a antiga cidade envenenada Vroengard era recuperada pelos elfos, para que a base de cavaleiros pudesse finalmente se restabelecer em seu continente natal Alagaësia. Hazel tinha esperanças de um dia retomar à antiga ordem de cavaleiros que aprendera nas suas aulas de história, mas enquanto não acontecia Domínia Kópa lhe trazia o encanto e conforto para criar Pedric em pleno sossego, pois em anos que passara morando naquele lugar nada de anormal acontecera. Este continente parecia tão perfeito para a morada dos cavaleiros que Hazel lhe apelidara com um nome único e distinto da escolha de Eragon.

A Terra dos Dragões.

Contudo, nunca foi além da cadeia de montanhas que cercava a construção onde viviam – duvidava que até mesmo Eragon teria se atrevido a explorar muito além daquela terra. Que inúmeros mistérios aquele lugar poderia esconder? Será que haveria elfos como ela? Será que existira novas raças e animais nunca antes vistos em Alagaësia? O mistério a instigava ao mesmo tempo que a deixava temerosa com o que poderia encontrar se ousasse desobedecer as ordens de seu mestre de jamais atravessar as montanhas.

Pedric cruzou os pátios, onde alguns dos poucos elfos que viviam ali para ajudar Eragon com os dragões treinavam ou simplesmente descansavam. O sol que batia em Domínia Kópa era intenso, e as árvores não tinham troncos tão altos como em Du Weldenvarden, por isso as suas peles aos poucos tornaram-se bronzeadas pelo sol, o que também estava afetando Hazel por ficar tanto tempo olhando para o mar na praia próxima ao castelo.

Em poucos minutos chegaram à clareira que Hazel avistou. Ela sinalizou para Pedric, que compreendendo inclinou o corpo na direção da floresta para diminuir a altura. Há poucos metros da copa das árvores, ele abriu as suas asas e se deixou pousar suavemente no chão macio da floresta.

Hazel ainda estava nas costas de Pedric quando a bronca chegou em seus ouvidos:

– Hazel! O que é que você quer aqui? – a voz autoritária de Scarlet ecoou pela floresta assustando os pequenos animais à sua volta.

Encolhendo os seus ombros, a elfa desceu das costas do dragão para se virar para a sua mestra e para a sua pequena pupila que a acompanhava.

Scarlet era humana, mas tinha a postura tão altiva quanto um elfo. Os seus cabelos negros estavam presos em uma trança bem feita e alcançavam a cintura – os olhos tinham um tom castanho avermelhado e passavam segurança e superioridade. Ela usava uma armadura somente no peito e nos ombros, no restante do corpo usava um traje da cor vermelha e pesadas botas de couro que vinham até o seu joelho.

A sua mestra humana fora uma dos primeiros cavaleiros que surgiu após a Queda do Império. Portanto, ela vivia ali por mais tempo do que os demais e formara-se cavaleira nomeada por Eragon, até tinha uma espada própria forjada por Rhünon. Pelo seu grau de experiência, agora ela lecionava para os demais aprendizes de cavaleiros, assim como a sua parceira Rosalia, que dava aulas de voo para os jovens dragões.

Scarlet também tinha o humor instável como mostrava agora.

– Pára de enrolar, diga logo o que quer! Não está vendo que estou no meio de uma aula? – e apontou para a sua pupila, que se encolheu de medo da ferocidade da mestra.

Era a pequena Luka, que apesar de viver já algum tempo junto dos cavaleiros, ainda era a aluna mais jovem, com somente 15 anos. Ela tinha os cabelos vermelhos como fogo e os olhos grandes e verdes. Mas o que mais chamava atenção em seu rosto eram as pequenas cicatrizes que subiam pelo seu pescoço e ocupava parte de sua bochecha; só que estranhamente as cicatrizes não causavam repulsa para quem olhava, somente parecia deixa-la ainda mais frágil.

Ela lhe lançou um olhar constrangido em desculpas pela apreensão da professora, que pareceu nem perceber enquanto batia impacientemente os seus pés no chão da terra.

– Perdoe-me, mestra.

– Pule logo essa parte e me poupe, Hazel. – ralhou a professora cruzando os braços, cada vez mais impaciente.

Hazel abaixou o olhar temendo por mais uma bronca de Scarlet, por isso inspirou fundo e decidiu falar de uma vez só:

– Eragon e Saphira-Ebithrilar acabam de ter uma reunião com os Eldunarí e Arya Dröttning. Não sei lhe dizer o tópico, mas Eragon me incumbiu de lhe informar que exige a sua presença e Rosalia-Elda em uma nova reunião com os demais membros da Ordem ao entardecer. Nate e Isteir também estão de partida para Alagaësia numa missão de escolta para os novos cavaleiros.

