Liliam não carregava nada em mãos, apenas usando seus olhos assustadores como arma perfeita para me encher de medo – bom, mais do que eu já estava. Eu simplesmente não conseguia me mover, estava sentada no chão gelado do corredor encostada em uma parede ainda tentando retomar o fôlego. Claro, eu não conseguiria fazer isso, pois o medo que eu sentia naquele momento não me permitia respirar direito.

A imagem de Lilian a poucos metros de mim com um olhar assassino deixava-me sem pensamentos racionais, apenas um instinto de sobrevivência dizendo-me para correr logo dali.

E por um momento, eu precisava mesmo fazer isso.

Bem lentamente, forcei meu corpo a se levantar do chão para ficar no mesmo nível de Liliam, claro, apenas como uma forma de não me sentir mais vulnerável do que já era. A velha era apenas alguns centímetros mais baixa que eu, mas isso já fora o suficiente para que um pouco de meu medo se esvaísse.

- Achou mesmo que eu a deixaria escapar? – repetiu ainda fitando-me sem ao menos piscar. – Pode até ter conseguido enganar um de meus seguranças, mas eu, é um caso muito diferente. – ela veio até mim, lentamente, porém já foi capaz de me fazer arrepiar.

Ok, o que diabos eu estava fazendo? Estava mesmo com medo daquela... daquela velha? Não! Eu já estava cansada de ser sempre a medrosa, a que tem que se esconder! Estava na hora de agir, de começar a ser a pessoa quem acabaria com aquela brincadeira, ser finalmente a que eu sonhei, a que colocaria um fim nos planos da psicopata que conseguira detonar minha vida.

Estava na hora de agir.

- Parece que não, porque há minutos atrás você realmente achou que eu entregaria a fortuna da minha família! – eu praticamente cuspi as palavras em Liliam, porém o melhor de tudo naquela cena foi sua expressão surpresa ao perceber que eu já sabia sobre a fortuna ser minha e não dela.

- Como descobriu? – havia um pingo de aflição em sua voz, indicando sua surpresa por minha descoberta.

- Quando colocou eu e Sam atrás da fortuna, descobri que havia mais alguém de sua família vivo. Mas como ele não possuía nenhum tipo de pista, acabei chegando a uma conclusão: por que meu pai lutaria para achar algo que nem sequer pertencia a ele. Apenas se o dinheiro não fosse de sua família. – sorri de lado. – E sim dos Overton. Meu pai procurava o dinheiro, pois sabia que tudo pertencia a ele, mas... – a fuzilei com os olhos. – Você o impediu antes disso.

Eu realmente não esperava a reação a seguir de Liliam. A verdade, eu esperava que ela morresse de medo de ser entregue à polícia como assassina e sequestradora de alunos inocentes, entretanto, Liliam apenas começou a gargalhar de uma forma maldosa, quase como se eu tivesse contado alguma piada muito engraçada.

Confusa, franzi o cenho me sentindo desconfortável por sua gargalhada soar tão sarcástica e irônica.

- Querida, acha mesmo que ser “corajosa” agora vai mudar alguma coisa? – disse ela com a voz carregada de sarcasmo. – Se você morrer agora mesmo, a única prova que terão contra mim será as palavras de seus amigos e as lágrimas do seu namoradinho! Acredite, aquela mulher que você chama de mãe não sentirá sua falta! Ela nem sequer liga se você está bem ou não por aqui! – ela ainda ria, o que foi bom, pois não percebia as pequenas lágrimas que escorriam de meus olhos. – Ninguém sentirá sua falta, nem mesmo sua mãe! Então, vamos resumir o que terá que acontecer e pronto! Morra de uma vez para não dificultarmos as coisas.

Eu sentia as lágrimas inundando meus olhos, mas não queria deixa-las escaparem. Ela... como ela tinha a audácia de dizer que minha mãe não se importava comigo? Meu pai disse que minha mãe me amava e queria minha segurança acima de tudo e a palavra dele significava muito mais. Cerrei meus pulsos tentando me controlar, pois a qualquer segundo, eu acabaria matando aquela velha, mas precisava me concentrar no que faria, coisa que estava se tornando impossível.

- Eu não vou me entregar, Liliam. – falei com a voz entrecortada, mas forte o suficiente. – Poso fazer qualquer coisa, mas jamais vou me entregar. Pode até ser que minha mãe não dá a devida atenção a mim, porém ela se importaria se eu morresse. Eu tenho amigos nesse exato momento correndo pelo internato, provavelmente tentando me encontrar, e eles se importam comigo. – arqueei uma sobrancelha, de modo que pareci certa do que faria a seguir. – Seu plano não vai dar certo, Liliam. O final dessa história não vai ser comigo morrendo, acredite.

Ela já estava em plena fúria, praticamente bufando e pronta para me atacar. Exatamente o que eu esperava, pois já tinha um plano em mente. Sem hesitar, ela veio rapidamente em minha direção arrancando uma faca escondida por baixo de sua blusa. Claro, esperei que ela chegasse mais perto e desviei no momento certo, fazendo-a acertar a ponta da lâmina bem no centro da parede onde eu estava encostada. A faca ficara presa na parede, impedindo-a de continuar a tentar me matar. Soltou um urro alto de ódio puxando a faca com muita força, porém sem nenhum resultado. Preparei-me para correr, mas quando estava prestes a sair dali, ouvi a faca sendo arrancada da parede e arrancando alguns pedaços da parede.

