O canto dos pássaros anunciava a chegada da manhã.

Despertei, esgueirando-me do sono como se fosse plasticina mole a escorregar através de um funil. Não abri os olhos, deixei-me ficar naquele pequeno prazer, preguiçando, gozando mais alguns instantes deitada, até me escoar por completo pelo funil.

Tateei o colchão, encontrei-o. Ouvia o leve ressonar dele, dormindo ao meu lado. Sorri, ainda de olhos fechados. O meu coração começou a bater. Aproximei-me. Percebi que estava deitado sobre o lado direito. Abracei-o, enterrei o nariz na nuca dele, cheirei-lhe o suor, estremeci com aquele perfume masculino que penetrava no meu cérebro e acendia o desejo, apesar de me confundir por me parecer diferente, pois já tinha passado com ele uma noite inteira dentro de um carro e ele não cheirava assim no início do dia, ou talvez fosse porque estávamos noutra dimensão e aquele aspeto que para mim era de desenho animado teria aquele cheiro.

Ele mexeu-se, deixou de ressonar.

Estreitei o abraço. A minha mão pousava no peito maravilhosamente desenhado, forte, onde eu sentia o seu coração bater, arrepiando-me toda. Queria que estivesse a sonhar comigo.

Ele acordou. Senti-o estremecer, primeiro, enrijecer, depois. Surpreendera-se com a minha proximidade.

Animei-me. Iria ser ousada. Mordi o lábio inferior, tentando controlar a respiração. Eu estava ainda de olhos fechados.

Os meus dedos passaram pelo esterno, desceram até ao início do estômago. Continuava rijo, como se me abraçasse a uma estátua de pedra. Senti todas as curvas dos músculos abdominais, desenhei-os um por um. Ele começou a arfar, ao perceber que a minha mão, dotada de um atrevimento que até a mim me envergonhava, descia cada vez mais. Encalhei no umbigo, explorei-o languidamente. A seguir, senti o cós das calças, os dedos forçaram o tecido.

A mão dele apanhou a minha, travou-me o intento.

- Ana-san… Sou Son Goten.

Esbugalhei os olhos. A primeira coisa que vi foi a cabeleira negra desgrenhada.

- Podias… soltar-me? – Pediu-me.

Mas ele também me estava a prender, segurando na minha mão com medo talvez que tivesse vida própria e que fosse até ao fim da exploração.

- Tu dormiste comigo? – Soprei.

- Trunks também dormiu aqui… Só há um colchão.

- Mas ele não está.

- Já se deve ter levantado. Podias soltar-me... Onegai shimass?

O cheiro dele tentava-me, fazia-me tremer. Procurei engolir a saliva que tinha dentro da boca. A garganta doeu-me. Dei um ligeiro puxão ao braço. Ele percebeu e libertou-me a mão. Deitei-me de costas, ele saltou do colchão, tão rápido como uma lebre assustada. Despiu a túnica rasgada, retirou qualquer coisa do baú, abriu a porta da cabana e saiu para o exterior.

Com um rangido, a porta balançou e ficou encostada. A luz do sol e o cheiro delicioso de uma primavera a desabrochar ficaram a pairar na faixa de claridade que a porta deixava passar.

Abri os braços e as pernas, estendendo-os no colchão.

Que situação embaraçosa! Abraçara-me a Goten, acariciara-lhe o torso, quase que ia demasiado longe, mas o que era mais censurável era que tinha gostado. Sorri. Havia qualquer coisa naquele rapaz profundamente tentador. Talvez fosse o sangue saiya-jin, talvez fosse o seu acanhamento.

Levantei-me, bocejando. A minha barriga encolheu-se de fome. Descobri três maçãs na prateleira situada por cima do baú. Agarrei numa e dei-lhe quatro dentadas, engasguei-me ao engolir depressa, estava faminta. Inspecionei, a seguir, o interior do baú que continha peças de roupa atiradas lá para dentro sem qualquer cuidado, tudo embrulhado e amarrotado, parecendo trapos.