A elfa tremeu ao ver um flash de extrema irritação passar pelos seus olhos castanho-avermelhados, mas ao invés da fúria sobre-humana esperada por sua reação, Scarlet soltou um longo suspiro e relaxou os ombros, desfazendo a ruga constante na sua testa. Hazel constatou o seu humor instável quando a professora se virou para a pequena Luka sem o tom autoritário sempre presente em sua voz.

– Luka, continuamos com isso depois. Pode chamar Handar e retornar ao castelo.

A ruiva anuiu concordando, começando a recolher a cesta de palha com diversas ervas à volta que estava em seus pés. Scarlet novamente se virou para Hazel, que tentou manter a postura firme já alerta para outro ataque da severa professora. Porém, a mulher de cabelos negros não explodiu novamente, mas se aproximou da elfa com a expressão calma porém preocupada.

– Já avisou à Storbokk e Faraniel? – ela perguntou pondo a mão em seu ombro.

Hazel gesticulou com a cabeça negando. Scarlet soltou outro suspiro.

– Pois então chame logo Storbokk. Ele está nas montanhas, abrindo um túnel, como sempre... Vou fazer contato com Faraniel pelos espelhos, já que ele está em Vroengard cuidando da reconstrução.

Hazel assentiu com a cabeça, mas antes que pudesse se retirar, a sua mestre lhe chamou:

– Ah, Hazel, gostaria que me acompanhasse nesta reunião. Já que Faraniel não está presente e Nate está se preparando para a viagem. Você sabe como são os elfos, já que é uma, não confiam em ninguém! É melhor ter uma elfa presente observando a reunião para não termos problemas depois.

A elfa sentiu o seu rosto corar levemente, o que não lhe era comum da sua personalidade. Mas o pensamento de presenciar uma reunião da Ordem a deixava eufórica e curiosa. E o fato de Scarlet a escolher só a deixava ainda mais contente, pois apesar de sua personalidade hostil e constantes mudanças de humor, Scarlet era a professora que Hazel mais admirava e não pôde deixar de se sentir orgulhosa com o convite.

– Eragon não vai reclamar...? – ela começou, mas logo foi cortada pela professora.

– Com Eragon eu me entendo, agora vá logo chamar aquele anão cavador de terra para me encontrar em frente à sala de reunião ao entardecer! Anda, anda! – ela disse batendo as palmas apressá-la.

Hazel novamente assentiu e fez uma leva reverência em sinal de respeito à sua mestra – que revirou os olhos, impaciente – e voltou para Pedric, que divertia-se conversando com a pequena Luka enquanto esta lhe mostrava algumas ervas que tinha recolhido. A ruiva virou-se para ela com o olhar preocupado.

– Aconteceu alguma coisa? – ela perguntou num tom baixo e doce como sempre.

– Não sei lhe dizer. – a elfa respondeu dando de ombros – Só me pediram para avisar sobre esta reunião. Mas tenho certeza que algo aconteceu, já que Eragon mandou Nate e Isteir para Alagaësia. O último cavaleiro que precisou de escolta foi Etéry, mas havia um motivo.

Luka desviou os olhos azuis para nenhum ponto específico, pensativo.

– Espero que nada de mal tenha acontecido – disse tão baixinho que pareceu um sussurro.

Vamos, Hazel?

Pedric a chamou com a sua voz gentil. Ela anuiu em resposta e lhe lançou um sorriso antes de se despedir de Luka, que voltou a recolher as ervas em sua cesta. Subiu novamente no torço de Pedric, enquanto observava que Scarlet e Luka ainda aguardavam as suas respectivas caronas chegarem à clareira. Sem mais cerimônias, a elfa se agarrou na cela de Pedric e esperou ele finalmente levantar voo para seguir caminho rumo às montanhas.

Suavemente, sentindo a vibração pelo seu corpo das suas asas batendo, Pedric deixou chão e atravessou a copa das árvores, deixando os dois pequenos pontos de Scarlet e Luka para trás. Hazel percebera pela altura do sol que em breve o entardecer chegaria, portanto tinha que ser rápida pela busca do seu mestre anão. Quando Pedric alcançara altura o suficiente para seguir com o voo, ela lhe falou em sua mente:

Scarlet disse que Storbokk está nas montanhas.

Conte uma novidade... Ele soltou uma risada divertida em seus pensamentos, que momentaneamente também afetou Hazel com seu bom-humor.

Enfim, temos que encontra-lo lá. Não gosto muito daquele lugar, você sabe... Tem muitos dragões selvagens.

Não se preocupe. – Pedric respondeu, tentando acalmar os seus pensamentos temerosos – Eu te protejo.

