Sussex Downs. 2 de Maio de 1910.

(Um ano depois...)

De todas as suas entregas, a que mais fazia temer o jovem carteiro Edward era ir até aquela mansão afastada, perto de um penhasco ao norte de Sussex Downs. Lá, rezava a lenda pela região, vivia o detetive Sherlock Holmes. Muitos achavam uma bobagem. Sherlock Holmes não existia. Era apenas um personagem literário, invenção de Sir. Arthur Conan Doyle, é claro. Uma bobagem, repetia a si mesmo o jovem carteiro, que tinha lido boa parte das histórias narradas pelo Dr. Watson. Ele estava no serviço de entregas a duas semanas e aquela era a primeira vez que se aproximaria da casa que aparentemente pertencia ao herói de sua infância.

A pequena charrete do Serviço Postal já estava perto, quando o jovem avistou, a caminhar despreocupado por aquela paisagem bucólica, um senhor idoso devidamente encapuzado e agasalhado, a caminhar lentamente por aquelas terras.

-Er, senhor...? – perguntou o jovem rapaz, tirando o homem de idade de seus devaneios.

-Sim? – ele perguntou.

-Saberia me informar se Mr. Sherlock Holmes mora ali?

O homem olhou para a direção onde o jovem apontava. Lá, havia apenas uma casa solitária, e nada mais.

-É o que dizem, não é? – ele disse, com humor.

-Perdoe o inconveniente, mas é o senhor que mora ali?

-Sim, sou eu.

-Qual é o seu nome?

-Willian Holmes.

Os olhos do jovem se arregalaram. O homem de idade riu.

-Pensa que sou o tal detetive, não é?

-Por um minuto eu...

-Ora, e por que por um minuto?

-Bem, o senhor é mais jovem. Digo isso porque Mr. Holmes está aposentado há anos, pelo menos é o que dizem em Londres. E se ele está aposentado há anos, então...

-Ele é um homem idoso.

-Sim, e o senhor já tem certa idade, mas não creio que para se aposentar, se caso fosse o Mr. Holmes. Só mesmo o peso da idade retiraria o maior detetive de todos os tempos de executar seu trabalho.

O homem mais velho parecia reflexivo.

-Pode ser, mas... Você já parou para pensar que ele pode ter se cansado?

O jovem parecia convicto em seu diagnóstico. – Cansado?! Um homem tão extraordinário quanto ele jamais se cansaria. Ele é uma máquina de calcular, fria e racional. Só mesmo o peso da idade para detê-lo. Bem, de qualquer forma, eu vou deixar sua correspondência ali.

-Se quiser, pode entregar-me em mãos.

O jovem retirou um conjunto de cartas e um pacote e entregou ao homem mais velho. Deu uma saudação e partiu dali, com a sensação de dever cumprido e acreditando que Sherlock Holmes em Sussex não era mais que um boato.

Sherlock Holmes, que na verdade tinha conversado o tempo todo com o jovem carteiro confuso, riu de toda a situação e voltou para casa, buscando se abrigar do frio que batia em si durante o caminho até o seu aconchegante lar. As abelhas estavam devidamente organizadas e o mel que elas iriam produzir seria de boa qualidade. Seu último experimento com colônias de abelha tinha dado certo, o que tornava aquela manhã algo bem agradável.

Ao chegar a sua casa, já a salvo da ventania que rondava Sussex àquela época do ano, Holmes colocou a correspondência sobre a mesa e tirou os agasalhos mais pesados. Imediatamente, apareceu sua senhoria, Mrs. Morton, uma senhora galesa muito parecida com Mrs. Hudson, que lhe ajudava a administrar a casa.

-O almoço já está à mesa, Mr. Holmes. – ela disse.

-Obrigado, Mrs. Morton. – ele agradeceu, enquanto se sentava em sua poltrona preferida, que ele tinha trazido de Baker Street, assim como muitas mobílias daquela casa, e pegou a correspondência.

O pacote não foi nenhuma surpresa. Era toda a correspondência de Watson. Uma edição do The Strand, com a publicação de “O Pé do Diabo”, além de uma carta pessoal. Holmes pegou a carta e a leu.

