Já fazia muito tempo que Aysha não visitava o seu planeta natal. E como em todas as vezes que voltou seu coração ficou dividido entre a saudade e a tristeza. A última vez que estivera lá foi para acompanhar o funeral do seu pai, um capitão centauriano da Frota Estelar que havia morrido protegendo uma colônia da Federação atacada perto do território da União Cardassiana (1). Na época ela viera sozinha, porque sua mãe, a matriarca de um orgulhoso clã órion, preferiu ficar no seu planeta, cumprindo a promessa de jamais voltar a Alpha Centauri VII depois de se separar do marido.

Aysha havia morado no planeta órion com a mãe dos treze aos dezessete anos, quando optou por ingressar na Academia da Frota Estelar em lugar de se preparar para assumir os negócios de sua família no comercio de escravos e contrabando. Apesar de ela haver comprado sua emancipação com a herança em barras de latinum (2) prensado em ouro que o seu pai lhe deixara, seu clã jamais a perdoou por isso, principalmente por esta atitude desonrosa vir de uma mestiça .

Agora estava de volta ao lugar que ela considerava seu lar, pela primeira vez em missão para a Seção 31. Isso fez com que ela ficasse com uma estranha sensação, como se alguma coisa estivesse fora de sintonia.

Logo que saiu da área de desembarque do espaço-porto, ela notou os dois homens que estavam próximos a um carro aéreo em frente ao portão e que se aproximaram assim que a viram. Um deles era um antosiano (3) alto e magro, que sorria amistosamente. O outro era um terráqueo ruivo, baixo e atarracado, com cara de poucos amigos.

— Aysha Syndulla? – perguntou o ruivo.

— Sim – respondeu a órion

— Eu me chamo Liam e este meu amigo – disse, apontando o antosiano – é Vougan. Nós vamos trabalhar com você na missão.

— Muito bem – disse ela – vamos começar então. Passem-me as informações que vocês já conseguiram...

* * *

Dois dias depois Aysha estava tomando um coquetel no balcão do “Dagobah” quando o tenente Torias Dax entrou. Foi fácil descobrir que era para lá que o trill geralmente ia nas suas horas de folga. Segundo seus colegas da seção 31, ele parecia gostar do ambiente do lugar e era bem conhecido dos freqüentadores e funcionários, principalmente das garçonetes.

Ele era bonito, tinha um sorriso atraente e era mais forte do que se poderia esperar de um engenheiro. A órion ficou feliz de ter optado em ser responsável pelo contato direto com o tenente e deixado Liam e Vougan encarregados de monitorá-lo de longe. “Talvez no caso dele valesse à pena abrir uma exceção sua regra de não misturar trabalho com prazer”, pensou Aysha sorrindo.

Assim que Torias se sentou, ela pegou seu copo e foi até a mesa onde ele estava. Aquela mulher exuberante, de pele verde e cabelos negros, com seu vestido justo cor de creme e andar insinuante atraiu os olhares de quase todos no bar. O tenente a viu caminhar em sua direção e ficou bastante surpreso quando ela se aproximou de sua mesa sorrindo. Quando ela parou ao seu lado e o encarou com aqueles lindos olhos verdes e um sorriso cativante, ele ficou sem saber o que dizer.

— Posso me sentar? – Perguntou Aysha.

— Você está brincando? Não só pode como deve! – respondeu enfático.

A órion deu uma risada divertida e sentou na cadeira em frente a Dax.

— Espero que você não me ache atrevida, mas você chamou minha atenção assim que entrou. – disse ela – Como eu nunca vi nenhum oficial da Frota Estelar parecido com você, fiquei curiosa.

— É porque sou o primeiro do meu povo a servir. Eu sou um trill, do planeta Trillius Prime. Meu nome é Torias Dax.

— Prazer – respondeu ela – Meu nome é Aysha Syndulla e obviamente, como está vendo, eu sou de órion.

— Pois eu gosto muito das mulheres de órion – disse Dax sorrindo e já colocando suas mãos sobre as de Aysha e a olhando nos olhos – e tenho boas memórias dos meus encontros com elas. Se você quiser, posso contar algumas.

- Gostaria bastante de ouvi-las. Eu tenho certeza de que são histórias muito... interessantes – respondeu a órion, também sorrindo calorosamente e apertando levemente os dedos do tenente.

* * *

Aysha sentiu o mini-comunicador, que estava escondido discretamente dentro de seu ouvido direito vibrar. Ela olhou para Dax, que acabara de contar alegremente como Tobin, seu segundo hospedeiro, havia enganado o sindicato órion e sabotado uma carga de armas que seria vendida aos romulanos, durante a guerra, a mais de cem anos. Tocando discretamente sua orelha, ela abriu o canal, apenas para ouvir.