Dizendo isso, o dragão de escamas cor de oceano com a sua cavaleira ao seu encalço arrancou em direção às montanhas de Domía Kópa.


Hazel ao vislumbrar a paisagem das montanhas sombrias e fantásticas da Terra dos Dragões quase não sentia falta do seu antigo lar dentro das profundas árvores de Du Weldenvarden. Durante toda a sua vida morou rodeada das árvores anciãs e de seus semelhantes elfos, nunca tendo a oportunidade de conhecer outras raças além dos elfos da floresta.

Ela nasceu e viveu na cidade de Sílthrim às margens do lado Ardwen, onde podia passar horas ou dia somente olhando para a sua superfície calma e espelhada. Mas fora quando vira o mar pela primeira que apaixonou-se completamente por aquela forma estranha e fascinante. Era um mistério como o mar poderia ter tons de azul, verde e ao mesmo tempo nenhuma cor, dependendo de onde se via. Na sua visita à Espinha, na costa Oeste de Alagaësia, ela passava a maior parte do tempo olhando para o mar e sonhando no dia que poderia atravessá-lo e conhecer as terras distantes que ele escondia. O oceano a inspirava a querer viajar e desbravar o desconhecido - e quando tivera o seu primeiro contato com os humanos na cidade de Ceunon o seu sonho parecia só se tornar mais forte.

Humanos eram criaturas fascinantes, ela pensava. Era tão alegres e vivazes, embora tivessem a vida tão curta. As emoções desta raça pareciam que estava sempre à flor da pele, pronta para explodir em mil sentimentos, expressões e sonhos. A sua vida curta fazia com que tudo fosse vivido mais intensamente, com mais vigor. Ela lembrava-se de alguns anos atrás, durante à sua viagem à Ceunon, que ela conhecera um humano...

Ela balançou a cabeça tentando se livrar das imagens de sua memória. Fazia tanto tempo... Para quê relembrar?

No seu retorno à cidade de Sílthrim, ela ainda poderia sentir a maresia e suas cores batendo em seus cabelos, quando fora surpreendida pela Agaetí Shur’turgal. Não esperava encontrar um magnífico ovo com as mesmas cores do oceano que tanto amava. A sua atração por ele fora imediata, tanto que quando chegara a sua vez mal percebeu que passara mais tempo do que o habitual na presença do ovo. A ligação entre os dois fora tão forte que não se espantou quando o ovo rachou e dele nasceu o dragão para ela.

Pedric era o seu companheiro, seu melhor amigo, uma parte de sua alma. Quando ele nasceu, nem ao menos pensou na possibilidade de viajar para encontrar os cavaleiros em outro continente, pois a sua mente estava totalmente nublada pela felicidade de viver com Pedric. Quando os embaixadores lhe informaram que deveria viajar com eles para além de Alagaësia, parecia que parte do seu grande sonho se realizava, mas agor havia alguém para compartilhá-los: os seus sonhos e de Pedric entrelaçaram-se e tornou-se o mesmo: viajar, conhecer mundos, pessoas, raças...

Ao se aproximar das montanhas Hazel se deu conta que não fazia ideia de onde Storbokk se encontrava. Ela não gostava muito daquele ambiente por conta dos dragões selvagens, que se tornavam agressivos quando os cavaleiros ou os elfos se aproximavam de mais de seus ninhos. Por isso, ela abriu novamente a mente e buscou pelo seu mestre anão e seu dragão. Mas mesmo sentindo o brilho das mentes de árvores, plantas, animais e dragões selvagens ela não enxergava quem procurava. Decidiu que duas mentes funcionavam melhor do que uma e buscou ajuda do seu companheiro.

Pedric... Não encontro Storbokk ou Velikan. Poderia me ajudar?

Sem problemas. – o dragão respondeu.

Pedric uniu as suas mentes à sua cavaleira, e em seguida o raio que os seus pensamentos alcançavam duplicou de tamanho, se espalhando como uma onda de energia através das montanhas sombrias. Eles não podiam ultrapassar as espessas paredes de pedra que formavam as cadeias de montanha, mas sentiam tudo à sua volta – desde as complexas mentes selvagens dos dragões jovens aos pequenos musgos que se enroscavam nos paredões.

Quando finalmente sentiu um ponto cintilante de uma mente conhecida, profunda e tão diferente da sua, mas incrivelmente semelhante à Pedric. Constatou no mesmo momento que se tratava do dragão veterano Velikan – que não respondeu o seu chamado embora tenha percebido a sua presença. Ele se localizava próximo a uma das montanhas de menor diâmetro, à alguns poucos quilômetros de onde Hazel sobrevoava, num lugar com poucas árvores próximas e onde um riacho corria suavemente pelas curvas a montanha provocava. Estava repousando no chão tranquilamente, imperturbável. Ela nem precisou dizer as coordenadas à Pedric, que seguiu direito para onde o dragão repousava.

