O Dia em Que... (Coletânea de Oneshots)
O dia em que Wanda estava de aniversário.
Farinha de trigo, ovos, chocolate em pó, óleo, e todos os demais ingredientes estavam na bancada da cozinha tão organizados que Visão sorriu, orgulhoso. O relógio da cozinha tinha os ponteiros cravados às cinco horas da manhã; os dias mais longos precedendo o verão americano tendiam a iniciar mais tarde, e, portanto, da janela, havia um breu pelas poucas luzes acesas.
Wanda estava de aniversário, e Visão passou a semana inteira aproveitando os momentos em que ela estava ausente para procurar receitas de bolo e surpreendê-la assim que acordasse. Pensou em comprar um doce pronto, porém isso significaria comprá-lo na véspera e arriscar de perder o fator surpresa que era comer bolo no café da manhã. Depois de muito estudar os humanos, ele percebeu que preparar algo do zero era mais valorizado, e o ato de surpreender costumava deixar as pessoas felizes, quanto mais sua esposa. Em diferentes épocas, foram flores, cafés da manhã queimados, as crianças pulando na cama cedo para acordá-la. Era hora de tentar algo inovador, especialmente considerando as suas parcas habilidades na cozinha.
Com o forno pré-aquecendo, Visão quebrou os ovos, e foi o que bastou para uma figura alta se postar ao lado dele na cozinha:
— O que está preparando?
Vivian era tão sorrateira que quase foi passível de assustar o pai, contudo, ele já imaginava que a menina fosse aparecer a qualquer momento. Ela vestia uma blusa branca e tinha os cabelos verdes soltos, uma joia bastante parecida com a dele brilhando no centro de sua testa, carregando a carga genética de Visão e Wanda. Era seu primeiro ano vivendo na residência Maximoff, e certos hábitos humanos pareciam um pouco mais estranhos para ela do que para o seu pai, que já convivia com eles há um longo tempo.
— Desconheço o hábito de preparar comida durante a madrugada. Presumo que não seja o desjejum. O que seria?
Com o braço enganchado no braço do pai, ela atentamente observava, apenas a luz acima da janela iluminando as peles rubras de ambos, os mais diferentes da casa. Ele beijou o topo da cabeça da filha antes de responder:
— Hoje é aniversário da sua mãe. Sabe o que significa, não é mesmo?
A jovem, programada para agir como uma garota de dezessete anos, pôs a mão esquerda sobre o queixo. O aniversário dos gêmeos só aconteceria em outubro, e não tinha memórias de ter comemorado com seu pai.
— Acho que a Kamala fez aniversário em fevereiro, e as pessoas deram presentes para ela. Como eu não tinha nenhum, fiz um cartão com fotos do Sparky e imprimi lá na escola, mesmo, desejando felicitações. É tipo comemorar o Natal?
Sparky, o cãozinho que dormia em um canto da cozinha, rosnou um pouco mais alto com a menção ao seu nome; Visão e Vivian tornaram o rosto para ele, e depois para a tigela onde aquele misturava alguns ingredientes. Apesar de abrir a boca para responder a dúvida da filha, Visão foi atrapalhado por um borrão passando ligeiro ao seu lado:
— Oi, pai! Oi, mana!
Thomas, o mais velho dos gêmeos Maximoff, se aproximou ainda de pijamas e o irmão, William, pelo braço. Este bocejava e coçava um dos olhos enquanto observava a bancada de cozinha.
Havia um terno sorriso no rosto de Visão quando ele se abaixou para abraçar os gêmeos e dar um beijo em cada um deles, assim como fizera mais cedo com Vivian, e seus olhos transbordavam amor para a vista dos três filhos. Enquanto isso, Tommy disse:
— Você está fazendo um bolo para a mãe? Irado!
— Estou, sim, mas os três deveriam estar na cama a esta hora. – Visão repreendeu calmamente, mantendo o tom de voz baixo para evitar de acordar Wanda. – Ainda é cedo demais e vocês têm aula mais tarde.
