O Juiz E A Serviçal

O Povo Pede Justiça! - penúlt. capítulo.




_ Dom Lázaro? Como invade meus aposentos? – disse indignado.

_ Não vim para uma visita de cortesia, Keller! Precisamos nos falar sobre o que está acontecendo com minha igreja! E por hora eu lhe peço que suspenda o ato de reconstituição na casa de minha fiel.

Os dois começaram a falar aos berros e todos que estavam presentes antes no auditório, haviam passado para o outro lado da rua atrás do prédio para ir à casa de Ramona, mas puderam ouvir a tudo. Ficaram parados, e em silêncio absoluto, pois aquilo era um espetáculo vergonhoso.

_ O senhor não pode pedir isso. É um processo judicial e não tem nada que ver com a sua igreja, e sim com uma cidadã de Fraterna, sua criada e um bebê brutalmente assassinado!

_ A senhora Ramona é minha protegida, senhor Juiz. Ela não pode mais passar por esses constrangimentos, e eu vim pedir que pare.

_ Não vou parar um processo de infanticídio! Estás enlouquecendo?

_ Enlouquecido deve estar vós! Aquela bastarda e seu irmão já nos causou um martírio por estar aqui, nesta cidade.

_ Quero lembrar, Reverendo, que Fraterna é minha cidade e eu farei justiça...

_ Sua? Quantos Ernies nós temos no poder?

_ Não importa! Minha cidade terá justiça, e não vou satisfazer aos caprichos de sua maldita igreja...

Keller levou então uma bofetada do Bispo.

_ Não fale da casa de Deus dessa forma, seu infame!

Impotente pela agressão, e muito irado, Keller tomou uma decisão drástica.

_ Eu não me igualarei ao senhor nessa atitude e nem farei conta de tão pouco poder! O povo irá decidir.

Ele saiu do gabinete e o Bispo foi atrás dele.

_ Não vai fazer isso! – ele sabia do que Keller estava falando.

_ Vou lhe mostrar que eu sou o Poder Supremo de Fraterna, não importa se Cal ou Ernie, mas Fraterna quer a justiça e é o que ela terá!

Aquela voz grave e firme atravessou os corredores da Corte e chegou aos ouvidos de todos que estavam na rua, até mesmo nos arredores.

Keller saiu para a entrada do plenário e sua surpresa foi grande.

_ Meu Deus!

Parecia que toda Fraterna estava ali diante dele. A entrada era um lugar alto com sete degraus até o chão, Keller era avistado por todos, como se estivesse num palco. De repente alguém começou a gritar “Keller!” e então um grande coral se formou.

_ Keller! Keller! - gritava a multidão.

O Bispo saiu também e ficou estarrecido com os clamores.

Muitos anos antes de Keller se tornar juiz, quando ainda era um aspirante a advogado, seu pai se viu num dilema em um processo, onde envolvia pessoas da igreja e do poder executivo. E ele, sendo o juiz, ordenou que toda a cidade votasse naquele processo, e absolvesse apenas um lado. O poder executivo então ganhou quase que por unanimidade.

Keller nunca precisou tomar essa decisão em sua carreira, mas era uma medida sustentada pela lei de Fraterna desde sua fundação..

Sem recursos mais para suportar toda aquela pressão onde tinha que escolher entre o justo e o poderoso, Keller levantou suas mãos para que o povo o escutasse.

_ Não faça isso ou eu vou acabar com você! – disse o bispo a ele.

_ Então tente! Fraterna é minha! – ele disse com firmeza.

O povo se calou. Thompson e Novella há muito já os ouviam gritar e estavam lá também.

_ Povo de Fraterna! – começou Keller – Há muitos anos meu pai decidiu que a voz de fraterna é mais importante que a de um Juiz e um arcebispo, ou qualquer outra autoridade. Por isso hoje eu tenho algo para vós que se tornou um caso insustentável na redoma do tribunal de justiça. – ele acenou para que alguém trouxesse até ele Novella e Ramona.

Novella, já perto subiu até ele com Thompson.

_ O que ele vai fazer? – perguntou Novella.

_ Justiça. Fique ai.

Ele a deixou e foi para junto do povo.

Logo Ramona chegou também.

Keller pediu que colocassem Novella em seu lado esquerdo e Ramona do outro lado, e as deixasse, como que à mostra.

_ Deste meu lado direito eu tenho Ramona, que dispensa apresentações. Ela disse que sua serviçal chegou da rua à noite e que havia estrangulado seu irmão de 2 anos. E em meu lado esquerdo Novella, a serviçal de Ramona, a quem poucos de vós conhecem, uma menina simplória e não nascida em Fraterna, diz que adormeceu e seu irmão simplesmente saiu de seus braços, e ela nunca mais o viu. Eis aqui as duas rés e eu peço que vocês as interroguem, agora, comecem.

_ Você está louco! – perguntou o Bispo – Não vai exigir os votos?

_ Eles decidirão aqui e agora! – estendeu o braço para o povo - Não terá chances de impedir a justiça de ser feita!

Ninguém se manifestou de imediato, estavam observando as rés, até que uma só pessoa falou, certa de que seria atendida. Era Ramona. Acostumada a lidar com muitas pessoas ela se colocou à frente de Novella e Keller.

_ Eu não estava no quarto quando o bebê sumiu, ela chegou da rua e disse que ele tinha sumido e saiu para procura-lo, muitos a viram... – as pessoas a olhavam com estranheza, enquanto Novella tentava não chorar – Eu não mataria uma criança! Vocês sabem e me conhece muito bem. – apontou para Novella – Ela se livrou do menino e me culpou pela morte da mãe dela.

Mas uma voz ao fundo disse:

_ Você não é santa! Você rouba o dinheiro da igreja. Não gosta de crianças!

_ Quem disse isso? – ela quis saber.

Mas outras pessoas começaram a falar coisas semelhantes e acusar Ramona de vários delitos, e em pouco tempo todos os presentes estavam gritando e apontando para Ramona.

_ Para forca! Para forca!

_ Calem a boca! – ela ordenava, estava com medo e tremia – Calados, seus desgraçados!