Não demorou muito para chegar ao seu destino, Pedric era veloz e o vento favorável também ajudava. Pousou a poucos metros do dragão, que ainda permanecia tranquilo deitado na relva e com os olhos fixos num certo ponto da montanha.

Velikan era muito mais alto e forte que Pedric, sem sombras de dúvida. As suas escamas variavam de um verde musgo e chumbo, que ironicamente lembrava muito a constituição de pedra das montanhas ao longe. Ele tinha os olhos amarelos e a postura tão firme que poderia ser confundido com uma magnífica estátua de pedra. Apesar de não ter o mesmo porte e altura de Saphira, Velikan parecia um tanto mais “gordinho”, que lhe dava um aspecto preguiçoso embora não menos imponente.

Elfa Hazel. Jovem Pedric. – Ele os cumprimentou fazendo uma leve reverência com a cabeça, mas sem mover o corpo deitado com as patas cruzadas uma em cima da outra.

– Mestre Velikan. – Hazel pulou de sua cela e também fez uma reverência, embora parecesse longe de mais para que o dragão a visse, ela sabia que ele poderia enxerga-la perfeitamente bem.

Mestre – Pedric também o cumprimentou.

O que os trazem aqui, tão longe dos muros de Domía Kópa?

– Viemos a mando de Eragon. – Hazel respondeu – Ele convoca os membros da Ordem para uma reunião de emergência ao entardecer. – ela correu olhos pela clareira onde se encontrava e não viu nenhum sinal de seu mestre anão – Onde está o Mestre Storbokk?

Velikan grunhiu e balançou a cabeça em sinal de impaciência, como se estivesse incomodado por falar do seu companheiro.

Está enfiado nas crostas da montanha, como sempre. Está tentando novamente reproduzir o ambiente em que vivia em Tronjheim. – ele bufou, soltando pequenos tufos de fumaça pelo seu nariz – E eu não posso nem entrar! Os túneis são pequenos de mais para mim.

Hazel suspirou.

– Era por isso que eu não conseguia fazer contato mental com ele.

Tente procura-lo dentro da montanha. – Velikan sugeriu – Não deve estar muito longe.

O dragão levantou-se do seu repouso tranquilo e começou a caminhar em direção ao paredão de pedra, implicitamente sugerindo que Hazel o acompanhasse. Ela o seguiu, deixando Pedric para atrás repousando as suas asas. O dragão esperou que ela tomasse posto ao seu lado e continuou caminhando, circundando a base da montanha que estava cercada de pequenos arbustos.

Poucos metros depois, chegaram à abertura de uma caverna que se estendia como uma falha no paredão de pedras. Não havia qualquer tipo de luz vinda da abertura, somente o escuro pesado e desconhecido. O passos de Velikan ecoavam e retornavam aos seus ouvidos muito mais alto do realmente era. Por um segundo, ela estremeceu ao mirar a escuridão da caverna, mas logo em seguida lembrou-se que Storbokk se encontrava ali dentro, por isso não haveria motivo para temer. O dragão sentiu o seu temor e falou em sua mente com a sua voz profunda:

Não se preocupe, não é tão profunda quanto parece. Storbokk não permitiria que você se perdesse au algo ruim aconteça. Porém não posso acompanha-la, como lhe disse, os túneis são estreitos de mais para mim.

Ela assentiu, deixando transbordar confiança para Velikan senti-la. Sem dizer uma palavra, ela avançou para a escuridão da caverna rezando para que o mestre anão não se encontrasse muito longe.

Hoppas älfr att är nära – Desejou baixinho, o temor novamente lhe dominando.

Andou por alguns metros até perceber que o escuro aterrorizante não era tão denso assim. Talvez pelos seus olhos de elfo, mas agora conseguia enxergar pequenos brilhos cintilando nas paredes cinzentas da caverna enquanto avançava pelo túnel. De repente, era como se as pequenas luzes cintilantes guiassem o seu caminho, e sem pestanejar ela os seguiu. Às vezes achava que que os diversos brilhos na parede faziam um som de tilintar que brincava em seus ouvidos. Já estava começando a achar divertido a sua caminhada entre as estrelas terrestres da caverna, quando sentiu uma movimentação estranha atrás de si.

Não se virou imediatamente, procurando pela espada em seu cinto como um reflexo. Mas ao não senti-la, lembrou-se que não estava armada. Suando frio, ela permaneceu paralisada e tentou procurar com sua mente pelo intruso.