— Só que nós queremos ajudar com o bolo! – Protestou Billy, já mais acordado, e preocupação surgiu no peito de Visão. Wanda certamente o mataria se soubesse que as crianças tinham acordado tão cedo. – Por favor?
Vivian se ajoelhou ao lado dos irmãos mais novos. Era interessante porque ela fora criada para agir com idade beirando a vida adulta, com seus 16 ou 17 anos, contudo, aprendia pequenas coisas todos os dias como um humano em desenvolvimento; Visão fora igualmente criado para parecer um jovem adulto, no porte e na maneira de falar, mas precisou aprender muitos costumes humanos, assim como a filha. E o fato dela imitar a expressão pedinte dos irmãos aumentava a sua humanidade a ponto de quase explodir pelo teto.
O pai suspirou pesadamente. Como dizer não para seus bebês?
— Certo. Mas vocês vão voltar a dormir antes dela acordar, e, para todos os efeitos, não ajudaram com nada, combinado? – Ele olhou para Vivian. – Inclusive você, filha. – Ele sabia que, na condição em que estava, seria o primeiro a dizer que as crianças fizeram o bolo inteiro, mas era a sua autoridade em risco naquela madrugada, o obrigando a blefar um pouco.
Vivian imediatamente assentiu e levantou segurando os ombros de seus irmãos mais novos. Os gêmeos de dez anos chegavam em sua cintura em termos de altura, e eram, em idade humana, sete anos mais jovens. Eles tanto pediram por uma irmã mais velha aos pais que, no dia que Vivian chegou em casa, uma sintozóide igual ao pai, Wanda e Visão temeram ser difícil a adaptação, porém eles a puxaram pelo braço casa adentro mostrando cada cômodo e depois saíram com ela e Sparky para andarem de bicicleta. Ela era deveras protetora com os irmãos, cuidando deles na escola – assim como Visão, ela podia mudar a aparência para uma humana quando quisesse – e sendo a irmã coruja que os punha para dormir todas as noites. Ele sorriu ao olhar os três, cobrindo a boca com a mão previamente a pegar novamente a tigela.
— Pai, temo que eu nunca cozinhei. – Vivian colocou as mãos atrás do corpo, e balançou um dos pés. – Há algo mais que possa ajudar? Não gostaria de atrapalhar.
Visão pensou por um momento.
— Que tal deixar eu e os meninos com a comida, e você cuida para a sua mãe não acordar? Chamo vocês quando o bolo estiver pronto, pode ser?
Ela assentiu e tornou-se intangível para alcançar o corredor principal do andar de cima. Wanda aparentemente dormia pacificamente, a porta entreaberta clamando para ser aberta pela jovem que, ao fazê-lo, apenas escutou um baixo:
— Viv?
Obedecendo ao chamado de sua mãe, adentrou o cômodo.
— Sim? – Respondeu.
Os olhos de Wanda pareciam cansados ao que ela sentou na cama, entretanto, seu sorriso emanava amabilidade, e Vivian nem precisava da luz principal para vê-la tão claramente.
— Venha aqui, minha filha. – Ela bateu no colchão com a palma de uma das mãos. – Deixe-me adivinhar: seu pai está preparando um bolo?
Vivian hesitou.
— Eu não conto se você não contar. – Wanda alargou o sorriso. – Vocês não são os únicos com audições sensíveis. Consegui escutar o Vizh tão logo ele abriu a cabine do armário. E, pelo barulho, sinto que o Tommy e o Billy estão ajudando.
Lentamente, Vivian flutuou e sentou na cama, o calor humano a envolvendo em um abraço antes mesmo de Wanda passar os braços ao redor de seu corpo esguio. A joia solar pulsava calmamente enquanto ela imitava a figura materna e deitava ao lado dela, a qual vestia uma longa camisola e tinha os fios do cabelo comprido desalinhados. Logo, os rostos de ambas estavam frente a frente.
