Os terrenos do palácio de Astora eram repletos de jardins. Fileiras inteiras de flores, arbustos, sebes, perdidas entre caminhos e fontes. Os pássaros cantavam, procurando comida debaixo das árvores frutíferas que se curvavam em direção ao solo sob seu peso. Parecia um paraíso, o auge da Era do Fogo representado dentro das muralhas do castelo.

Não importava quantos criados estivessem por perto para cuidar da vegetação, ainda era possível alguém encontrar um lugar para ficar sozinho com seus pensamentos, enquanto observava a beleza viva, as plantas e os pássaros.

Um homem descansava no gazebo branco no centro do jardim remoto. Seu cabelo loiro era raspado curto, seus olhos azuis olhavam vazios para o nada e sua pele clara tinha uma palidez doentia. Ele estava vestido com seda fina, indicativa de posição e status, embora sentisse falta do peso reconfortante de suas roupas simples de Cavaleiro. Ele agarrou a cadeira em que estava sentado como se tivesse medo de cair.

Oscar sentiu outro ataque de tosse chegando. Pelo menos ele não tinha mais nada no estômago para jogar fora.

A doença parecia tão despreocupante no início. Uma fraqueza nos músculos, não muito diferente da dor após um longo dia de treino. As semanas se passaram, porém, e a situação só piorou. Os espasmos se seguiram, depois a falta de ar evoluiu a ponto de ele mal conseguir reter o que tinha dentro dos pulmões. Através dos acessos de tosse, os médicos suspeitaram de febre sanguínea, mas os tratamentos habituais não produziram resultados. Eles tentaram retirar a doença, sangrando-o lentamente ou prescrevendo remédios que o faziam vomitar. Isso só fez Oscar se sentir humilhado, pois a doença persistia. Ele estava no fim da linha. Não aguentava mais. No fundo, todos sabiam: este poderia ser o fim dos príncipes.

"Imaginei que te encontraria aqui." Uma voz masculina murmurou, rouca, atrás dele. Oscar mal se virou, pois sabia quem era.

O outro homem era exatamente igual a ele e estava vestido de maneira semelhante. Seu irmão gêmeo, Ricard.

A doença que afligia os dois começou quase ao mesmo tempo. Os criados falavam em voz baixa: era algo que que estava em seu sangue. Ninguém queria dizer isso abertamente e correr o risco de insultar a linhagem do rei governante.

Ricard se aproximou, segurando-se nas colunas do gazebo.

"Você andou até aqui?" Oscar perguntou, com uma risada. "Eu tive que ser empurrado em uma cadeira de rodas."

"Ótimo, então tenho o direito de me gabar." Ricard respondeu - mas ao se sentar ao lado do irmão, soltou um suspiro de dor, praticamente se jogando na cadeira.

"Você devia estar na cama." Oscar observou.

"Sim, você também devia. Mas adivinha?" Ricardo cruzou os braços. "Não vou passar meus últimos dias numa maldita cama."

Oscar assentiu. Ele olhou para o céu, imaginando quanto tempo levaria até que ele estivesse fraco demais para vê-lo novamente. Ele odiava pedir a ajuda dos criados para se movimentar, mas era isso ou a cama. E pelo menos o médico real ainda achava que o ar fresco lhes fazia bem.

"Realmente são nossos últimos dias, hein?" Ele murmurou.

"Não estou muito preocupado." Ricard riu – o que se transformou em tosse. "Todo mundo está transformando em mortos-vivos ultimamente. Podemos ter sorte."

"Você chamaria isso de sorte?" Oscar ergueu uma sobrancelha.

"Com certeza. Na verdade, estou ansioso por isso." Ele respondeu. "Pense bem, irmão. Mortos-vivos não podem governar. Seríamos dispensados ​​de nossos deveres reais! Poderíamos ser aventureiros, como sempre sonhamos."

"A linhagem do nosso Rei termina conosco." Oscar grunhiu. "Será que ele vai ficar desapontado?"

"Se um pai está decepcionado com seus filhos por morrerem, talvez ele devesse ser substituído como rei." Ricardo fez uma careta. "Existem outros príncipes. Existem outras famílias. Astora ficará bem."

Ricard sempre fora a ovelha negra. A realeza que agia como um camponês. Oscar era elogiado por ser o mais nobre, mas admirava isso nele, faltando confiança para ser o mesmo. A ideia de abandonar seus deveres reais – ou ser forçado a abandoná-los – caso a Maldição o reivindicasse, o fez franzir a testa. Por outro lado, a liberdade...

"Se eu me tornar um morto-vivo, viajarei pelo mundo." Ricard sorriu, cansado. "Vou visitar as outras nações. Thorolund, Carim, Zena, Vinheim."

"E se você não se tornar?" Oscar perguntou.

"Então me faça um favor e me enterre em algum lugar bonito. Talvez um jardim, como este." Ele zombou.

Oscar olhou para ele, com as mãos unidas. Se havia um lado bom para tudo, até mesmo para aquela aflição bastarda, é que os dois haviam se aproximado nos dias perante suas mortes. Caso contrário, o nobre príncipe nunca teria feito a pergunta que saiu hesitante de seus lábios.

"Você não está com medo...?"

Como Cavaleiro e um dos muitos Príncipes de Astora, a morte era um risco ocupacional. Mas estar realmente com o pé na cova, que dolorosamente se abria para recebê-lo, o deixava assustado. Ele se envergonhava desses pensamentos, e ainda assim...

"Deuses. Sim, eu estou." Ricard respondeu, oferecendo-lhe um sorriso cansado. "Não há como fingir. Este é o maior medo que já senti."

Oscar assentiu, num acordo sombrio. Mas seu irmão não havia terminado.

“Mas o medo é humano e isso nos lembra que ainda seremos humanos quando morrermos.” Ele disse. "Somos Cavaleiros. Temos nossa honra, não importa os obstáculos no caminho."

A maldição dos Mortos-vivos havia tomado muitos. Oscar perdera amigos, servos, civis e companheiros Cavaleiros. Boas pessoas, mandadas aos os asilos podres nos confins do mundo, devido ao pânico dos Ocos. Cada nome, Oscar ainda carregava consigo. Seus nomes acenderam uma chama em seu coração, que junto com as palavras de Ricard, aqueceram o medo.

“Se eu me tornar um morto-vivo, ainda cumprirei meu dever.” Oscar disse, com firmeza – tão firmemente quanto podia com sua voz cada vez mais fraca. "Um dever para com minha nação e para comigo mesmo. Serei o Morto-Vivo Escolhido."

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.