Nada.

Ao sentir novamente a movimentação atrás de si, ela virou-se instantaneamente preparada para qualquer golpe corporal que poderia dar. Mas quando virou-se...

– HÁÁÁ! Peguei você, pequena älfa!

Ela suspirou pesada, não sabia se pelo alívio ou pelo susto de finalmente encontrar o seu mestre tão repentinamente.

Storbokk tinha metade da sua altura, mas o dobro da largura de seu corpo. Era o único anão que tinha visto em toda a sua vida, mas presumia que ele não fosse muito diferente de seu povo. Ele tinha o cabelo ruivo, crespo e trançado, com a barba igualmente espessa que acompanhava as tranças do cabelo. Suas maçãs do rosto eram altas e redondas, sempre coradas como se estivesse constantemente gargalhando. Os seus olhos eram pequenos e cinzentos, com um ar divertido que só ele portava. A roupa que trajava não tinha nada demais: uma capa grossa na cor verde por cima de seus habituais trajes de anões.

Ele gargalhava – o som poderia ser confundido com o farfalhar de velhas montanhas - da expressão de Hazel , que estava tão aliviada que tinha vontade de acompanha-lo em sua risada.

– HAHAHA! Perdão! Não resisti! – ele disse limpando uma lágrima divertida do seu rosto. – Você também deveria ficar mais atenta! Como não percebeu minha presença?

– Perdoe-me. – ele sentiu as bochechas corarem por se passar por desatenta frente ao sue professor – Não prestei atenção. O senhor me deu um susto!

– HAHAHAHA. – ele continuava rindo – Não se preocupe! Percebi que estava encantada com o brilho da caverna. Olhe mais perto.

Hazel se aproximou da parede onde ele indicava, mesmo estranhando o pedido. Mas ao estar cada vez mais próxima, ela percebeu onde ele queria chegar. Os pontos cintilantes que acompanhavam o seu caminho realmente estavam encrustados na parede de pedra. Tinham o formato de pedras de quartzo e poderiam caber em uma única mão. Eram pedras brancas que pareciam ter luz própria, como se houvesse algo aceso dentro de suas fissuras. Era hipnotizador, quase como uma lanterna natural que piscava suavemente por conta própria.

– Lindo não? – o anão deu um longo suspiro – Isidarerôth. – ele disse inflando o peito com orgulho – Literalmente “Estrela da Terra”, pois tem o brilho próprio como uma estrela, porém só é encontrada nas profundezas da terra, como esta caverna. São extremamente raras em Alagaësia, apesar de aqui eu ter encontrado aos montes. Este lugar me parece cada dia mais curioso. – ele disse coçando o queixo através na espessa barba.

Hazel concordou.

– São realmente lindas. – ela lhe sorriu.

– Que bom que gostou! Lhe farei uma de presente, se quiser, é claro. Há quem diga que as isidarerôth têm propriedades mágicas. Bem, devo dizer que não sei, pois nunca estive tão próxima de uma para estuda-la. Espero que vocês e seus companheiros älfakyn me ajudem neste caso. – Storbokk continuava tagarelando enquanto Hazel se mostrava deslumbrada pelas pedras luminosas. – Enfim, o que a trás aqui, pequena älfa, na encrosta de uma montanha? É um ambiente normal para um knurla como eu, mas os älfakyn odeiam estar cercados por pedra ou qualquer coisa que não inspire “ar livre”.

Quebrando o encanto que a isidarerôth lhe prendeu, ela finalmente se lembrou de sua missão.

– Perdão, mestre Storbokk, quase me esqueci. – ela desviou os olhos um pouco constrangida – Vim lhe avisar que Eragon-ebithril convoca a Ordem para uma reunião de emergência hoje ao entardecer. Tive que entrar na caverna pois não conseguia sentir a sua mente... – ela se adiantou logo se desculpando pela intromissão dos afazeres do mestre.

Mas ele pareceu ignorar a última parte.

– Minha nossa! Uma reunião de emergência! Bârzul! O que aconteceu? Algo grave? – ele exclamou, numa reação bem diferente de Scarlet.

– Perdoe-me mas não sei lhe dizer exatamente o tópico do assunto. Mas devo lhe informar que Isteir e Nate tiveram que viajar à mando de Eragon numa missão de escolta de novos cavaleiros que surgiram em Alagaësia.

Ele voltou a coçar a barbara, apreensivo.

– Hum... compreendo. Bem, não me resta escolha a não ser atender ao pedido de Eragon.- ele novamente suspirou e se abaixou, puxando um pesado machado que estava apoiado em sua perna e levando-o aos seus ombros. Hazel não percebera que o instrumento estava lá. – Vamos?