Meu caro Holmes,

Inicio esta carta parabenizando-lhe por sua recente descoberta a respeito das características da abelha rainha. Li o artigo, e embora não seja um conhecedor da apicultura, eu vejo que, mais uma vez, você se coloca como um profissional brilhante na esfera que escolheu. Nos últimos tempos, poucos casos têm batido à sua casa, em Baker Street. Todos já se convenceram de que você sequer existe, como tão bem queria Nathan Hudson, mas receio que será difícil esconder seu paradeiro por muito tempo após a publicação do seu livro sobre Apicultura.

No momento, Molly e minhas filhas estão em Paris, visitando os parentes de minha esposa. Precisei ficar para atender um paciente em estado crítico que carecia de minhas atenções. No entanto, eu e Molly pretendemos viajar para Viena com nossas três meninas no mês que vem, onde fui convidado por um amigo a passar uma estadia em sua casa de verão. Ele prometeu que me apresentaria ao famoso psicanalista Dr. Freud. Sei que sempre menosprezou esse tipo de Psicologia e os distúrbios mentais apontados pelos estudos de Freud, mas lhe digo que esse campo está cada vez mais ganhando notável importância e que inclusive tem ajudado em casos policiais nos últimos tempos. Caso eu encontre por lá algo de seu interesse, não hesitarei em trazê-lo.

Minha filha do meio, Lucy, decidiu aprender a tocar violino! Imediatamente me lembrei de você. Ela tem estado fascinada desde que assistira você tocar algumas peças de violino durante o Natal e desde então ela me pediu para que eu lhe comprasse um instrumento. Parece que você achou uma admiradora e tanto.

Aliás, gostaria de, mais uma vez, convidá-lo para o meu aniversário, que como deve saber – eu presumo – será na próxima semana. Não farei nenhum jantar de luxo, mas fiz o favor de convidar seu irmão e, para minha surpresa, ele aceitou, apenas quando eu garanti que você estaria presente. Sei que há anos ambos não se veem, mas gostaria que aproveitassem a ocasião para se reencontrarem. Em minha última visita, notei que seu irmão não se encontrava em perfeita saúde. Teimoso como sempre, Mycroft Holmes fez pouco caso de minhas recomendações. Espero que ele esteja mais aberto às suas petições.

Há outro pormenor que gostaria de tratar contigo.

Após nosso último encontro, no Natal, eu atendi a sua reivindicação e, mais uma vez, retirei a participação de Esther de uma história a seu respeito – nosso respeito – que iria publicar. Espero que esteja satisfeito com o que fiz, mesmo sabendo que o público deveria saber mais a respeito da mulher que modificou para sempre o maior detetive consultor de todos os tempos.



De seu amigo,

Dr. Watson

Tocado com as últimas palavras daquela carta, Holmes pegou a edição do The Strand, onde estampava o título “Pé do Diabo”. Ele se lembrou imediatamente de Esther. Naquele ano, tinha tido uma crise psicológica grave, algo que ele jamais admitira para alguém. Isso ocorreu um pouco antes do caso do Duque Ivanov ter sacudido suas vidas. Watson decidiu levar Esther para acompanha-lo nesta viagem, claramente com a intenção de uma tentativa de fazê-la desistir do casamento com Sigerson, em vão. Entretanto, ainda que ocultamente, Esther o apoiou e o retirou de seu estado alquebrado.

Três anos tinham se passado desde que Esther foi embora.

Depois que retornaram de Hampshire, Esther demorou a voltar a ser o que era. Por meses, apenas chorava e implorava para que Holmes encontrasse seu filho. Depois, os choros cessaram, mas a tristeza não. O que lhe salvou da loucura, e Holmes sabia, foi o seu trabalho na Agência, quando ela já estava preparada psicologicamente para voltar á ativa. Os tempos mostravam-se ainda mais turbulentos politicamente, e pessoas como Esther Katz eram mais que necessárias ao Império. Holmes seguiu a mesma tendência, atendendo casos e mais casos.

O casamento de ambos, entretanto, nunca mais voltou à mesma parceira de antes. Esther exigia de Holmes que ele fosse mais persistente nas buscas da criança, que ela chamava de Jonathan, mas Holmes passou a desistir depois de um tempo. Não seria fácil encontrar um recém-nascido com um agente da Okhrana que poderia assumir a identidade que bem entendesse. Por isso, jamais encontrou pistas do paradeiro de seu filho.