- Você não vai escapar! Consegui matar seu maldito pai e você vai ser a próxima, Melanie! Sua merda de família só consegue me atrapalhar, mas isso não vai acontecer de novo, eu vou arrancar seu coração do seu peito com as próprias mãos! E depois, seus amiguinhos!

Senti uma de suas mãos alcançando meu braço e puxando-o para trás com força. Não aguentando a pressão de seus dedos em minha pele, acabei sendo virada para trás a tempo de ver apenas a faca indo em direção ao meu rosto. Consegui desviar a tempo, porém não o suficiente, pois fui atingida na bochecha, ficando com um belo corte à mostra. Segurei seu pulso antes que ela conseguisse me atingir novamente e a empurrei contra a parede.

Por sorte eu era mais forte que Liliam, se não, estaria com a faca fincada em meu peito.

Ela conseguiu, de alguma forma, escapar de minhas mãos jogando-me no chão de costas com muita violência. Com a batida, senti que um ferimento já se formara em minha pele do braço, ainda mais porque ela fazia pressão para que ambos permanecessem para trás de meu corpo. Meu corpo atingiu o chão com um baque alto, tanto que senti como se um de meus ossos estivesse fora do lugar, arrancando-me um grito vindo do fundo da garganta.

Lilian pareceu feliz com meu grito de dor.

Com uma força que sugira do nada, consegui empurrar seus braços para longe e levantei-me rapidamente me preparando novamente para correr dali.

Nunca achei que correria tão rápido. Eu sentia o vento atingir meu rosto à medida que aumentava a velocidade, até um momento que encontrei a porta de saída do dormitório feminino. Sai de lá de dentro o mais rápido que pude e corri até o único lugar daquele inferno em que eu me poderia fugir de Liliam – a quadra de futebol. Liliam nunca iria para lá, pois com certeza pensava que eu acharia óbvio demais.

Quando consegui encontrar o piso da quadra, joguei-me logo abaixo da pequena arquibancada tentando retomar o fôlego. Era escuro ali, o que era perfeito para o momento. Liliam não me encontraria ali. Encolhi-me sentindo o frio de Londres me congelar por dentro, pude sentir que a temperatura diminuíra muito mais agora que eram altas horas da manhã, e por isso, meus dentes batiam um no outro, provando que eu teria um belo de um resfriado ao sair dali.

De forma repentina, senti uma mão tapando minha boca no mesmo instante que queria abrir os lábios e gritar. Comecei a me debater ao achar que Liliam me pegara, aquele era o fim, ela conseguira. Eu estava morta!

- Shh... fique quieta. – abri os olhos ao sentir os lábios macios e quentes de Sam tocando meu ouvido quando ele falara. Ele estava ao meu lado, os olhos assustados e o cabelo totalmente bagunçado. – Ela pode estar aqui perto.

- Sam! – falei um pouco baixo, mas mesmo assim isso o fez me repreender. Pulei sobre ele desfrutando de um abraço apertado, por um momento, eu realmente pensei que o havia perdido, mas lá estava ele, ao meu lado. – Meu Deus, eu achei... eu achei que... ah, esquece! Você está bem? Por favor, aqueles caras não fizeram nada com você?

- Não, eu estou bem, Mel. – ele tirou uma mecha de meu cabelo que caia sobre meus olhos. Mesmo no escuro, pude ver o brilho intenso de seus olhos negros. – Eu e Roman atingimos um na cabeça, acho que esse não acorda mais. E Jes... ela também acertou um, mas desapareceu. – ele suspirou. – Roman e eu nos separamos para encontrar vocês duas e ele sumiu também. Estava o procurando quando encontrei você aqui.

- O que vamos fazer, Sam? – falei apertando-o mais contra mim. Olhei por entre uma fresta dos bancos da arquibancada e pude ver que nevava um pouco, mas fiquei feliz em não encontrar Liliam por ali. – Temos que encontrar os outros e... os alunos que Liliam sequestrou.

- Eu sei... – ele abaixou os olhos. – Vamos tentar encontrá-los de manhã. Mas agora, precisamos achar um lugar quente para passar a noite, se ficarmos aqui, podemos ficar com hipotermia. – ele me apertou um pouco mais. – Vamos antes que Liliam nos encontre aqui.



Conseguimos pular o muro do internato mais uma vez sem que ninguém nos visse, bom, por sorte. Como da última vez, Sam e eu ficamos um pouco machucados, mas nada que pudesse nos impedir de continuar andando. Ficamos andando no frio por algumas horas e naquele bosque ao lado do internato, parecia um bom lugar para encontrar algum lugar longe o bastante do olhar assassino de Liliam.

- Ouviu isso? – disse Sam, parando-me com o braço esquerdo. Arqueei as sobrancelhas tentando escutar o que o havia alertado, até que ouvi o som de passos muito próximos de nós. Senti um pouco de medo e por isso, me agarrei ao braço de Sam.

Mas então, Jes e Roman apareceram de trás das árvores. Eles estavam pálidos e com os lábios muito roxos, claro, corri até eles mal acreditando que estavam bem.

- Não acredito que os encontramos!! – falei. – Onde estavam? Como conseguiram sair do internato?

- Ei, calma, Melanie! – repreendeu Roman. – Pulamos o muro como vocês fizeram da outra vez. Estamos andando por aqui há algum tempo também atrás de vocês. – ele passou as mãos uma na outra tentando esquentá-las. – Achamos uma cabana aqui perto, está vazia e tem uma lareira. Vamos para lá antes que vocês congelem.