A noite era silêncio.

Não se escutava nenhum ruído onde, ao fundo, a silhueta trémula do Templo da Lua dominava a paisagem. As águas do lago estavam calmas e não havia o marulhar habitual junto às plantas aquáticas.

Nisto, houve algo que se alterou. Um raio de luz muito claro desceu do céu e beijou a terra junto ao lago.

Um milagre.

Aos poucos foram surgindo braços, pernas, cabeças. Pessoas confusas saíam da terra escura, a piscar os olhos como se acabassem de nascer.

Mas não nasciam. Renasciam.

Ao perceber o que estava a suceder, rejubilaram. Abraçaram-se uns aos outros, festejaram o reencontro com uma felicidade incomensurável, a interrogarem-se sobre o que teria acontecido para sentirem novamente nos corpos o fluxo quente da vida.

O Sumo-sacerdote postava-se numa pequena elevação de terra, rodeado pelos devotos seguidores. Os monges e os sacerdotes beijaram-lhe as mãos.

- Sumo-sacerdote, o que foi que aconteceu?

- Não sei, meus filhos. Uma dádiva da Deusa Suprema da Noite, talvez... De qualquer modo, devemos estar agradecidos.

- Hai, estamos vivos. É maravilhoso!

O ancião deitou um olhar lânguido para a margem oposta do lago, as manifestações de felicidade calaram-se.

- O Templo da Lua – murmurou um dos sacerdotes.

- Zephir! – Exclamou outro sacerdote refreando a ira.

A voz do Sumo-sacerdote era magnificente:

- Meus filhos. O traidor permanece entre os muros daquele lugar sagrado, a julgar que a Deusa Suprema da Noite vela por ele. Mas Ela já o abandonou há muito… Zephir não o sabe, mas vai pagar cara a sua desobediência. A Deusa não tolera a traição.

O Sumo-sacerdote virou costas ao templo, encarou a floresta.

- Já não temos mais nada a fazer aqui. Devemos partir, abandonar este lugar…

- E deixar o Templo da Lua nas mãos daquele herético? – Perguntou um sacerdote mais arrebatado.

- Meus filhos, nada temais. O castigo de Zephir chegará… Por enquanto, a Deusa não irá atuar pela nossa mão e nem estamos em condições de derrotar o proscrito. Continua poderoso, ajudado pela magia maléfica que nos derrotou e que nos deixou abandonados na terra escura. Mas lembrem-se, a Deusa irá cobrar o seu preço. A Terra está protegida…

- Os guerreiros das estrelas – murmurou um velho sacerdote.

As vozes calaram-se.

- Só depois… poderemos regressar.

A procissão aprontou-se, o caminho fora escolhido.

Nisto, escutou-se a voz de um monge:

- Não estou a ver Toynara.

O Sumo-sacerdote respondeu com gravidade:

- O destino de Toynara é diferente do nosso.

Começou a caminhar e foi seguido pelos sacerdotes e pelos monges. Embrenharam-se na floresta e diluíram-se mansamente nas suas sombras.

E a noite voltou a ser silêncio.