O Garoto da Lua

Capítulo 7 - Cecille


Houve, no entanto, um homem que ameaçou o equilíbrio do bordado da vida. Ele quis controlar os fios, ele quis se tornar um deus.

O Livro dos Thecilles, versículo IV.

Longe da amizade de Nebulus e Arkell, longe da missão de Aubrey, longe de mim, que conta essa história, encontrava-se Coraline.

Sozinha.

Em um mundo mais vasto do que aqueles que conhecemos.

Ao contrário das sereias, Coraline não era capaz de mudar sua forma, não era capaz de conversar com as criaturas marinhas e, além disso, não parecia tão interessada em conversar comigo. Eu permitia que ela seguisse em silêncio, embora aquilo me enchesse com uma estranha solidão. No fim, o que importava eram os olhos de Coraline: eles brilhavam com a inocência de uma criança. Eu podia ser feliz apenas observando isso.

Levou quase uma semana até ela falar comigo.

— O mar… parece mais vivo que a terra — comentou, sem muita certeza.

O mar abriga uma variedade de vida maior… não há tantos animais na terra. Os homens mataram uma parte, porém mesmo antes já não haviam muitos.

— Moros… é um homem? — Eu podia sentir um sentimento se formando, assumi uma postura defensiva.

Imagino que seja… mas nem todos os homens são ruins. Mesmo Moros pode ser apenas uma alma perdida, é por isso que estamos procurando sobre seu passado.

Não voltamos a nos falar depois disso.

Duas semanas depois, Caroline encontrou sua primeira sereia.

Tinha longos cabelos rosados, como algas. Sua pele era de um tom violeta e sua cauda… era rosa, mas transparente, como uma água-viva. Seus olhos eram roxos, quase negros.

Elas se encararam por alguns minutos, a criatura pareceu tentar se comunicar nesse tempo.

— É humana? — Coraline balançou a cabeça negativamente.

— Sou Coraline — informou com um sorriso solitário.

— O que é uma Coraline? — A sereia a olhava, cheia de desconfiança.

— Apenas eu. Procuro pelo passado de Moros.

— O deus dos humanos? Infelizmente, para você, ele não me interessa — e nadou para longe, Coraline tentou acompanhá-la, mas não era tão rápida. Nem nadava tão bem, ainda.

Você irá encontrá-la novamente, se seguir para o leste.

Deveria mesmo reencontrá-la? Poderia procurar por outra sereia. Uma menos…

Cretina?

Coraline riu da palavra, embora não soubesse exatamente o que ela significasse. Algo dentro dela se sentia desconfortável ao conversar com Cecille, ela tinha ciência de que sua criadora sabia disso, mas… talvez aquele muro entre elas logo desaparecesse.

Ela desejava que desaparecesse.

Foi em um recife de corais que, meia hora depois, Coraline reencontrou a sereia cretina. Ela agora estava ao lado de uma amiga.

— Olhe, lá está a… Coraline. Ela fala a língua dos homens, mas não é uma mulher. Esquisita, não é? — A sereia ao seu lado tinha a cauda semelhante a de um tubarão, mas branca. Seus cabelos estavam presos com algumas estrelas no mar, conforme ela se movia, seu cabelo parecia espuma. Ela não tinha o olhar cruel e sarcástico de sua amiga, pelo contrário, nadou rapidamente até Coraline e segurou suas mãos.

— Nossa, você é fantástica! — Os olhos prateados brilhavam, como duas pérolas perdidas no oceano. — Não ligue para Psiion, ela é um pouco chata mesmo.

— Eu não sou chata! — gritou, em protesto, seus dentes tornando-se afiados por poucos segundos.

— De onde veio? — A sereia alva questionou. Coraline não sabia ao certo como soltar suas mãos sem parecer rude. As duas criaturas pareciam maiores que ela e mais amedrontadoras e, de algum modo, ainda assim era capaz de se sentir confortável.

— De Cecille. — Por alguma razão, pode ouvir a risada de Cecille em sua mente.

— É uma ilha? Não conheço. Os homens estão sempre mudando o nome de tudo. É muito longe daqui? — Finalmente, a sereia branca soltou suas mãos. Coraline apertou seu próprio ombro, constrangida com todo aquele interesse em sua vida.

— Um pouco… estou em uma missão. Preciso saber mais sobre o passado de Moros. — As duas sereias trocaram olhares, a de olhos arroxeados fez um gesto impaciente.