Além disso, Esther tocava em outro ponto. Ela o acusava de ser frio. Holmes não refutava isso. Para ele, era diferente. Ele não a vira grávida, não vira a criança, nada. Por dentro, era como se ela não existisse. Foi o que ele disse, com sinceridade, antes de levar um tapa estalado de Esther, durante sua última discussão. Ele sabia que suas palavras tinham decretado o fim de seu casamento. No dia seguinte, ao voltar da delegacia, pois estava em uma investigação, ele encontrou apenas uma nota sobre a mesa. Era seu definitivo adeus. Só depois ele soube que ela estava em uma missão secreta para o Governo e não sabia quando voltaria para casa. Por meio de Mycroft, Holmes soube quando a missão de Esther acabou, e soube também que ela aceitou outra imediatamente, em país secreto. E mais uma. Depois, Holmes simplesmente não pediu por mais notícias.

Por isso, o assunto Esther Katz estava proibido em sua vida. Ele sempre pediu que Watson não mais a mencionasse, e seu melhor amigo o fazia como podia, mas o fato era que Esther, de uma maneira ou de outra, estava sempre presente em seus contos. Holmes pedia que ela fosse cortada com veemência, e Watson não tinha outra alternativa senão acatá-lo. Se ele pudesse, excluiria o nome dela de sua vida, apagaria todas as suas memórias, mas até isso era impossível.

Esther foi embora em 1905, exatos treze anos após a volta de Sherlock Holmes. Foi o aval para que Watson lançasse essa aventura, “A Casa Vazia”, contando boa parte da história, porém com alguns fatos excluídos, inclusive seu casamento secreto com Esther. Ele se perguntava se Esther já tinha lido o conto, em algum lugar, e qual seria sua opinião.

E ainda havia Mycroft...

Seu irmão sempre fora econômico com noticias. O que estava acontecendo com ele? Para Watson insistir em um encontro, certamente as coisas não andavam boas para ele. Nos últimos tempos, o país estava rodeado por um clima de incerteza quanto à Paz Mundial, e Mycroft deveria estar envolvido, mesmo aborrecido.

-Mrs. Morton? – perguntou Holmes.

-Sim, Mr. Holmes?

-Por favor, chame Mr. Simpson. Peça a ele para preparar a charrete. Preciso ir à cidade.

-Er... Mr. Holmes...

Holmes já conhecia bem sua senhoria para entender o porquê daquela hesitação. Mais uma vez, seu cocheiro, o Mr. Simpson, estava em apuros. Ele era um bom cocheiro, mas tinha problemas com jogos. Certamente estava ausente de seus serviços, mais uma vez.

-Por Deus, ele não está? Outra vez? E qual será a desculpa dessa vez? – Holmes deixou a correspondência em um canto e levantou-se, um pouco impaciente. – Deixe disso. Eu irei eu mesmo aprontar um cavalo e ir até lá.

-Mas Mr. Holmes...

Holmes sabia o que ela iria dizer. Suas dores na coluna. Mas ele ignorou. Tinha 56 anos e não queria aceitar as limitações da idade. Cavalgar não poderia ser tão ruim assim. Ele caminhou até o estábulo e selou seu cavalo. Em instantes, já estava na estrada. O caminho de sua casa até a cidade não era tão longo, mas o trotar do cavalo a cada declino da estrada fazia a viagem parecer. Mas aquela manhã Holmes estava bem, sem dores, e acabou chegando à cidade sem sentir muita coisa, além do desconforto de quem não tinha mais o hábito de cavalgar.

No centro de Sussex, Holmes caminhou até o afamado Pub Bloody Star, onde seu empregado era frequentador assíduo. Não era necessário ser um detetive consultor para saber que ele certamente estava matando expediente para beber e apostar em rinhas de galo.

Era uma sexta-feira, um pouco depois de meio-dia, e o pub estava cheio. Era difícil enxergar naquele ambiente impregnado por fumaça e cheiro de bebida. Uma banda irlandesa tocava ao fundo, misturada pelas conversas dos que ali almoçavam ou buscavam diversão.

