– Duda, posso falar com você um minutinho? - Ribeiro disse, levando Duda para a área de serviço da casa - O que você tá fazendo aqui? Você deveria estar procurando as canetas.

– Ei, eu também fico com fome, tá? - Duda rebateu - Já são 18:30 e eu ainda não comi nada.

– Tá beleza, mas e aí? Algum resultado?

– Não - a ruiva lamentou - Já revirei a casa toda e não achei.

– Tem certeza? Já foi no Hall de entrada? Já viu se tinha alguma passagem secreta, algum esconderijo, um cofre...? - Ribeiro sugeriu enquanto gesticulava rapidamente.

– Cara, eu conheço o Pedro, ele não esconderia canetas em um cofre. Ele não é doido. - Duda respondeu, confiante.

– Tá bem, você é quem sabe - Ribeiro virou de costas e olhou para trás uma última vez. - Mas entenda que o Pedro que você conhecia não é o mesmo Pedro de agora. Estamos em território inimigo, não se esqueça.

Um sentimento de culpa tomou conta de Duda e foi aí que ela resolveu seguir os conselhos da amiga. Foi dar uma olhada rápida no Hall.

Era uma sala bem grande que dava de frente para o mar do Rio de Janeiro e haviam vários quadros e móveis. A maioria das coisas eram antiguidades e objetos valiosos comprados em viagens. Os móveis estavam bem cuidados, além do lustre de cristal estar brilhando de tão limpinho. Duda sabia que os pais de Pedro tinham muito dinheiro, mas nunca tinha reparado quantas coisas eles acumulavam ao longo dos anos. O Hall era cheio de vasos, porta-retratos, algumas imagens da Nossa Senhora e muitos, mas muitos abajures lindos, também colecionados em viagens. Sem contar na coleção de louças que a mãe de Pedro tinha. Ás vezes, Duda achava que a mãe de Pedro tinha tanto que ela acabaria morrendo enterrada nas próprias coisas e eu, a humilde e pobre narradora, concordo com ela.

Ela olhou toda a extensão daquele ‘‘salão de festas’’ e uma lágrima caiu sobre seu rosto. Mas não se engane, leitor, Duda não chorava por ninguém a não ser por ela. A verdade é que ela sentia pena de si mesma por ter que vasculhar no meio de tudo aquilo. Nossa ruiva estava ainda parada em frente àquele amontoado de coisas caras e quebráveis quando viu algo que chamou sua atenção: uma pintura. Nunca tinha reparado naquilo. Era o desenho de um menino pequeno, loiro de olhos azuis, muito parecido com nosso ladrão de canetas.

– Gosta do que vê? - um voz surgiu detrás da garota. - Sou eu.

– Ai meu Deus, que susto. - Duda suspirou aliviada, se voltando para Pedro. - Você não estava na cozinha?

– Estava - Ele disse, dando um ênfase a mais na palavra. - Mas queria ver você.

– É verdade? - Duda perguntou, incrédula.

– É verdade o quê? - ele perguntou, confuso.

– Que você ainda me ama - ela falou. Um silêncio bem tenso tomou conta do local. Pedro estava com uma expressão um pouco assustada, mas isso não o impediu de responder:

– Amo - Pedro afirmou - Mas sei pelo que você veio de verdade.

– C-como assim? - Ela fingiu que gaguejava enquanto enrolava uma mecha de cabelo no seu dedo indicador, ou seja, ela estava literalmente se fazendo de sonsa. Vocês, leitores de todo o Brasil, tem que falar na cara dela que ela é uma péssima atriz.

– Pelas canetas - ele respondeu, como se ninguém soubesse o óbvio - O que acontece é que eu não sou mais o cara que você conheceu antes.

– Isso não é verdade - Duda não queria acreditar no que acabava de escutar - Não fala isso, Pedro. Eu te amo.

– Você pode achar que me ama - momento para pausa dramática. Pedro volta ao seu discurso - Mas, na verdade, você ama o antigo Pedro.

– NÃO! - ela berrou, furiosa - Deixa de ser babaca. Você é o antigo Pedro! O Pedro pelo qual eu me apaixonei.

– Ah, querida - ele acariciou sua bochecha esquerda, que por sinal já estava toda molhada - Eu sei que esse não é o seu motivo.

No meio daquela cena de filme de romance, Pedro foi em direção a sua pintura, deixando Duda para trás com aquela cara de infeliz. De repente, ele tirou o quadro da parede, revelando um pequeno cofre. Ele deixou o quadro no chão e colocou a senha. O cofre se abriu e ele retirou cuidadosamente daquele cubículo uma caixa preta aveludada. Isso é que ser um ladrão estiloso, já sabemos de onde a Duda aprendeu a ser avassaladora.

– As canetas - Ele suspirou, mas logo deu um sorrisinho sacana em direção a nossa ruiva - Não é isso que está procurando?

– Você tá me dando a sua coleção assim tão fácil? - ela perguntou. As lágrimas deram lugar a desconfiança. Aquilo não parecia coisa boa.

– Estou - Pedro disse, choramingando - Vai ser difícil me desapegar delas, mas dar para você vale mais a pena.

Ela avançou alguns centímetros e o abraçou, deixando a caixa com as canetas de lado. Afinal, ela tinha razão. Ele ainda era o Pedro que ela conhecia.