— Já disse, ninguém aqui se importa com esse daí. As sereias acabaram se esquecendo dele, só as mais velhas sabem. Se quer tanto saber, devia procurar por Phalyss, ela vive aqui perto, afinal. — Pelo sorriso que se seguiu, aquela não parecia uma boa ideia.

— Pare de perturbar Coraline! Sabe muito bem que a Phalyss não gosta de ver ninguém. Provavelmente vai matá-la, se ela for!

— Exatamente! — Psiion riu abertamente, o que fez com que Coraline se afastasse um pouco.

— Ora, não vá! Veja, é um pouco verdade o que Psiion disse, ninguém aqui se importa muito com Moros… mas eu sei algumas coisas sobre ele! — A sereia branca bateu palmas, animada.

— Boatos! O que você sabe, Syria? — Ela parou de rir imediatamente e lançou uma expressão carrancuda.

— Ora! Eu sei o que todo mundo sabe, não? Moros foi o primeiro filho de sereia! Quando os homens atravessaram o oceano pela primeira vez, antes do Kraken proibir isso. — A outra sereia balançou a cabeça negativamente, irritada.

— Não, não! Está tudo errado. Moros era filho de uma Undine! — Syria abriu a boca, espantada.

— Mas você só fala bobagens? Moros se apaixonou por uma Undine! E sim, aquela Undine! A última Undine viva! — Os animais ao redor começaram a parar para olhar, confusos com aquela situação. Demorou um par de segundos para Coraline perceber que as duas sereias estavam gritando. Então é por isso, ela pensava, que os animais estão se aproximando. Pelas curtas conversas que tinha com Cecille, descobriu que, em situações normais, sereias eram criaturas donas de uma união invejável.

Parando para pensar…

De fato, duas sereias brigando deve ser algum tipo de evento extraordinário.

Entretanto, nem tanto, os animais logo fugiram. Estariam com medo da briga cujo tom aumentava a cada nova palavra?

— Eu não acho que ela esteja realmente viva. Nunca a vi. Além disso, Moros não é diferente de nenhum outro humano. — a sereia cruzou os braços e virou o rosto, como se não quisesse mais continuar com aquele assunto.

— Fazer julgamentos sem conhecer é algo… perigoso. — Coraline não viu a origem da voz, mas pode suspeitar que era algo temível. As sereias empalideceram. — Por que estão falando a língua dos homens?

— Ah… é… ela, ela não fala outras línguas. — Syria começou a dizer, mas foi prontamente interrompida por Psiion, que agarrou seus ombros, como se quisesse usá-la como escudo.

— Ela não é uma sereia, Phalyss! É uma estrangeira. — Mesmo com seu corpo sendo contra isso, Coraline virou-se lentamente. Era a primeira vez que experimentava uma sensação de vulnerabilidade tão grande. Será que morreria? Não, pensou, Cecille não me deixaria morrer aqui.

De início, não sabia dizer para o que estava olhando. Era como se toda a luz tivesse desaparecido do mundo. Ela conseguiu ouvir levemente a movimentação das outras duas sereias, que fugiram. Foi então que ela viu a luz. Uma luz tão frágil, tão bela… era quase um convite para tocá-la…

Não toque.

Era a voz de Cecille.

Diga porque está aí. Seja firme.

— Eu me chamo Coraline. Preciso saber sobre o passado de Moros.

— Ah… mas precisa mesmo? — O rosto surgiu. Não era belo, como deveria ser. Um dos cantos da boca estava rasgado, deformado, sua pele era de um azul acinzentado. Além disso, havia algo estranho nos olhos de Phalyss…

— Sim — afirmou, com simplicidade. Aos poucos, Coraline era capaz de perceber o que havia acontecido com a luz ao seu redor: cabelo. O cabelo de Phalyss cobria as duas, como num casulo.

— E por qual motivo, se me permite perguntar…? — A pequena luz continuava a iluminar precariamente o rosto da sereia. A face da morte, Coraline pensava. Por quanto tempo mais ela ainda a contemplaria?

— Cecille quer salvar o destino dos homens. Ela quer libertá-los.

— Então… não poderei permitir… afinal, foi Moros quem sempre nos protegeu da podridão dos humanos. — A luz subitamente se apagou.

Coraline, fuja!

Mas ela já estava nos braços da sereia, que a puxou sem piedade até o fundo do oceano.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.