AAYRINE



Cada segundo que passava ao lado de Nitch parecia uma deliciosa eternidade.

Eu podia ouvir os burburinhos humorados sobre o quanto eu estava aérea, alegre e encantada com a presença dele ao meu lado. E, ainda assim, só conseguia reagir á isso com um gigantesco sorriso.

— Temmie nunca te viu tão contente, Rine! – alegrou-se Temmie, saltitando atrás de mim, com o rabinho abanando de tanta empolgação.

— Eu mesma nunca me vi tão feliz, Temmie – admiti, suspirando e sacudindo a cabeça.

Era como se um fardo tivesse sido arrancado de dentro de mim.

Agora que tudo havia acabado – agora que estávamos finalmente livres, e prontos para desbravar a superfície – eu conseguia pensar com mais clareza sobre o que desejava para o meu futuro – e para o de todos os outros monstros.

Por mais que as lembranças do sacrifício de Terso e a morte de minha mãe ainda fizessem meu coração pulsar de dor e pesar, eu já não sentia a mesma cólera que havia alimentado toda a minha vida contra a raça humana.

Na verdade, nem sabia se ainda nutria qualquer aversão á humanidade.

Frisk, o garotinho que salvou nossas vidas, havia nos provado de uma vez por todas, que nem toda a humanidade era cruel, sanguinária e egoísta. Talvez, no fim das contas, eles já nem fossem mais a mesma sociedade odiosa que havia nos encarcerado no subsolo. Gerações haviam se passado. E muita coisa possivelmente havia mudado nesse meio tempo.

Eu estava pronta para conhecer os humanos. Não mais como inimigos em potencial, mas como amigos.

Havia batalhado e derramado sangue demais por toda uma vida. Agora que a liberdade havia nos sido dada, eu deixaria de lado a vida de armas para lutar por um propósito maior - o de estabelecer a paz e a harmonia.

Iria fazer o que havia prometido. Iria ser, a cada dia, uma versão cada vez melhor de mim mesma. Continuaria defendendo os interesses, a segurança e as esperanças de todos. Lutaria pela justiça e pelo que era certo. Daria orgulho ao nome de minha família, e honra ao que meus pais haviam representado ao nosso povo.

E, acima de tudo, estava decidida a começar uma nova vida, pacífica e livre de medos – ao lado do jovem cabrito que havia roubado cada centímetro de meu endurecido coração.

Uma caravana havia começado a subir em direção ao exterior do Monte Ebott, finalmente deixando para sempre seus antigos lares no subterrâneo. Dentre esses, estavam eu, Nitch, Asgore, Toriel, Alphys, Undyne e todos os nossos demais amigos – assim como o garotinho sorridente de blusa listrada, que não parecia mais querer sair do nosso lado.

— Vocês vão gostar muito da paisagem - o menino comentou, segurando firmemente na túnica de Toriel.

— Tenho certeza que sim, minha criança - a rainha lhe sorriu, acariciando-lhe gentilmente a pequena cabeça.

Desde que havíamos deixado o palácio, Nitch aparentava recusar-se a soltar minha mão.

— Eu não vou fugir, Buster. Não precisa me segurar com tanta força – comentei, achando graça.

— Ah, eu sei que você não vai, Nacabi – ele lançou-me uma piscadela, abrindo um meio sorriso – quanto mais depois da nossa pequena “conversa” no quarto.

Soquei o ombro de Nitch, corando violentamente.

— Escuta aqui, seu cabrito ordinario...

Ele gargalhou, não resistindo e me abraçando carinhosamente pela cintura.

— Eu adoro isso em você – suspirou, plantando um beijo carinhoso em meu pescoço – adoro tudo em você, Aayrine... – não resisti ao impulso de suspirar quando ele acariciou meus cabelos - pode ficar tranquila, por que esse guarda real não vai á lugar algum sem a carneira dele.

Revirei o olhar, avermelhando suavemente diante daquele adorável flerte.

— Seu bobo – ronronei, beijando-lhe o topo do focinho.

— Ei, pombinhos – Sans olhou por cima do ombro, acenando as falanges em nossa direção – estamos quase lá.

Antes que Nitch tivesse a oportunidade de responder malcriadamente ao esqueleto - coisa que eu mesma tinha passado as últimas quinze horas tentando não fazer, depois daquele fragrante incômodo de outrora - uma luz forte, de intenso tom alaranjado, emergiu no final do túnel que estávamos atravessando, cegando quase todos os presentes por alguns segundos.

— Que...?

Quando a claridade se dissipou, percebi que estávamos postados diante de um extenso platô, localizado do lado de fora da montanha.

O belíssimo horizonte, delimitado pela luz intensa do Sol e pelas formas dos montes, deslumbrou meus olhos por um longo período de tempo.

— Que vista... – ouvi Nitch ofegar.

Vendo aquele magnífico astro-rei pela primeira vez, sentindo o calor que dele irradiava, senti minha garganta se fechar por um momento, e meus olhos começarem a marejar.

— É... é a coisa mais linda que eu já vi – arquejei, emocionada.

Nitch virou-se em minha direção.

— Isso só vai ser verdade se você nunca teve um espelho em casa, Rine.

Undyne espalmou a mão no próprio rosto com tanta violência, causando um som tão alto, que temi seriamente a possibilidade de seus olhos terem afundado dentro do crânio.

— Buster – abriu dois dedos da mão que lhe ocultava os olhos, estreitando uma íris amarelada na direção de Nitch, enquanto eu tentava disfarçar outro rubor – será que você consegue passar pelo menos cinco minutos sem passar uma cantada para a sua namorada?

— Na verdade, Undyne - pigarreei, ainda sem graça - o termo correto seria “noiva”.

Alphys deu um gritinho ao lado de Undyne, batendo palmas, enquanto a pequena cauda tamborilava no chão.

— Então é oficial? - arrulhou - posso shippar á vontade?
Queridinha— Mettaton fez uma careta, jogando sua franja para o lado - nós precisamos ter uma conversa realmente muito séria sobre termos que só cientistas nerds fãs de anime usam no dia a dia.

Todos gargalharam.

— Sim, Alphys - Nitch brincou, beijando o topo da minha cabeça - pode fazer esse negócio aí que você falou. Por que onde estiver essa garota… vai ser onde estará meu coração.

— Eca, que piegas - Catty disse, contradizendo-se com um sacolejar animado de patas - mas isso é tão tudo!

Enquanto os demais continuaram a admirar o horizonte, Nitch tomou a mão sobre a minha, puxando-me em direção ao caminho para fora do platô.

Humorada e adoravelmente confusa, deixei-me guiar, admirando a expressão entusiasmada daquele rapaz, cuja mania de me surpreender parecia estar dando as caras mais uma vez.

— Para onde vamos? - indaguei, surpresa, abrindo um sorriso.

Para meu choque - e divertimento - Nitch apanhou-me no colo, girando-me em seus braços e fazendo-me gargalhar, parecendo um garotinho que havia acabado de realizar seu maior sonho.

— Para o futuro, Srta. Nacabi - disse solenemente - para o nosso futuro.

E foi ali, enquanto ele me beijava, que percebi que eu havia acabado de encontrar tudo que havia procurado em minha vida.