Eragon era o que podia se chamar de ancião mais pelas experiências vividas do que pela contagem de anos que passara. Afinal não fazia ta to tempo em que ele ainda era um simples menino da fazenda, que por uma jogada do destino encontrara uma maravilhosa pedra azul nos recantos sombrios d'A Espinha que mudaria todos os rumos de Alagaësia.

Afinal, após aquele encontro ele viveu aventuras que a sua mente jamais imaginara antes que poderia ir tão longe. Enfrentou monstros malignos, conheceu os quatro cantos do continente, entre povos diferentes e pessoas maravilhosas. Lutou, chorou, amou, aprendeu, mas sobretudo o que mais valorizava durante a sua empreitada foi o poderoso laço da amizade. Pois ele sabia que sem a sua companheira de corpo e alma Saphira, e até mesmo sem a ajuda de todas as pessoas importantes que passaram pela sua vida, como Brom, Roran, Murtagh, Arya, Nasuada entre outros ele nunca teria chegado onde chegou.

E é claro que a sua empreitada não ficara isenta de dor, frustração, morte, sofrimento, saudades... E por causa de tudo aquilo que Eragon conseguia ensinar aos novos cavaleiros de dragão, que tão orgulhosamente o chamavam de Mestre.

Mas ele sabia que mesmo dando tudo de si para protege-los para que a jornada deles não fosse tão difícil e sofrida como a que ele trilhara, mesmo tendo autoridade sobre os seus preciosos aprendizes para evitar que errassem o seu caminho, ele ainda falhara em protege-los.

Ágata era a maior prova de seu erro. Mesmo que a elfa fosse irmã de Arya, sendo talentosa e adquirindo experiência pelo seu privilégio em poder viajar pelo continente, ela não conseguira escapar da armadilha das forças ocultas a qual Eragon não tinha controle. E pelos céus, ele tinha pedido para que Ágata ficasse para adquirir mais experiência, que ela se tornasse efetivamente uma membra da Nova Ordem antes de sair se arriscando a proteger o continente sem ainda estar pronta! E agora ela estava correndo um sério risco de vida e ele se sentia tão culpado... tão culpado... E até inseguro.

Pois afinal, por mais que Eragon tenha a vivencia de um ancião, posição e respeito, ele ainda era um jovem. E humano.

Eragon, eu também estou me sentindo realmente mal pelo que aconteceu a Ágata, mas se martirizar não vai adiantar nada. A sua companheira lhe disse, fitando com seus olhos azuis no fundo da sala onde estavam.

– É minha culpa, Saphira. Eu errei com meus aprendizes, falhei em protege-los. Se Ágata morrer por isso eu nunca irei me perdoar. - ele lhe respondeu tocando a sua mente.

Uma aura acolhedora invadiu a sua mente e imediatamente o mestre sentiu-se mais calmo. Eragon então se permitiu abandonar a sua postura firme e aproximou-se de Saphira, que se aprumou para acolhe-lo. Eragon sentou-se com ela, que o envolveu em um abraço de dragão. O homem, cavaleiro, mago e mestre então se encolheu na barriga de sua companheira, sentindo-se protegido e quentinho. Saphira soltou uma bufada como um suspiro, apertando ainda mais o seu cavaleiro sobre si. Eragon desejou poder ficar ali mais tempo para esquecer de todas as suas responsabilidades, embora soubesse que não poderia. Ele só precisava de um meio momento como aquele para se acalmar e poder enfrentar novamente todos os seus desafios.

Não importa do que lhe chamem, você será sempre o meu pequenino.

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Storbokk havia acabado de se despedir da imagem de Faraniel no espelho de seu quarto. Sentia-se bem após conversar com o amigo, porque por mais que a personalidade do anão fosse tranquila, as vezes ele precisava aliviar a angústia com uma boa conversa. A alguns anos atrás se soubesse que estava conversando tão tranquilamente com um elfo – e pior, que considerava um elfo como o seu amigo – daria uma alta risada e diria que quem estivesse lhe contando havia ficado louco. O anão mudara muito nos dezoito anos que passaram e Domía Kópa, apesar de ser algo extremamente difícil para um povo tão truncado quanto os anões.

Mas apesar disso, Storbokk às vezes sentia tanta falta de seu povo que chegava a doer. Afinal, até aquele momento não havia nenhum outro cavaleiro que fosse um igual de raça. Era tão estranho que aquilo havia acontecido logo à ele, e que fora logo o primeiro cavaleiro a ser descoberto quando as expedições da Agaeti Shur’turgal começara. Storbokk nem ao menos queria ir para a cerimonia.

