– Tem certeza que isso vai funcionar ? - Ribeiro perguntou indecisa.

– Claro que tenho. Aliás, eu sempre tenho certeza. - Neto disse confiante - E a Duda nunca falha.

– Alguém disse meu nome ? - uma menina ruiva e alta chamou. Ela usava óculos escuros Ray-Ban mesmo sendo uma segunda-feira de manhã e além disso, uma jaqueta de couro preta por cima do uniforme. Uau, isso é que é ser estilosa.

– Então é você a ex do Pedro ? - Ribeiro se aproximou da garota, incrédula.

– Sim, sou eu que namorei aquele retardado - ela bufou. - Prazer, Maria Eduarda Miguez.

– E você acha que consegue fazer ele devolver as canetas ? - Por um segundo, Ribeiro se sentira mais esperançosa que nunca.

– Absoluta - Duda afirmou confiante quando o sinal tocou. - Agora, é melhor a gente ir. Se não, não conseguimos entrar no 1º tempo de aula.

Eles correram pelas escadas, enquanto Duda simplesmente pegava o elevador. Neto e Ribeiro chegaram no 3º andar sem fôlego e Duda não movera nem um músculo.

– Valeu, tio! - Duda gritou para o inspetor, Elizandro, apelidado de Eli. Como se fosse um milagre de Jesus, ele deixara a ruiva usar o elevador ao invés da rampa ou da escada. Acontece que só os professores tinham o privilégio de entrar na merda do elevador. - Te amo, Eli !

Entraram na sala de aula morrendo de cansaço, mas a turma estava agitada como sempre, então nem repararam. Eles olharam em volta e até agora, nenhum sinal de Pedro.

Eles se sentaram em suas devidas carteiras e ficaram conversando e agindo feito animais enquanto o professor, é claro, teve que esperar uns dez minutos até o bando de macacos que era a turma se acalmar. Ai, ai, a escola...

– Bom dia - Luíz Antônio, o professor de Matemática, entrou finalmente na sala. Porra, pensem que deve ser chato para caralho ter Matemática no 1º tempo de segunda. Dá vontade de morrer. - Hoje vou colocar o gabarito do teste. É para copiar, se não perde ponto da formativa.

Os minutos se passavam e nada do nosso roubador de canetas. E aí foi no início do 2º tempo ( também de Matemática, que inferno ) que os nosso heróis e nossa recém chegada Duda Miguez começaram a passar bilhetinho.

‘‘ Onde é que tá o Pedro ?’’, Ribeiro passou para Duda, que respondeu:

‘‘ Cara, com certeza, ele deve estar dormindo, porque às vezes ele dorme mais tarde segunda.’’

‘‘ Cacete, esse cara parece que não tem pai nem mãe.’’, disse a tartaruga.

‘‘ É, eles são meio relaxados e tal...’’, Duda completou.

De repente, uma mão gorda e peluda pegou o papelzinho do bilhete e disse:

– Olha só, a Maria Eduarda passando bilhetinho pro namorado, aí.

Uma multidão de ‘ih’s e ‘oh’s´, além de diversas outras onomatopéias começaram a soar pela sala e logo depois, todos os alunos estavam loucos para saber o que o bilhete dizia:

– Lê, lê, lê!

Para a infelicidade de todos os mortais ( vulgo; causadores de treta ), nenhum bilhete foi lido e nenhuma treta foi armada. Duda, Neto e Ribeiro ( nosso trio maravilha ) estavam cada vez mais preocupados com o ‘‘ loiro’’ de olhos azuis roubador de canetas e o tempo parecia estar voando. Já era o final do 3º tempo.

– Podem sair pro recreio - Luíz Antônio anunciou e uma multidão de alunos esfomeados e desesperados para comprar o lanche sem fila saíram correndo da sala.

– E agora ? O Pedro ainda nem chegou! Você tem certeza mesmo de que o plano vai dar certo ? - Ribeiro perguntou, aflita.

– Querida, eu nasci com certeza. - Duda jogou uma mecha de seu cabelo para trás. - Eu sou a ex dele, esqueceu ?

