O Dia em Que... (Coletânea de Oneshots)

O dia em que a Base estava em silêncio.


A base inteira estava em silêncio.

Não era um silêncio comum, entretanto, e sim algo como uma mudez fatal, geralmente precedendo momentos imprevisíveis, tanto bons quanto ruins. Uma maneira do universo manter a calmaria antes da tempestade, ou talvez de dar a Visão mais tempo para ficar em seu mundinho dentro da própria mente, antes de uma violenta onda o arremessar contra a costa.

Sob olhos curiosos, ele era apenas um robô em roupas humanas trabalhando em um laboratório. Laboratório esse muito tecnológico e futurista, cujo dono investira muito para mudar a sua vida, bem como a vida de outras pessoas. E Visão, um sintozóide um tanto curioso, era muito diligente e estudioso, então nada melhor que um pouco de silêncio para finalmente se concentrar no novo experimento de Tony Stark, o qual ele desejava apresentar em breve a um grupo de universitários.

Um som gracioso.

Subitamente, um som distante chegou aos ouvidos sensíveis de Visão; distante, mas, de alguma forma, próximo de si. Em algum lugar da base, os dedos de alguém faziam soar as cordas de algum tipo de violão e o som, apesar de experimental, chamava toda a sua atenção. Ele prontamente soltou a chave de fenda e deixou o laboratório.

Visão flutuou pelo complexo. Em meio ao vazio de sua casa, a ausência das vozes entusiasmadas dos outros residentes, seus amigos, a música continuava a tocar. Ele se distanciou mais do laboratório, sentindo nada além da leveza de seu corpo lentamente o levando até a entrada fechada de uma sala. Seus pés, vestindo sapatos chiques e humanos, tocaram novamente o chão, caminhando para frente e drenando todo o peso de seu corpo para transpassar a porta; e, surgindo do nada, aquele que geralmente mantinha sua cabeça baixa finalmente levantou seu queixo para observar a origem do lindo som.

E céus, que visão.

O Vingador analítico sentiu suas pernas o arrastarem para longe da porta e mais para dentro do quarto de forma tão automática que era impossível impedir, não que ele desejasse parar. Um amável sorriso precedeu o fim súbito da música, e a voz mais angelical disse gentilmente:

— Você não sabe que é educado bater antes de entrar?

Inusitadamente, toda a base estava quieta.

Na realidade, não só a base dos Vingadores se encontrava assim, mas também toda a área ao redor do complexo. O gorjeio dos pássaros cessou, o vento parou de sussurrar, tudo para admirar a belíssima pessoa a sua frente. Visão sentiu seus sistemas geralmente complexos pararem de funcionar assim que encontrou os olhos da moça. Ela usava um vestido cinza de mangas compridas e um cardigã preto, com o violão descansado em suas coxas cobertas por meias pretas. O olhar de Visão estava turvo, e ele apenas conseguiu falar:

— Me desculpe, Wanda.

Não havia muito tempo desde que ele havia começado a chamá-la pelo primeiro nome. Anteriormente, ele se referia a ela como "Senhorita Maximoff". Era ótimo, e de certa forma familiar, chamá-la dessa forma. A moça sorriu sem mostrar seus dentes, parte da aura misteriosa que fascinava Visão, e com a mão o convidou para se sentar ao lado dela, na beirada da grande cama.

— Não tem problema, desculpe se lhe incomodou, aliás. Ganhei esse violão da Nat no Natal e… – Ela se desculpou, sendo interrompida pelo sintozóide instantes depois:

— Não foi nenhum incômodo.

Visão se sentou no canto direito da cama, ao lado da porta fechada, e olhou para o instrumento. Wanda passou seus dedos ao longo de algumas cordas.

— Algum dos nossos companheiros já voltou? – Ela perguntou, olhando diretamente para os seus olhos azuis.

— Temo que não, Wanda.

Ela balançou a cabeça.

— Você se importa? – Wanda deu a ele o violão. – Um pouco d'água não faria mal agora.

Um pouco confuso, Visão segurou o instrumento e observou a garota se levantar, ir até o criado mudo e se servir de um copo d'água. Ocorreu-lhe, observando o minuto que Wanda demorou para terminar a ação, que talvez ela tivesse considerado oferecer um pouco, porém, relembrou que corpos sintéticos são incapazes de metabolizar comida ou bebida. Com medo de incomodar Wanda por observar demais, voltou seus olhos para o instrumento.

Deveria pedi-la para continuar tocando? Ou ela se sentiria incomodada por ter um intruso olhando? Talvez seria melhor usar a oportunidade para ir embora. Entretanto, era difícil os dois terem um momento a sós para conversar, apenas trocando olhares e poucas palavras quando seus amigos estavam ao redor. Com a complexidade da situação, Visão somente tomou o momento para admirar o violão, num tom claro de amarelo e marrom e suas cordas alinhadas perfeitamente uma ao lado da outra.

Moveu, então, um dedo através de uma das rígidas cordas, sendo espantado pelo som imediato e admirado pela leve gargalhada que sucedeu.