Ele costumava a ser, com todas as palavras, um boa-vida. Não vinha de um clã importante o suficiente para concorrer ao trono dos Anões, mas a sua família era rica e mantinha bastante posses. A sua maior preocupação normalmente era qual seria a próxima festa que iria comparecer, quais mulheres-anãs seriam a próxima vítima de seus flertes ou qual montanha iria explorar com os seus companheiros. Basicamente ele só queria aproveitar uma boa vida, gastar dinheiro e beber, pois ainda era considerado um anão jovem demais para participar da guerra de Alagaësia. E ele não gostava dos elfos, Bârzul!, como eles eram arrogantes! Claro, sempre tinha algum por perto que se chamava “diplomata” entre as duas raças. Tá bom, como se ele acreditasse naquela baboseira. E era justamente por causa deles que ele não iria na Agaeti Shur’turgal, além do mais havia acordado numa ressaca terrível naquela manhã. Se não fosse a sua mãe para pessoalmente enxotá-lo até a cerimônia, ele nunca teria ido.

É, meu amigo Velikan. E pensar que eu quase não fui naquela cerimônia por causa de uma ressaca, hein?

Pelo perdão da palavra, meu amigo, mas eu nunca iria perdoá-lo.

O anão riu alto, tentando controlar o seu volume para Scarlett não ouvi-lo nos quartos próximos. Não eram tempos tão tranquilos, mas se ele não risse, como iria aliviar toda aquela tensão? Estava um pouco cansado, bem cansado. E com muitas saudades das Montanhas Beor...

Quem diria que proteger o mundo fosse ser tão sacrificante, meu amigo? – perguntou ao seu companheiro, o Incrível Dragão de Pedra, título que ganhara da pequena Scarlett ao chegar em Domía Kópa.

Zero arrependimentos. – o dragão respondeu, bem humorado.

É mesmo. – o outro disse, tornando a rir.

Ele decidiu que estava na hora de repousar as energias. Antes de se deitar, porém, ele acendeu uma vela no altar que tinha dentro do seu quarto e rezou à Gûntera para que os seus aprendizes ficassem em segurança.

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A figura no espelho a fitava com uma expressão tão incomum às suas expressões normalmente neutras, ele a fitava com preocupação. E isso parecia deixa-la ainda mais nervosa, que andava de um lado para o outro no quarto sentindo que poderia explodir com magia qualquer objeto feito de material mais frágil, isto incluindo o espelho.

– O que é que você quer, Faraniel? - ela esbravejou com a figura etérea que aparecera na superfície do espelho em seu quarto assim que a cavaleira terminara de se trocar.

– Vim ver como está. - ele respondeu no mesmo tom neutro habitual, apesar de sua expressão lhe entregar.

– Eu estou bem. Bem irritada, está satisfeito? – ela bufou, balançando a cabeça e fazendo os seus belos cabelos negros e finos – que sempre estavam presos numa trança caprichada, mas no caso estava solto e livre - ondularem por seus ombros num belo movimento.

O elfo balançou a cabeça, sinalizando que não iria embora tão cedo, o que deixou a humana ainda mais irritada. Faraniel não estava nem pessoalmente ali, mas somente a intensidade de seus olhos na superfície do espelho a deixava apreensiva como se ele estivesse em pessoa dentro daquele quarto e perfurando com o olhar amarelo.

– Eu sei que você está sendo afetada por isso, Scarlet. Não a censuro por estar tão preocupada, mas quero que se tranquilize e confie em mim. Eu vou ajudá-la.

Scarlet parou, sentindo o seu corpo estático. Circundou os seus braços, abraçando a si mesma em sinal de derrota. Odiava parecer frágil, principalmente aos olhos de Faraniel, mas vezes simplesmente queria derreter em desaparecimento. Sentia-se mais do que preocupada, estava frustrada e nervosa. Sabia que seria impossível manter a postura sempre firme, mas em momentos como aquele em que ela queria simplesmente desabar, o elfo surgia no espelho para presenciar o seu estado.

– Eu confio na sua capacidade, não precisa vir me confortar. – ela respondeu, ríspida.

– Scarlet. – chamou pelo seu nome, parecendo mais severo mas ao tempo mais próximo e íntimo – Não absorva esta culpa, você não pode proteger a todos.

A cavaleira finalmente desabou, sentando-se na cadeira de sua penteadeira, de frente ao espelho que mostrava a imagem do elfo de cabelos loiros e olhos amarelos. Sentia a fraqueza dominar os seus ossos, e se não fosse forte ela sentia que iria chorar finalmente.