Holmes já conhecia o bastante daquela região para saber que no porão do bar, de maneira clandestina, os homens estavam reunidos, apostando e assistindo galos lutarem. Simpson, seu cocheiro, era adepto, e mesmo um tanto endividado por isto.

E lá estava ele, no meio de vários, dando gritos de incentivo a um animal irracional, que se atracava com o outro sem sequer saber o que estava em jogo. Holmes nunca entendeu o porquê do entusiasmo desse tipo de aposta. Até corridas de cavalo eram mais interessantes do que essa carnificina sem sentido.

-Ah, droga! – gritou o velho Simpson, já um tanto embriagado, ao perceber que o galo que apostara perdeu e fora morto pelo oponente.

-Mr. Simpson! – chamou Holmes, no meio dos demais apostadores.

-Oh, Mr. Holmes! – a voz de Simpson era arrastada. – O que o senhor...?

-Não há tempo para conversa. Vamos embora daqui, antes que o senhor se encrenque... – disse Holmes, tentando conduzi-lo pelo braço.

-Chegou meio tarde, sir.

Um homem corpulento, bastante ameaçador, deteve Holmes de passar dali com o cocheiro Simpson. Ao perceber o desentendimento de Holmes, ele não tardou em explicar.

-Mr. Simpson está me devendo cinco libras...

-Eu... Já disse a ele... Pago, sim... – disse o pobre velho, bêbado.

-Cavalheiros, sejamos razoáveis: este senhor não está em condição para tais negócios. Por que não dê-lhe ao menos um dia para que tal assunto possa ser negociado como deve? – pediu Holmes, no auge de sua educação e esperteza. O homem corpulento, àquela altura, acompanhado de mais dois sujeitos, parecia pensar duas vezes.

-Não. Ou paga, ou te matamos.

Holmes percebeu um deles sacar uma faca, ameaçadoramente, o que despertou pânico no local e a saída apressada de quase todos dali.

—Senhores, por favor... – pedia Holmes.

—Posso ver sua boa intenção, sir, mas por favor, isso não é da sua conta. Não se intrometa nisso.

—Por que não resolvemos isso como pessoas civilizadas? Ninguém aqui quer se machucar, não é?

O homem armado de faca aproximou-se ainda mais de Simpson.

—A única pessoa que irá se machucar aqui é ele, e o senhor também, se continuar insistindo. – disse.

—Não se ameaça um homem impunemente. – disse Holmes. O sujeito gordo riu.

—É mesmo? E o que vai fazer, velhote?

VELHOTE?!

Holmes respirou fundo. De olhos fechados, apenas respondeu, calmamente, enquanto calculava seus próximos movimentos.

—O sujeito ao seu lado pretende pegar aquele bastão e me acertar, mas está com dúvida. – disse, fazendo o sujeito recuar, surpreso. – O senhor, com esta pequena faca de cozinha de prata, creio que pertencente ao meu recém-desfalcado conjunto de talheres por obra e graça de Mr. Simpson, pretende me dar uma facada no tórax, mas nada grave, apenas para saber o quão longe eu posso ir. Quanto à você, Mr. Fat Gordon MacFerney, o líder da pequena máfia irlandesa que apodrece o condado de Sussex com falsificação de bebida, apostas e uma banda irlandesa com um violinista sem ritmo, a princípio pretendia apenas assistir, mas terá que interferir quando perceber que seus dois homens estarão fora de combate. Então, você correrá para a garrafa mais próxima, mas eu o deixarei inconsciente antes mesmo que a pegue pelo gargalo.

Todos pareciam surpresos com o raciocínio de Holmes, inclusive Simpson, cuja lucidez voltou rapidamente.

-Mas que...!

Os três se movimentaram. De fato, o sujeito armado com uma faca tentou ferir Holmes no tórax, mas ele se defendeu, tomando-lhe pelo braço e usando sua força contra si, virando seu corpo para receber o duro golpe do bastão de madeira de seu comparsa. Holmes aproveitou a deixa e deu um golpe em uma veia sensível, que o fez desmaiar imediatamente. O líder dos criminosos, amedrontado, tentou pegar a garrafa, mas Holmes o deteve, pegando-lhe pelo pescoço.