Ela assentiu e então o acompanhou rumo à saída da caverna, aproveitando o máximo a visão das isidarerôth antes que a luminosidade externa atrapalhasse o seu brilho. Quando finalmente chegou na entrada, percebeu que Pedric agora estava sentado próximo a Velikan, conversando. Mas o que mais a surpreendeu ao se ver fora da caverna era a altura do sol, que estava muito mais baixo de quando chegara à clareira. Perguntou-se por quanto tempo estivera na caverna procurando pelo anão, parecia ter se passado só alguns poucos minutos.

Esperou que o mestre anão arrumasse os seus instrumentos de explorar a terra na cela de Velikan antes dela própria subir no torso de Pedric. Em seguida, os dois montaram em seus dragões e levantaram voo. Hazel estava com a péssima sensação que levaria bronca de Scarlet por terem demorado muito, mas Storbokk parecia tranquilo, sentido a sensação do vento balançando a sua barba.



Quando Hazel chegara em frente às grandes e pesadas portas do salão da reunião juntamente como Storbokk, encontrara uma Scarlet não muito contente – o que era normal, mas ela odiava despertar a fúria de sua mestra à toa. O sol já se escondia no horizonte, o que acusava que a reunião já deveria ter começado se não fosse pelo seu atraso. Storbokk parecia tranquilo quanto ao horário, com o seu jeito pacato de sempre. Eragon e Saphira não estavam as suas vistas.

Rosalia, a companheira de Scarlet, também estava presente. Ela tinha as escamas num tom magnífico de vermelho e reflexos cor de rosa que ressaltavam a sua feminilidade. Os seus olhos eram magentas e brilhavam sobre as cores das escamas. Era um pouco menor que o gigante de pedra Velikan, mas não menos impressionante. Totalmente oposta à personalidade de sua cavaleira, ela era gentil e compreensiva. Cumprimentou Hazel logo assim que ela chegou.

Boa tarde, jovem Hazel.

– Está atrasada! – Scarlet cortou imediatamente. Rosalia soltou um tufo de fumaça pelo nariz.

Não foi culpa dela, Scarlet. Não seja rude com a criança.

– Por favor, Rosalia, não me venha com essa história de “mamãe boazinha” novamente. – ela resmungou em voz alta para o seu dragão.

– Perd...

– Ela tem razão, Scarlet! A culpa foi minha! Estava nas montanhas, um pouco longe, você sabe... – Storbokk interrompeu, pondo as mãos na cintura numa tentativa de se impor à Scarlet, que soltou um riso de asco.

– Não seja ridículo.

– Por que ainda não entrou na sala de reunião, Scarlet? – o anão perguntou, curioso. Scarlet suspirou derrotada, apontando com o dedo indicador para a jovem elfa.

– Estava esperando por ela. Quero que Hazel me acompanhe.

Storbokk soltou um riso divertido como o som de pedras roçando. Hazel sentiu-se encabulada ao perceber que Scarlet se atrasara para espera-la. Antes que pudesse responder à acusação da sua mestra, o anão se dirgiu para a pesada porta pegando os seus puxadores em formato de cabeça de dragão. Esta era uma das únicas portas da construção que era inteiramente entalhada com diversos desenhos reproduzindo dragões e lugares de Alagaësia, como A Espinha e as Montanhas Beor. Hazel já passara horas examinando os detalhes daquela porta, mas sempre se sentia admirada ao vê-la mais uma vez.

E segurando os dois puxadores, o anão abriu as duas portas de madeira sozinho, altas o suficiente para caber um dragão de grande porte.

Quando eles adentraram, Hazel percebera que este era um dos cômodos que nunca estivera antes. Era até bastante simples: o salão tinha o formato oval e as paredes num tom de pedra branca. Uma enorme tapeçaria com mais desenhos de dragão ocupava uma parte da pareda – provavelmente doada pelos elfos. Do outro lado da parede havia um espelho da altura de uma pessoa, com a borda feita de ouro e outros entalhes também simbolizando dragões. O lustre de cristal ampliava a luminosidade das velas, e no centro da sala uma enorme mesa redonda, que tinha mais cadeiras que o necessário para esta reunião, onde Eragon estava sentado, as mãos unidas em frente à boca, com o olhar fixo nos novos visitantes da sala. Saphira estava deitada logo atrás dela, mas a cabeça virada para a porta com os olhos tão fixos quanto os dele.

Hazel parou para fazer uma reverência à Eragon, mas foi apressada por Scarlet.

– Pronto, estamos aqui. – ela disse com a sua impaciência de sempre. – O que aconteceu?

Eragon deu um longo suspiro e se virou para a Hazel, que prendeu a respiração ao sentir os seus olhos sobre si.