– É, não se preocupa, Ribeiro. Ela sabe o que faz.

Eles terminaram de discutir e desceram para o recreio, se separando. Duda sempre ficava com as suas antigas amigas, que agora estavam no 9º ano. Ribeiro ficava com Paula, Júlia, Adryenne e não sei mais quantas garotas de sua sala. Sobre João Neto, nossa eterna tartaruga, nem eu sei onde ele fica ou com quem fica no recreio. Eu sei, eu sei, vocês, leitores, devem estar me achando super desleixada e incompetente para narrar essa história. Mas não é minha culpa se a vida da tartaruga é completamente monótona, ou pareça ser assim, pelo menos. Sinceramente, a única coisa mais emocionante na vida dele é aquela mochila que ele carrega para todo lado, parece até que tem um tesouro lá dentro para ser tão importante. Mas eu não vou falar mais sobre isso. O segredo da mochila dele, caros leitores, fica para uma próxima história.


***


– Abram o livro de História na página 151 - a professora Júlia mandou - Hoje, vamos começar a falar sobre a Reforma e a Contrarreforma.

– A Contrarreforma é contra a reforma ? - João Gabriel perguntou inocentemente. Pobre garoto, é um retardado mental. Ele é daquele tipo de pessoa que só fala coisas óbvias nos momentos mais previsíveis. E como conseqüência, sofre para cacete:

– Que quê você acha, seu imbecil ? - Lucas Batista gritou, arrancando risadas de vários alunos. Aliás, Batista adorava fazer um bullying básico com o moleque, e o pessoal, apoiava com todas as forças. Vocês devem estar achando graça do ‘‘ Lucas Batista’’, mas acreditem, essa criança tem um passado muito, mas muito cruel.

– Cala a boca, vocês dois! - Ribeiro gritou junto, como sempre querendo ver treta.

– Gente, olha, o Pedro chegou - João Neto falou e todos se voltaram para o nosso protagonista. De repente, Pedro começou a suar frio devido a todos os olhares que pairavam sobre ele. Mesmo assim, juntou o restinho de confiança que tinha e foi até sua carteira, sentando-se lentamente:

– Júlia, eu cheguei agora, porque passei mal de manhã - Ele pausou a fala - É que... Eu meio que vomitei e...

– Arg, não! Me poupe dos detalhes, tá ? - a professora pediu - Agora, vamos continuar a aula e não quero interrupções.

Há, há, há. Muito engraçado, Julinha. Até parece que não haveriam mais interrupções. Típico de professora que não consegue segurar os próprios alunos. De qualquer maneira, ela continuou a aula, mas é claro que nosso trio maravilha ainda estava perplexo com a chegada triunfal de nosso ladrãozinho. Tão perplexos que voltaram a passar bilhetinho.

‘‘ Que estranho o Pedro passando mal, ele quase nunca passa mal.’’, Duda começou.

‘‘ Tem alguma coisa de errado com ele’’, Neto concluiu. ‘‘ Quero dizer, algo além de ter roubado minhas canetas’’.

‘‘ Claro que tem, idiota! Não é óbvio ? Ele veio depois do recreio para não ter que encarar a gente, porque ele sabe que, do jeito que eu sou, iria contar o segredinho dele para sala toda, né?’’, Ribeiro encheu o papelzinho do bilhete.

‘‘ Eita, vai devagar, criatura.’’, Duda colocou sua mensagem no verso do papel.

‘‘ É, nessa o Pedro foi burro mesmo. Do jeito que você é fofoqueira, Ribeiro.’’, João confirmou.

‘‘ Ei! O Pedro falou das canetas porque EU sou a melhor amiga dele e ele confia em mim!’’, Ribeiro se defendeu.

‘‘ Uma hora você fala que ia contar para geral, na outra você diz que é a melhor amiga dele e que ele confia em você ? Tá de zuera, só pode...’’, Neto rebateu.