-Pessoas... Sempre previsíveis... Mesmo quando eu as aviso de minhas deduções...

O homem gordo tentava falar, enquanto era esganado.

-Mas... Quem é o...?

Holmes deu-lhe um golpe de misericórdia, fazendo seu corpo cair como um baque sobre o chão. Bom, ao menos não estou tão velho assim, ele pensou, satisfeito, ao ver três homens mais jovens que ele caídos sobre o chão.

-Vamos, Simpson. O senhor já me trouxe confusão o bastante. – disse Holmes arrastando um atônito Mr. Simpson bar afora.

-Mr. Holmes, esses homens são perigosos! – disse o velho, ainda descrente do que tinha acontecido. – Eles irão atrás de você!

-Não depois que eu for à polícia prestar queixa a respeito de suas atividades criminosas. E francamente, Mr. Simpson... Rinha de galos?! Por isso sua esposa está te deixando dormir no sofá...

O velho estava ainda mais assustado.

-Co-como sabe disso?

Holmes o dispensou com um floreio da mão.

Quando já estavam em casa, Holmes pediu que Mr. Simpson lhe acompanhasse até seu escritório privado. Sentado em uma das cadeiras, com o chapéu simples em uma das mãos, Simpson acabou recebendo uma notícia ingrata.

-Mr. Simpson, o incidente do final desta manhã...

-Eu espero que o senhor me perdoe, Mr. Holmes, e prometo que não irá se repetir outra vez...

-A questão não é esta, Mr. Simpson. O problema é que eu não estava mentindo naquele pub: parte do conjunto de talheres de prata que possuo realmente sumiu, como me reportou Mrs. Morton. Um deles era aquela faca de prata que estava nas mãos daquele bandido...

-E-Eu... Eu juro que não foi culpa minha!

Holmes suspirou.

-São evidências fortes, Mr. Simpson. O senhor deve uma quantia considerável de dinheiro a eles, e, desesperado, leva um objeto de valor que, a princípio, ninguém daria pela falta e tenta diminuir sua dívida... Eu sinto muito, mas perdi a confiança em você, e não posso me associar com pessoas das quais não confio.

Holmes tomou a pena e assinou um cheque.

-Aqui está, as cinco libras que deve a esses irlandeses e mais cinco libras. – disse Holmes, arrancando um suspiro do sujeito. – E não vá gasta-las com rinhas de galo.

-O-Obrigado, Mr. Holmes! Obrigado!

Mr. Simpson deixou o escritório, após ser dispensado. Ainda reclinado sobre sua poltrona, do outro lado da mesa, Holmes suspirou. Aquele era seu terceiro cocheiro, sendo dispensado em menos de um ano. Watson chegou a alerta-lo de que ele estava agindo com grande exagero em relação aos seus empregados, mas o detetive não enxergava desta forma. Isto era uma forma de se precaver. Embora fosse um homem aposentado, Holmes sabia que o perigo sempre poderia rondá-lo.

-Mr. Simpson foi despedido, Mr. Holmes?

A voz de sua senhoria, Mrs. Morton, interrompeu os pensamentos do detetive.

-Não ouve alternativa, depois que eu o encontrei bêbado, apostando em rinhas de galo durante o expediente.

-Compreendo. Fico penalizada, apesar de tudo. Ele era um viciado, mas era um bom homem.

-De fato, concordo convosco, Mrs. Morton. E por favor, se souber de algum novo empregado para ocupar o cargo dele, sinta-se à vontade para me indicar.

-Está bem, sir. Com sua licença.

Enquanto a senhoria se retirava do escritório, Holmes passou a observar o movimento de sua casa pela janela. Fazia um dia tranquilo lá fora, como todos os dias. Ele não podia ouvir dali, mas certamente os passarinhos deveriam estar cantando, compondo assim uma bucólica paisagem. Se defender daqueles homens fez bem ao seu ego e deu-lhe também certa nostalgia. Lembrava-se dos seus tempos de juventude, ou mesmo da maturidade não muito distante, onde vivia pela agitada e cinzenta Londres, que pairava entre violência e loucura. Bons tempos.

Londres. Algo lhe dizia que ele precisava voltar.