– Hazel... – ele começou.

– Deixe a garota, ela está comigo. – Scarlet se apressou em dizer antes que Eragon a expulsasse da reunião.

Ele novamente suspirou, impaciente. Hazel não se lembrava de ver o semblante de seu mestre tão preocupado. Aparentemente o assunto era sério, e algo parecido com deleite lhe possuiu ao ver que ela estaria presente para assistir o que quer que fosse esse assunto tão sério.

– Muito bem, sentem-se. Preciso lhe informar sobre o que está acontecendo.

E antes que pudesse começar a falar, o som suave de lufada de vento se fez ouvido na sala da reunião. Hazel nem precisou buscar a origem do som, pois no enorme espelho postado na parede da sala estava a imagem de um elfo.

– Que bom que decidiu se juntar a nós, Faraniel.

– Eragon-Elda. – ele respondeu tocando os seus lábios e dizendo o cumprimento dos elfos.

Faraniel tinha a pele branca e leitosa, com os cabelos longos e prateados, os olhos frios negros como a noite e as habituais orelhas de elfo. O seu rosto era atemporal, mas Hazel sabia que ele era muito mais velho que ela. Era inexpressivo como os demais membros de sua raça, mas algo no olhar dele a fazia pensar que estava sempre sentido tédio. O seu dragão era uma fêmea chamada Liriane, que tinha as escamas douradas como ouro branco e cintilava ao sol. Concidentemente Liriane era irmã de ninhada de Rosalia, apesar de Hazel saber que Scarlet também não se dava muito bem com o elfo.

– Qual o motivo desta reunião de emergência?

– Temos notícias da situação em Alagaësia. – ele foi direto ao ponto, elevando a sua voz para se fazer mais presente – Temos quatro novos jovens cavaleiros se mudando para cá. Uma humana, dois híbridos e, surpreendentemente, um urgal. Só a notícia do surgimento de um cavaleiro urgal já é extraordinária, mas temos também outros três cavaleiros que surgiram num espaço muito curto de tempo: questão de dois meses. Isto alardeou os Eldunarí, que parecem preocupados com algo sondando Alagaësia e forças estranhas que causaram o surgimento repentino de tantos cavaleiros.

“Também, aparentemente os Eldunarí sentem uma ameaça sondando. Eu creditaria as premonições dos velhos dragões, mas durante e reunião que tivemos também recebemos a notícia de um ataque às duas cavaleiras nas margens de Du Weldenvarden. Considerando que a floresta é uma região hostil, eu não me preocuparia, porém algo diferente aconteceu neste atentado: a arma era amaldiçoada com magia negra, algo que não é muito comum nesta nova década após a queda do Império. Somando ao fato dos elfos que acompanhavam as cavaleiras não conseguirem sentir a presença do sujeito que tentou ataca-las.

“Os eldunarí imediatamente se sentiram preocupados com este episódio, apesar de ninguém ter se ferido. Para acalmá-los, mandei que Nate e Key junto com Isteir e Acaz retornassem à Alagaësia para escoltar estes novos cavaleiros.”

Um silencia se fez para que todos pudessem absorver as informações. Hazel não saberia dizer sobre o que estava mais chocada: pelo surgimento de um cavaleiro urgal – afinal nunca em sua vida ela vira um urgal – ou o fato de alguém ter tentado atacar os cavaleiros usando magia negra. Eram fatos surpreendentes, embora ela pensasse que era algo que Eragon não pudesse resolver.

– Se quiser eu mesmo posso escolta-los – Faraniel cortou o silêncio.

– Eu tenho plena confiança em Key e Acaz para protege-los, mas Nate e Isteir ainda não são formados! – Storbokk argumentou.

Eles podem perfeitamente cumprir esta missão. Os dois já estão prontos a anos. – Rosalia contra argumentou com a sua voz tranquila.

Discordo, Rosalia. Isteir e Nate ainda não estão preparados para este tipo de missão. Eragom, você deveria deixar que Faraniel o fizesse. – Saphira finalmente entrou na discussão.

– Não. – ele respondeu firme. – Faraniel deve permanecer em Vroengard. É o único cavaleiro além de Arya e Ágata para proteger Alagaësia em caso de emergência.

– Como queira, Eragon-elda. – Faraniel respondeu suavemente, o que fez Scarlet revirar os olhos por sua passividade.

– Apesar de este ser o assunto que mais me preocupa, digamos que está parcialmente resolvido pela escolta de Nate e Isteir. – Eragon concluiu, fazendo Scarlet soltar outra risada debochada.

– Isso se eles não se matarem antes...