‘‘ Caramba, vocês não percebem ?’’, Duda escreveu. ‘‘ Talvez seja isso que ele queira: que a sala toda saiba. Aí ele pode devolver as canetas logo!’’

‘‘ Desculpa, Duda, mas do jeito que ele falou comigo sexta passada... Ele parecia obcecado pelas canetas.’’, Ribeiro revelou.
‘‘ Ah, qualé ? O Pedro pode ser infantil e retardado, mas não é doido, não!’’, Duda defendeu seu ex.

‘‘ GENTE!’’, Neto interrompeu a discussão. ‘‘ Vamos fazer o seguinte: Duda vai executar o plano enquanto eu e Ribeiro roubamos o estojo com as canetas sem ele perceber. Beleza ?’’

‘‘ Beleza’’, as duas responderam, finalmente.

Após o final do 5º tempo, os três se juntaram novamente. Pedro estava arrumando o material para ir para casa, embora todos já tivessem ido e a sala estivesse vazia se não fosse por ele e pela professora de Biologia. Um fato muito suspeito, esse do Pedro ficar até tarde na sala, porque isso definitivamente não é comum do nosso protagonista.

– Ahn, oi, Pedro - Duda se aproximou dele lentamente - Eu queria falar uma coisa com você.

– É ? - Ele voltou a suar frio. Achava que era pelas canetas. E era mesmo, afinal. - Tem que ser agora ?

– É que eu queria conversar com você sobre o nosso namoro - Ela disse - Eu gosto de você, sério.

– Tá bom, que tal conversar sobre isso e... - Ele olhou rapidamente para a professora e para a tia da limpeza que acabara de entrar - ...em um lugar mais privado ?

– Claro, bora para salinha rápido, então ? - Ela o guiou até o outro corredor. Aquilo a estava torturando, nossa ruiva não gostava de brincar com os sentimentos dele assim. No fundo, bem no fundo, ainda queria que ele entendesse que ela gostava dele. Mas ela precisa tentar falar com ele. Pelas canetas.

Eles chegaram à salinha. Antes que vocês, leitores safados, pensem merda da ‘salinha’, eu vou explicar. É só uma sala onde as pessoas que chegam atrasadas ficam no 1º tempo e que normalmente fica vazia o resto do dia, ok ? NADA DE MAIS.

– Eu quero muito voltar com você - quando ela disse aquelas palavras, um sorriso se formou nos lábios de nosso roubador profissional. - Mas existem algumas condições.

– Quais são elas... ?

– Olha, eu não estou enganando ninguém aqui, cara - Duda suspirou - Devolve as canetas que eu volto com você.

Ele olhou espantado na direção da ruiva e apoiou a mão na cadeira que estava à suas costas, forçando demais, o que acabou por fazer nosso galã cair de bunda no chão. Parecia uma cena de filme de terror. Clássico.

– Ai, ai, Pedro, querido - Duda riu e se abaixou para ficar na mesma altura que ele - Eu estou deixando tudo tão fácil... É só responder ‘sim’ ou ‘não’. Simples.

– Não - Ele murmurou após alguns minutos de silêncio. - NUNCA!

Repentinamente, Duda sentiu uma coisa molhada e gosmenta em sua bochecha esquerda. Aquilo foi o ápice. Ele tinha cuspido nela.

– Olha aqui, garoto - Ela começou a se zangar - Já que você quer ser mau, tudo bem para mim. Não quer devolver a porra das canetas ? Beleza! Vou roubar todos os seus L’Oreal Paris!

– FODA-SE! - Ele gritou continuamente - Eu sou loiro natural, ao contrário de você que é ruiva tingida!

– Do que você me chamou ? - Duda estava incrédula. Chama o samu, rapariga. - REPETE, VADIA !?

– RUIVA TINGIDA! T-I-N-G-I-D-A! - Pedro berrou.

– Quer saber ? Vá a merda. - Duda falou, por final. Não agüentava mais nenhum segundo discutindo com aquele loiro azedo. Devia ser por isso que o namoro não durou tanto. Tomara que nosso heróis, tartaruga e Ribeiro, tenham completado a missão.