Olhei para mim. Ainda vestia a sweat azul por cima da camisa sem botões, umas calças de ganga e calçava meias com os sapatos oferecidos por Mr. Popo. Resolvi trocar de indumentária, para ficar mais apresentável. Vesti a t-shirt que Trunks usara no dia anterior, eu continuava sem soutien. Escolhi as calças mais pequenas que encontrei no baú, atei-as com um cinto branco de pano. Utilizei outro cinto da mesma cor para prender os cabelos, enrolando-o em redor da cabeça como se fosse um lenço. Procurei por todos os cantos, mas não encontrei nada com que me pudesse lavar. A bacia junto do colchão tinha o fundo forrado de pó. Talvez existisse um riacho perto ou coisa do género. Enquanto me arranjava, comi as três maçãs.

Saí da cabana.

A paisagem das montanhas em plena luz do dia era deslumbrante. Um verde viçoso decorava a terra, as árvores espalhavam sombras deliciosas, o vento cantava nas ramagens em coro com os pássaros.

Procurei pelo riacho. Acabei por encontrar Trunks e Goten.

Os dois conversavam e não deram pela minha aproximação. Escondi-me atrás de um arbusto, fiquei a admirá-los, uma cena tirada de “Dragon Ball”, exclusiva e só minha, um tesouro ciosamente a reter.

Trunks sentava-se em cima de um tronco caído onde, no extremo mais afastado, brincavam esquilos. Vestia o dogi de Son Goku, uma túnica verde apertada com um cinto branco e umas calças azuladas. Goten sentava-se no chão, de frente para o tronco, apoiando-se nos braços, pernas ligeiramente abertas. Vestia uma túnica igual à de Trunks, as escolhas do baú eram limitadas, mas as calças eram as que usava no dia anterior.

Trunks falava e ele escutava.

- O verão é uma loucura, foi a melhor época que passei lá. Existem praias fantásticas, noites inesquecíveis. Festas, música e bebida a rodos. Raparigas de todo o lado… Dispostas a festejar contigo o verão. E depois, tinha os meus amigos. O mais tresloucado chamava-se João. Havia também o Pedro que rivalizava comigo em termos de conquistas femininas. Acho que conseguiu sair com tantas raparigas como eu. Tinha jeito para elas… Sabia dizer as coisas certas e elas consideravam-no bonito. Não era tão bonito quanto eu, claro.

- E o que é que fazias para te divertires?

- Oh!... Bebia até cair. Nunca bebi tanto na minha vida.

- Mas… E assim divertias-te?

- Estava destroçado porque pensava que te tinha matado. As recordações poderiam ser melhores se não existisse essa mancha. Mas em retrospetiva e sabendo que não aconteceu como pensava, vejo que até foram dias memoráveis. De excesso. Nunca mais irei voltar a fazer o que fiz, pelo que posso dizer que experimentei o lado selvagem da vida. O meu pai detestava as minhas atitudes, perseguia-me.

- Vegeta-san?

- Hai! É divertido pensar nisso agora. Apareceu algumas vezes nas minhas festas e eu tentava expô-lo… Houve uma ocasião em que o apresentei à rapariga que estava comigo como um príncipe. Sabes o que foi que ele me fez?... Deu-me um soco nos queixos!

Goten soltou uma gargalhada, Trunks também se riu.

Respirei fundo, escondendo-me mais no arbusto. Senti-me uma intrusa. Eu era uma dessas raparigas do verão de loucura. Que direito tinha eu em estar ali, penetrar no sonho, existir num mundo que não era o meu? Trunks era feliz sem mim.

Afastei-me, às arrecuas. Não queria que me vissem. Comovida, limpei uma lágrima das pestanas. Voltei para a cabana e deixei-os com as suas conversas, os dois amigos inseparáveis, a cena exclusiva. Um tesouro irrepetível.

Uma cena à qual eu não pertencia.