Mesmo pelo espelho, Hazel percebia o olhar reprovador de Faraniel para Scarlet – o que não a afetou nem um pouco.

– Bem. – Eragon prosseguiu – Temos também o urgal chamado Narbog.

Hazel se remexeu desconfortável na cadeira onde estava. Não sabia o que pensar ou dizer sobre o jovem urgal, tinha sensações opostas entre curiosidade e temor. Porém Storbokk e Scarlet não pareciam provas do mesmo efeito.

– Urgals são no mínimo... preocupantes. – Storbokk comentou soltando um pequeno grunhido por entre a sua barba.

– Não vejo muitos motivos para alarde. – Scarlet acrescentou, cruzando os braços em frente o peito, a irritação lhe dominando novamente – Já vi urgals. Ok, são feras não civilizadas. Mas são facilmente treináveis. São guerreiros de nascença, com certeza este jovem já deve saber usar uma arma.

Eragon balançou a cabeça.

– Independente disto, o problema será a aceitação dos demais cavaleiros para uma raça tão diferente. Nós, como professores, teremos o dever de integrar este jovens aos demais aprendizes sem que haja alarde ou repulsa da parte deles. Não será fácil manter o clima estável. Temos o exemplo da jovem Luka que é um tanto traumatizada com os urgals, e não podemos de jeito nenhum permitir que uma confusão de instaure por causa disto. Me entenderam?

Eles assentiram com a cabeça. Hazel permaneceu imóvel, e reparou que Faraniel parecia um tanto a contragosto.

– Quem são os demais cavaleiros? – a voz suave de Faraniel perguntou.

– Barbara, a meia-elfa, de origem desconhecida. Foi descoberta em Bullridge. O seu dragão se chama Godric e está acompanhada de Agalad.

“Irnael, também meio-elfo, de Ellesméra. O seu dragão se chama Fireheart e está sob a tutela da própria Arya.

“E Ismira... – Eragon deu uma pequena pausa ao pronunciar o nome da última cavaleira. Hazel não sabia o motivo para a sua hesitação, mas os seus olhos demonstravam que estava mergulhado em profundas lembraças – Filha de Roran. É proveniente de Carvahall. – outra pequena pausa – Seu dragão se chama Dimithkarjic e está acompanhada de Blödgharm.

“Todos estão entre 14 e 18 anos. Algo mais que gostariam de saber sobre os novos aprendizes?”

Scarlet não se pronunciou e Faraniel não aparentava estar interessado. Já Storbokk sorria com a possibilidade de encontrar novos aprendizes, assim como Velikan e Rosalia, que deixavam transbordar a excitação. Tal sentimento afetada Hazel, que ficara animada para conhecer os novos colegas.

– Será no mínimo interessante lecionar para um urgal. – a morena soltou um riso de lado. – Mas eu quero um quarto maior.

Eragon levou instantaneamente a palma da mão ao rosto, cansado e impaciente com o assunto. Faraniel revirou os olhos novamente e parecia querer sumir. Storbokk soltou novamente uma de suas gargalhas de vibrar as montanhas enquanto os dragões se divertiam com a discussão.

A acalorada discussão divertida Hazel que daqui a pouco estava rindo junto com Storbakk. A reunião parecia finalmente encerrada, o que lhe dava cada vez mais vontade de se formar logo e se juntar à Ordem. O seu desejo de se tornar independente e ter um lugar definitivo nesta cadeira se tornava cada dia mais forte. E embora Pedric não estivesse presente, ele podia sentir os seus sentimentos e partilhava com ela a mesma excitação.

Mas a sua euforia se passou no mesmo momento que sentiu uma presença avançando em sua direção. Melhor: duas presenças. Porém, uma das mentes que sentia era vasta, profunda e intensa: obviamente de um dragão. A outra mente era protegida à muros de ferro, mas era impossível não sentir a sua presença imponente. Se aproximavam à alta velocidade e Hazel se perguntava como não conseguira senti-la antes. Pensou em um dos seus companheiros, mas a mente era desconhecida e com um tom de periculosidade que a deixou alerta. Desesperada, ela buscou os olhos de Scarlet e Storbokk, que tinham as suas expressões agora sérias e impassível, como se já esperassem por aquilo. Mas foi ao encontrar o olhar de Eragon que a sua angústia se tornou desesperadora.

Eragon... – Saphira tentou alertar o seu cavaleiro.

O cavaleiro sorria num meio sorriso sinistro, que ela não sabia dizer se era de ironia ou humor. Só poderia dizer que ele estava satisfeito. Mas aquela expressão lhe causou um arrepio pior que a constatação que duas mentes poderosas e perigosas se aproximavam.

Num suspiro rápido, falou:

– Ele chegou.