— Sou eu, Vougan – disse a voz do antosiano no seu ouvido – interceptamos algumas mensagens de áudio cifradas dirigidas à órbita do planeta. E elas estão vindo do “Dagobah”, informando que o tenente Dax está no bar. Parece que os romulanos tem agentes infiltrados aí e provavelmente estão se preparando para agir. Estamos a caminho e chegaremos em três minutos. Encontrem-nos na área...

A comunicação foi cortada de forma brusca. Aysha passou a ouvir apenas estática. Ela fechou o canal. “Isso complica muito as coisas”, pensou ela.

A órion sentiu a sua boca ficar seca. Tinha que fazer alguma coisa. Resolveu que era mais seguro abrir o jogo.

— Torias, me desculpe – disse ela séria – mas não fui totalmente sincera com você.

Dax olhou para ela intrigado e Aysha tirou da bolsa em pequeno distintivo eletrônico, com os emblemas da Federação Unida dos Planetas e Frota Estelar, onde se lia “Corpo de Segurança” e o mostrou discretamente para ele, sem que ninguém percebesse.

Ele olhou para o distintivo e depois para o rosto dela, preocupado.

— O que significa isso? – perguntou ele.

— O projeto em que você está trabalhando já não é mais secreto. – Respondeu Aysha, guardando o distintivo – Acreditamos que as informações sobre ele chegaram ao conhecimento de pessoas que tem interesse de roubá-lo ou destruí-lo. Nós estamos aqui para proteger você garantir e o sucesso do seu trabalho.

“Por ora é melhor não mencionar os romulanos”, pensou Aysha, analisando a reação do trill, que permaneceu calado.

— Você não está a salvo aqui e por isso precisamos sair agora. – continuou a órion – Vamos tentar voltar em segurança para a base da Frota. Depois estudaremos o que fazer em seguida.

Dax baixou olhos por alguns instantes, parecendo pensar. Depois olhou novamente para ela.

— Tudo bem. – disse Dax – Para e não levantar suspeitas eu vou até o caixa no final do bar para pagar as bebidas. Aí poderemos ir.

O tenente levantou-se e andou na direção do balcão do bar, atravessando o salão, que estava lotado. Enquanto isso Aysha observava as pessoas a sua volta, buscando algum movimento suspeito entre os frequentadores e funcionários. Também verificou na bolsa se o seu mini-phaser estava à mão.

Passaram-se quase cinco minutos e Dax não voltou. Aysha, preocupada, achou melhor ir até lá, para ver o que acontecera. Quando chegou ao final do balcão, viu apenas o barman Edosiano enxugando os copos. O tenente não estava mais lá. Voltou rapidamente para a mesa onde estavam. Nem sinal dele.

Resolveu então sair, na esperança de encontrá-lo lá fora, esperando perto da porta. Também não o viu. Enquanto olhava em volta, um adolescente centauriano se aproximou dela e lhe entregou um pequeno embrulho e foi embora correndo, subindo a rua.

Quando Aysha abriu o pacote, encontrou uma pequena moeda Klingon de cobre e um bilhete, dizia que somente: “guarde-a para mim”.

“Definitivamente, as coisas se complicaram”, pensou a órion.

Olhando frustrada para moeda, Aysha a colocou na bolsa e saiu depressa dali.

Referências do Capítulo:

(1) Os Cardassianos são uma espécie alienígena humanóide com algumas características reptilianas. Seu planeta natal é Cardassia Primeira (Cardassia Prime, em inglês) e embora eles gostem de se apresentar como um "império", a União Cardassiana é formada apenas por alguns planetas próximos ao seu sistema solar que eles colonizaram ou conquistaram. São considerados hostis à Federação, e como tal sempre estão envolvidos em combates e disputas com ela, mesmo após vários tratados e concessões de ambas as partes.

(2) O Latinum é um líquido prateado extremamente raro, usado como moeda em muitos mundos, principalmente pelos órios e ferengis, e que também se caracteriza por não poder ser replicado por qualquer sintetizador de matéria. Ele geralmente é prensado dentro de m invólucro de ouro, em forma de moedas, tiras, barras ou tijolos.

(3) Os Antosianos são uma espécie humanóide benevolente, com uma cultura mais antiga que a Terra. São muito parecidos com os terráqueos, mas tem a pele e os olhos predominantemente claros e seus cabelos crescerem a partir do meio da cabeça. Eles habitam o planeta Antos, classe M, que é muito frio nas latitudes superiores e inferiores, fazendo com que apenas a faixa central do planeta, próximo ao equador, seja habitável.