— Feliz aniversário, mãe. – Vivian diminuiu a entonação para dizer aquelas três palavras. Internamente, estava feliz por ser a primeira a dizer aquilo naquele dia. – Apesar de eu não compreender corretamente essa comemoração humana, gosto de comemorá-la com minha família.
O sorriso de Wanda evoluiu para uma gargalhada contida, seguida de silêncio até que ela tivesse certeza de que Visão não a escutara no andar de baixo.
— Seu pai disse a mesma coisa no primeiro aniversário que eu passei na Base dos Vingadores. – Ela disse, e sorriu, embebida com a lembrança. – Ele não entendia porquê se comemoram aniversários, e ficou boa parte do dia questionando isso para mim, até de noitinha.
Vivian se manteve em silêncio, absorvendo aquelas palavras.
— Depois eu soube que a Natasha, minha amiga, contou para ele sobre ser um dia difícil para mim, e ele estava buscando me distrair.
— Ainda é difícil?
A pergunta deixou os lábios sintéticos de Vivian tão automaticamente quanto as outras frases que costumeiramente dizia, e por muito pouco ela não notou a expressão de sua mãe entristecer em um segundo antes de se iluminar novamente. Wanda moveu uma mão para as bochechas dela, surpreendentemente quentes, e sussurrou:
— Desde que vocês chegaram, não mais. Seu pai. Meus filhos. Copiii mei.
Wanda mordeu o lábio inferior enquanto conferia a porta.
— Posso te mostrar uma coisa? – Ela levantou a mão e olhou para a filha, a aura vermelha característica de seus poderes cobrindo parcialmente seu braço.
A garota assentiu, inclinando a cabeça levemente para frente, ainda recostada no travesseiro, e fechou os olhos. Wanda aproximou os dedos da joia solar acoplada em sua testa, movimentando-os devagar para mostrar uma memória para ela.
Vivian subitamente se viu em um casamento, com vários Vingadores conhecidos, e outros nem tanto, presenciando uma valsa entre seu pai e sua mãe. Ela vira aquele exato momento em fotos de um álbum de casamento, contudo, nunca tivera a oportunidade de presenciar tão vividamente. Visão beijava as mãos de Wanda, belamente vestida em um extendo vestido branco e um véu, pequenas lágrimas se formando no canto dos seus olhos, e, surpreendentemente, no canto dos olhos dele. Era a maior demonstração de amor a qual vivenciara, e um sorriso simples desabrochou em seus lábios.
— Obrigada por me mostrar. – Vivian sussurrou depois que Wanda afastou a sua mão.
— Obrigada por ser minha filha. – Wanda murmurou em resposta.
As duas permaneceram em silêncio por um longo tempo, minutos ou talvez horas, nenhuma das duas saberia precisar. Porém foram instantes em que ambas compartilharam o amor em seus corações, por mais sintéticos que pudessem parecer, o maior presente que Wanda poderia desejar em seu aniversário.
— Vivian! – Visão gritou do andar de baixo. – Pode vir!
Um tanto relutantes, elas se levantaram para descerem até o andar de baixo. Ao ouvir quatro passos descendo as escadas, Billy manteve o bolo flutuando no ar enquanto Tommy corria ao redor para despejar chantilly e escrever, um pouco torto, mas legível:
FELIZ ANIVERSÁRIO, MÃE!
Wanda abraçou e beijou os filhos, juntamente com Vivian, e, quando as crianças saíram da cozinha, ela sorriu para o marido.
— Sua ideia? – Questionou.
— Exatamente. – Ele sorriu. – Porém, minha outra ideia envolve um almoço bem romântico com você enquanto as crianças...
Visão não terminou de falar, apenas viu seus três filhos adormecidos, abraçados no sofá.
— ... Almoço para três humanos e dois sintozóides? – Perguntou, e Wanda apenas balançou a cabeça enquanto sorria.
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