– Duda! Duda! - Neto e Ribeiro chegaram gritando, ainda com as bocas cheias de batata frita e refrigerante. - Não acredita nele!

– Mas o quê...? - ela estava mais perdida que gringo na favela. Ok, essa comparação foi bem escrota.

– Seus idiotas! - Pedro berrou de raiva - Estragaram tudo! Duda, não acredite neles! Eles não são nossos amigos de verdade!

Ouvindo os gritos e os xingamentos que rolavam soltos no Hall, os pais de Pedro vieram correndo para ver a treta que estava sendo armada e para mostrar àquelas crianças que a zoeira tinha limites.

– O que quê está acontecendo aqui? - o pai de Pedro gritou, porém isso não impediu que a discussão terminasse entre os quatro.

– Sr. Bittencourt, desculpe por isso, mas seu filho, além de psicopata, é um baita de um cleptomaníaco! - Ribeiro disse, como se jogasse mais álcool no circo que já estava pegando fogo há séculos.

– É mentira! - Pedro contestou, correndo para perto da mamãe e do papai - Eu nunca roubei nada de ninguém! Eu sou um jovem cristão! Até nos Dez Mandamentos está escrito que não se deve furtar!

– Pedro, para! Isso não vai levar ninguém a lugar nenhum! - Ela o aconselhou, em vão, enquanto pegava a caixa onde as benditas canetas estavam.

– Espere um segundo - a mãe de Pedro murmurou, o que incrivelmente fez com a gritaria parasse e todos se voltassem para ela. - O que você está fazendo com minhas jóias?!

– Jóias? Não, Sra. Bittencourt. Aqui só tem... - Ela pegou a caixa. Estava pronta para abrir e mostrar todas as canetas que Pedro roubara, mas se assustou quando viu o brilho das diversas jóias da mãe de seu ex ali. - ... Canetas.

– É mesmo? - a mãe do nosso ladrão ironizou - Não parece.

– Ai meu Deus, me desculpe, senhora! Eu não tive a intenção, mas é que...

– Sem mas, Maria Eduarda! Fora da minha casa agora! - A mãe de Pedro finalmente se zangara. Estava tão desconcertada que seus cabelos loiros ganharam pontas duplas com aquele grito. Fez um sinal, apontando para a porta de saída, que dava para o elevador.

Os três heróis da nossa história se dirigiram para o local apontado, cabisbaixos. Entraram no elevador se culpando mentalmente por tudo que tinha acontecido.

– E nunca mais me chame de senhora. - Helena deixou a porta do elevador se fechar, enquanto o Sr. Augusto e seu filho ladrão de canetas viam a cena que se passava. Sim, caros leitores, Helena e Augusto são os nomes verdadeiros dos pais de Pedro, mas isso não é mais tão importante. As jóias ainda estavam no Hall, seguras. Se Duda as tivesse pegado, poderia chantagear seu ex para devolver as canetas.

***

A essa hora, dentro de casa, no ar congelante do ar condicionado da sala de estar, Pedro e seus pais tinham a ‘‘conversa’’.

– Meu filho - o Sr. Augusto falou primeiro - Não sabia que tinha amigos tão problemáticos.

– Quase roubaram minhas jóias! - Helena se agarrou à caixa aveludada, numa tentativa de protegê-la.

– Humpf - Pedro grunhiu de raiva - Não se preocupe. Eles nunca mais vão voltar, mamãe. E eu nunca roubei nada, pai! Ainda não acredito que eles puderam mentir a meu respeito...

– Tudo bem, filho. Também foi um choque para mim e seu pai. - Helena consolou seu filho e a conversa ficou naquela mesma coisa: ‘‘Cuidado com suas amizades’’, ‘‘Não quero você andando com gente pobre’’ e blá, blá, blá. Pedro já estava quase morrendo de tanto tédio.

Logo depois, Helena foi para o banheiro tomar um banho e Sr. Augusto foi para o seu escritório ver o agendamento de suas palestras nas universidades em que dava aula. Pedro deu graças a Deus e foi até a cozinha. Depois daquela conversa toda, nada é melhor que um misto quente.

De qualquer maneira, ele sabia que nosso trio maravilha nunca encontraria suas preciosas. Na verdade, sentia pena deles, pobres coitados, que achavam que podiam com ele. Sobre Duda, ainda gostava dela, só não podia aceitar sua separação com as canetas. Ele não podia deixá-las, eram sua família. Como diria o grande poeta da Disney, Stitch: ‘‘ Ohana quer dizer família e família quer dizer nunca abandonar ou esquecer’’.

Ele abriu a geladeira, mas ao invés de se deparar com o pão integral , o presunto e o queijo, viu o brownie-sei-lá-o-que que Ribeiro tinha inventado de fazer.

‘‘ Olha que bom! Ainda está inteiro.’’, pensou.

Pegou uma pequena colher e abriu o brownie gigante ao meio. A melhor coisa que fizera foi colocar todas as canetas no brownie. Bem, na massa do brownie, para ser mais exata. E elas ainda estavam lá, todas, inteirinhas, intocadas.

Ele observou o brownie cheio de canetas e chegou a uma conclusão: Era realmente um gênio do mal.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.