Ela e o elfo foram dois cavaleiros que surgiram quase ao mesmo tempo, dois anos após o fim da guerra de Alagaësia. Scarlet era apenas uma garota, vivendo um inferno de vida. Não tinha um pai, a sua mãe trabalhava de dançaria numa casa noturna em Dras-Leona. A guerra já havia acabado e mesmo com a deposição dos condes e lordes corruptos que governavam as cidades nem mesmo assim a Dras Leona havia deixado de ser um inferno. Scarlet tinha treze anos e já era um incomodo. Não era uma criança mais, tão pouco uma adulta para saber da vida. O seu trabalho na confecção de roupas da casa noturna já estava se tornando obsoleto mas era a vida que tinha e estavam bem assim. Foi então que tudo começou a desabar. A sua mãe fora morta por um cliente insatisfeito, o dono da casa dissera que era papel de Scarlet pagar a dívida da sua mãe e assim ela fora vendida, segundo o homem porque ela “valeria um bom preço seus cabelos negros e olhos com formato de amêndoas”. Viveu um inferno no prostíbulo durante dois anos de sua vida, sendo tratada por menos de um ser humano. E não era só Scarlet, eram todas as garotas naquele buraco, assim como a sua mãe também um dia fora tratada.

O que tirou Scarlet daquela imundice fora a vinda de quatro cavaleiros elfos que exigiram que todos os jovens com idade de onze a dezoito anos se apresentassem à Agaeti Shur’turgal. E a garota de olhos de amêndoa só conseguiria ir à cerimônia por um bondoso elfo tê-la visto olhando o lado de fora da cidade na janela do casa noturna. Ele exigiu ao dono do estabelecimento que Scarlet comparecesse à cerimônia, e só assim a garota maltrapilha conseguiu encontrar o seu destino. Parada a um magnífico ovo de cor vermelha nasceu Rosalia e assim a sua vida mudou para sempre. E naquele dia ela jurou a si mesma que protegeria a todos que amasse, e que se fosse por ela nenhuma garota jamais sofreria na mão de um homem como ela sofreu.

Quando conheceu Faraniel em sua viagem rumo ao Além-Mar ainda estava fragilizada demais para confiar nele, apesar de ser um cavaleiro igual. Nem mesmo os elfos ao seu redor e redor e Storbokk a garota conseguia confiar. A primeira pessoa com quem ela conseguiu se sentir à vontade fora Arya, a segunda fora Saphira e então Eragon. Faraniel não a julgava. Só após tempos que o elfo conseguira conquistar a confiança da humana o suficiente para que ela permitisse que tocasse em sua mente. Faraniel nem ao menos tinha uma história semelhante para fazer uma ligação empática com a garota. Ele era só um elfo da floresta comum, descoberto na cidade de Nadindel, que na verdade nunca tivera muito entusiasmo na sua vida. A sua diversão era passar horas conectado na floresta, e nunca pensou que algo tão grande poderia acontecer consigo quanto se tornar ligado a um dragão, a sua amada Liriane. Ao conhecer Eragon e seus companheiros o seu maior problema fora a inexpressividade e fraca vivacidade, o que aos poucos fora crescendo conforme a sua vontade de aprender e se tornar mais forte aumentara.

Os três cavaleiros tornaram-se próximos, mas mesmo assim não deixaram a essência de suas personalidades o transformarem. Faraniel ainda se mostrava inexpressivo e distante, Scarlett era inconstante, facilmente irritável e super protetora, enquanto Storbokk vivia a sua eterna juventude e rebeldia sem causa. Foi só após conseguirem derrubar todas as suas inseguranças é que Eragon os efetivou como cavaleiros da Nova Ordem. Agora eram iguais, tinham sabedoria e força para proteger aqueles que amavam e guardar as suas fraquezas para que elas não o afetassem. Mas as vezes, em momentos como aquele, eles se tornavam novamente mundanos.

– Não chore, Rosa Vermelha. – o elfo falou, vendo através da superfície gelada do espelho a companheira quase se entregar à angústia.

Mas ao ouvir o antigo apelido, a mulher soluçou e esboçou um sorriso.

– Você ainda lembra disso? – ela forçou uma risada – É patético e não combina comigo.

A sombra de um sorriso surgiu no rosto do elfo, mas desaparecera tão rápido quanto o sopro de brisa do verão.

– Sou um elfo, óbvio que não esqueceria. E se me permite dizer, combina perfeitamente.

Ela suspirou, nunca entendera se o apelido era debochado ou galanteador. Independente do que fosse ela gostava, só nunca iria admitir.

– Boa noite, Estrela Dourada. – era a sua resposta ao apelido.

– Boa noite, Rosa vermelha.

Antes que desaparecesse a sua imagem, a mulher estendeu a sua mão e tocou a superfície do espelho, sendo imitado pelo elfo, que tocava a imagem de seus dedos. Eles não se sentiam, mas sentiam-se inteiramente melhor com o simples movimento. A magia, então, se desfez e a imagem na superfície gelada desapareceu.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.