O Festival Das Flores

O Festival Das Flores - Capítulo Único


Eu já estava inquieto.

Não sei ao certo o porquê.

Talvez pelo aglomerado de pessoas que se apertavam e enchiam o lugar com uma quente e constante conversa, como poeira levantando do chão. Para onde quer que se olhasse era possível ver homens e mulheres falando sem parar, gesticulando muito ou não. Uma total bagunça...

E de repente, uma luz. Lá, bem ao centro do palco.

E com ela, Nezumi.

Se antes eu estava distraído, agora com certeza não estava mais. Não conseguia – e nem queria – tirar os olhos de Nezumi em cima do palco. Ele me chamava e me hipnotizada, meus olhos atentos a cada mísero movimento seu, que era executado com a mais pura elegância; parecia que ele podia flutuar, o tecido de suas longas e belas vestes obedecia-lhe e se espalhava num gesto, caindo-lhe com os braços em outro, acalentando suas alvas e perfeitas mãos que eram levadas ao peito entre uma fala e outra. Era incrível — e até assustador — como ele incorporava bem seus papéis. Uma vez ou outra o via subir sobre a cama e recitar algumas falas, embora ele não levasse o gesto a sério e o fizesse apenas para me mostrar o quanto eu não respeitava a pontuação e lia as linhas como se fosse um robô, em uma voz sem vida e até desafinada.

Bom, talvez isso fosse verdade, mas eu poderia usar suas palavras contra si e pedir para que me ensinasse a fazer direito. E com certeza eu pediria. Mesmo que fosse para levar um grande “não” ou até mesmo um croque na cabeça. Daqueles bem doídos.

Se eu pudesse subiria em algum banco ou afastaria aquelas pessoas para que pudesse ter a melhor vista do palco. Bom, talvez eu fosse um pouco mais ambicioso. Coisa que, segundo Rikiga-san, eu não era.

Meu verdadeiro desejo era ter aquele lugar só para mim. Ou melhor, para nós. Um lugar onde eu poderia estar com Nezumi a todo o momento. Vê-lo sorrir, chorar, dizer coisas apaixonantes ou até mesmo severas, porém sempre com uma voz que entrava por meus ouvidos e alojava-se em meu cérebro, para que eu pudesse repeti-la em minha mente por quanto tempo quisesse.

Para sempre, por exemplo.

Nezumi ia e vinha, enchendo o ar com a mais bela canção que era possível de ser cantada. E meus olhos o seguiam, o miravam, e meu coração se aquecia, causando-me uma sensação boa, de paz. Daquelas que só ele me fazia sentir.

Se por um acaso ele me pegasse olhando-o tão fixamente deste modo com certeza me chamaria de estranho, ou de pervertido. Mas o que eu podia fazer? Felizmente eu não era o único ali completamente extasiado com a peça; todos ao meu redor com certeza, nem que fosse por um breve momento, estavam sentindo algo bom em seus corações. Como um breve descanso para a alma, algo que reacendesse esperanças já apagadas e enterradas pelo terror e desespero que era possível sentir por aquelas ruas frias e solitárias.

Outra música iniciou-se e, com ela, Inukashi fez um comentário, com os ombros brevemente trêmulos.

“... A canção do enterro... Ele a cantou quando minha mãe faleceu...” ela disse, enquanto meus olhos iam de seu rosto para o de Nezumi enquanto a dita canção parecia envolver-me. Em resposta algo dentro de mim contorceu-se em dor, senti meu peito pesado, embalado pela triste melodia que saía dos lábios do ator. Sua face era também sofredora, embora seus gestos sugerissem uma caminhada que era feita independente do fardo pendurado nas palavras que desabrochavam pelo ar.

Por um momento parecia que Nezumi estava contando – ou melhor, cantando – sua própria história. Seus olhos percorriam os rostos que lhe admiravam, elevavam-se às estrelas, caíam por terra, mas nunca se fechavam. Nunca desistiam de buscar o caminho por esta sinuosa e hostil estrada. Eu, mais do que tudo, quis ser mirado por aqueles olhos. Quis ser a luz que os guiaria para fora desta névoa sufocante e turva; quis ser o descanso para sua alma.

Mas eles próprios pareciam luz. A mais bela delas.

Luz que por sua vez guiava a mim; Tanto guiava que eu imitava seu caminho, também elevando meu olhar às estrelas, ao chão, e para frente. Bem irônico isso.

E então – e infelizmente – fez-se anunciada a última canção.

Uma canção para aqueles que acreditam no que está por vir”.

Aquilo me prendeu. Novamente. Meu coração pareceu pular no peito, como se respondesse a um estímulo que eu nem sabia de onde vinha. E então pude escutar, pude ver as mãos de Nezumi levantando-se, juntamente com seus olhos, para o céu...

E vi flores dançarem pelo ar.

Pétalas de todas as cores e formatos, aos montes, aos milhares, desceram sobre mim, sobre todos. Como uma bênção.

A canção do Festival das Flores. Eu mal podia acreditar. Era realmente ela! Ali, cantada por Nezumi. Levei as mãos ao peito, tentando conter aquele sentimento que parecia transbordar de dentro de mim, envolvendo-me na melhor e mais pura das coisas; é claro que não consegui conter coisa alguma, mas estava tudo bem. Por Nezumi – e graças a ele – eu poderia encher este lugar inteiro com este sentimento que fluía bem aqui entre minhas mãos.

E seríamos nós dois ali, voz e sentimento, canção e história.

Flores e Festival. O Festival da Primavera.

Ops, quer dizer, o Festival das Flores.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.