NITCH



Espantado, assisti a mim mesmo, Aayrine e todos os outros sendo içados violentamente para longe do chão, por aquele inesperado emaranhado de raízes verdes

Baixando a cabeça, focalizei a origem da nossa recém-criada prisão - uma pequena flor, na qual, em lugar do núcleo, havia o rosto cínico de uma pequena e arrepiante criatura.

— Seus idiotas! - espantado, vi a flor virar-se em nossa direção, rindo sarcasticamente - enquanto vocês estavam tendo sua conversinha... eu peguei as almas humanas!

Me debati, tentando libertar meu corpo daquelas amarras esmagadoras.

— O que faremos...? - ouvi Aayrine sussurrar ao meu lado, em tom baixo e fraco - o que... quem é essa coisa...?

Enquanto nos entreolhavamos, tentando pensar num meio de escapar, a pequena flor continuou seu monólogo, aproximando-se lentamente do pequeno humano.

— E agora... - riu-se a criatura, sorrindo de maneira macabra para Frisk - não só elas estão sob meu poder... mas todas as almas dos seus amigos serão minhas também!

Vi o garotinho balançar a cabeça, aflito, olhando para cada um dos monstros suspensos pelos tentáculos. Seu olhar desesperado cruzou-se com o meu por um segundo, com a expressão de quem se amargurava em culpa.

Aayrine guinchou ao meu lado.

— Aguenta firme, Rine... - sussurrei fracamente, tentando me sobrepor a força da magia que nos prendia ali.

— Hee hee hee... e sabe qual a melhor parte disso tudo? É tudo culpa sua - a flor prosseguiu, impiedosamente - é tudo por causa de você ter feito eles te amarem. Todo o tempo que usou os escutando... os encorajando... se preocupando com eles... - sem isso... eles nunca teriam vindo aqui! E agora, com as almas deles e as almas humanas combinadas... eu poderei tomar minha verdadeira forma! Hee... hee...!

Aquela planta maluca queria roubar as almas de todos ali, e já havia absorvido as almas humanas. Era questão de tempo para aquele poder terminar de nos destruir.

Precisávamos fazer alguma coisa.

Mas o que? Como venceríamos aquele poder,se a única pessoa que se encontrava liberta do controle daquela flor era apenas uma criança?

Eu não temia pelo meu fim. Eu temia pelos outros.

Eu temia por Aayrine.

Havia prometido, em meu íntimo, que faria com que ela visse a luz do sol da superfície. Eu me recusaria, com todas as minhas forças, a deixar que a vida dela terminasse assim.

— Por que...? - Frisk ofegou.

A flor o encarou.

— Hã? Por que estou fazendo tudo isso? - ela voltou a gargalhar insanamente - você ainda não entendeu? Isso tudo é apenas UM JOGO. Se você deixar o subterrâneo feliz, você "ganha" o jogo. Se você "ganhar" o jogo, não haverá mais ninguém para "jogar" comigo outra vez - embora eu não compreendesse o que aquela criatura estava dizendo, sabia que envolveria um fim terrível para todos nós - e o que eu faria então? - a flor sacudiu a cabeça, balançando suas pétalas amareladas - mas este jogo entre nós nunca terminará! Eu vou segurar a vitória bem na sua frente, completamente ao seu alcance ... e então arranca-la de você antes mesmo que perceba! De novo, de novo, e de novo...!

— N-Nitch....

Virei a cabeça para ela.

Seu focinho estava contraído de dor, e seus cabelos dourados jogados sobre o rosto cabisbaixo. Mas seus olhos se entreabriram levemente, virando-se na minha direção.

— Se a gente não sair dessa... - sua voz estava rouca de fraqueza - eu quero que saiba... que estar com você... foi a melhor coisa que me aconteceu.

Meu peito apertou ao ouvir aquelas palavras.

— A gente vai sair dessa... - arquejei, querendo desesperadamente me convencer disso tanto quanto queria convencê-la - eu não sei como... mas a gente vai. Eu prometo, Rine.

— Escute - ouvimos novamente a voz da flor ecoar no salão - se você me derrotar, eu te darei seu "final feliz". Eu trarei seus amigos de volta. Eu destruirei a barreira - a criatura grunhiu, com sadismo deliciado - mas isso NUNCA vai acontecer! Você.... eu manterei você aqui, não importa como! Nem que isso signifique te matar UM MILHÃO DE VEZES!

E então, para nosso horror, vimos o garoto ser alvejado vez após vez por centenas de afiadas pétalas brancas, que cortavam e feriam seu pequeno corpo várias vezes - e, gradativamente, começando a fazer sua alma começar a enfraquecer.

Antes que o último golpe massacrasse completamente o pequeno humano, porém, um objeto brilhante desviou o projétil da flor, protegendo-o do ataque fatal.

— Mas o que...? - a criatura ofegou.

Distante dos demais, apenas conseguimos ouvir cada um deles parecer conseguir alguma força para dirigir-se a Frisk, lhe dando palavras de encorajamento.

A flor pareceu se irritar, voltando a atacar. Contudo, mais e mais armas incorpóreas surgiram no caminho das pétalas, o defendendo efetivamente.

Reuní as poucas forças que eu ainda tinha para gritar.

— VOCÊ CONSEGUE, HUMANO!

Era insanidade colocar toda a esperança da nossa sobrevivência nas costas de um mero garotinho? Claro que era.

Mas ele era a única esperança que tínhamos. Havia se mostrado forte o bastante. E eu sabia que conseguiria nos libertar.

— Você consegue, Frisk!

Sorri fracamente para Aayrine, que parecia ter pensado no mesmo que eu. Se conseguíssemos dar o possível de nosso apoio a ele, haveria uma chance do garoto vencer aquela planta demoníaca.

Uma movimentação inesperada começou a acontecer atrás de nós.

Perplexos, vimos dezenas de monstros invadirem o salão, cercando Frisk, com brados de incentivo e usando magia para que ele recuperasse a vitalidade.

— Não! Não....! Eu não acredito! Não pode ser....! Eu não acredito....!

— Estão todos aqui... - Aayrine sussurrou.

A expressão aflita da flor desmanchou-se, substituída pelo rosto retorcido de uma criatura psicopata.

— Não acredito que vocês.... são todos tão IDIOTAS.

Foi aí que a ficha caiu.

Estavam todos os monstros ali. Dezenas de almas. Era tudo que aquele ser terrível poderia querer.

Frisk ergueu a mãozinha na nossa direção.

— NÃO!

— TODAS AS SUAS ALMAS SÃO MINHAS!

Segurei a mão de Aayrine na minha. Seus olhos estavam marejados com lágrimas - lágrimas que nunca teria tempo de derramar.

— Me perdoa, Rine... me perdoa...

Senti a magia voltar a me subjugar com um peso esmagador. Tudo estremeceu, girando num vórtice aterrador.

Minha mente gritava o nome dela, antes que eu finalmente perdesse a consciência.

E então, tudo escureceu.