— Surpreso? – Disse Wanda, sentando ao lado dele novamente, mais próxima dessa vez. – Eu também fiquei, na primeira vez que toquei.

— Sim. É... Lindo.

— Gostaria de tocar um pouco? – Ela perguntou, com um pouco trêmula. – Posso te ensinar uma música.

Visão imitou o movimento que ela havia feito antes, apoiando a parte inferior do violão em seu colo, enquanto a parte de cima encostava em seu suéter azul marinho. Wanda se aproximou de Visão, passando o braço direito por cima de seu corpo para indicar com os dedos as cordas corretas, contudo, ele sentia apenas o agradável aroma de flores vindo de seu cabelo, um trilhão de neurônios tentando determinar a origem de seu shampoo, com ele apenas sendo capaz de pensar o quão bom era o cheiro que sentia. Além disso, o calor das suas pequenas mãos sobre a sua pele sintética causava um certo estranhamento, ao mesmo tempo que uma sensação boa de aconchego a qual ele não sabia ao certo distinguir, por não estar acostumado a senti-la.

Percebendo que ele estava um pouco avoado, Wanda disse:

— Vizh. – Ele amava como seu sotaque soava quando ela dizia seu nome. Que dia de sorte! – Está prestando atenção?

Ele tomou um momento para responder.

— Sim, claro, Wanda.

— Ótimo, agora que sua mão está em posição, apenas deslize os dedos!

E ele o fez. O som não saiu incrível, é claro, mas ele podia ouvir algo. E podia sentir algo, distante das outras várias coisas que ele conseguia sentir. Subitamente, era como se ele e Wanda estivessem conectados por aquelas cordas, cada vez mais próximos de fazer um nó.

Visão repetiu o movimento. Dessa vez se certificando de analisar o tom da música e sentir as pontas dos dedos ferirem um pouco ao pressionar as cordas com um pouco mais de firmeza para fazer a música soar mais forte. Sorrindo, ele olhou diretamente para a professora orgulhosa, radiante ao seu lado, fazendo-o ainda mais feliz que antes.

— Bom trabalho, Vizh! – Wanda pegou o instrumento e repetiu o movimento, soando bem melhor do que a tentativa dele. – Eu poderia lhe ensinar mais, se quiser.

Assentindo com a cabeça, o sintozóide adicionou:

— Estou um tanto interessado em costumes humanos. Talvez você poderia me dar algumas lições de violão, se quiser, claro. Eu poderia voltar a estudar física quântica…

— Por favor, não. – Ela riu levemente. – Eu posso ensinar outros acordes depois.

Estranhamente movido por uma força a qual ele não reconhecia, Visão passou o braço ao redor da cintura de Wanda, olhando profundamente em seus belos olhos verdes, notando o leve enrubescer das bochechas anteriormente pálidas.

— Poderia por gentileza continuar tocando a música que tocava quando cheguei?

Ela assentiu, movendo os dedos pelo braço da guitarra e começando enfim.

Um som harmonioso.

Visão se sentiu à deriva com a música, escutando não só o som, mas também o cantarolar delicado de Wanda em conjunto com o ritmo, um completo sentimento de paz ao redor dos dois. Ele fechou os olhos e aproveitou o momento, desejando em seu íntimo que nunca tivesse fim.

Entretanto, em breve a música chegou ao fim, e ele se sentiu subitamente que queria mais, não só da música, mas também de Wanda. De sua companhia, suas lições de violão, do silêncio que os rodeava.

— Eu não estou exatamente acostumada a tocar na frente dos outros... Mas tocar violão para você não pareceu tão assustador. – Sorriu Wanda, olhando para baixo.

Quando Visão se deu conta, seus braços cobertos pelo isolante térmico em forma de suéter ainda estavam ao redor da cintura da moça, e ela parecia não se incomodar; por isso, o sintozóide a puxou um pouco mais para perto, mantendo seu corpo esguio seguro em seu enlace, e calmamente beijou o topo de sua cabeça, para depois mover a mão para segurar a bochecha avermelhada de Wanda, levantando seu delicado rosto em direção a sua linha de visão.

— Eu adoraria ouvi-la tocar violão mais vezes.

Logo, as duas mãos de Visão envolveram as bochechas de Wanda, e a ponta de seu nariz avermelhado encostou na ponta do nariz dela, lentamente se aproximando para um delicado beijo nos lábios. Ela pôs o violão de lado na cama, gemendo baixinho com o tremor ocasionado pelo gesto súbito, ao mesmo tempo que extremamente amável e leve. Era um encontro de almas no silêncio oportuno da ausência de seus colegas, depois dos meses trocando olhares e querendo se encontrar.

Parando para respirar, Wanda passou os braços ao redor dos ombros de Visão e jogou o corpo em direção ao seu para beijá-lo com todo o carinho que conseguia externar através daquele singelo ato, ajoelhando-se na cama para chegar ainda mais perto. Lá fora, o mundo continuava quieto e, apesar do medo de seus colegas chegarem, eles mantiveram com a demonstração de carinho por um longo tempo.

Finalmente, toda a base estava quieta.