O Coração da Rainha

O Veneno da Serpente Que Desejava Nunca Morrer


Mary



– Olá – cumprimentei Anne. A excelente família Poitiers só tinha membros bonitos. Anne era ruiva, linda, com sardas e olhos azuizíssimos, como os de Bash. Fiquei tonta de tanta beleza junta.

– Mary, Anne. Anne, Mary – Bash falou, apontando. Diane ficou observando bem. Não sei o quê.

– Encantada – ela falou, curvando-se a mim.

– Anne é minha prima, Mary – Bash falou, como se falasse de um amigo qualquer.

– Vejo que a beleza é de família – sorri. Amor impossível do Bash... Não me faça rir. Eles eram primos.

Francis chegou para cumprimentá-la, também. Depois foi conversar algo com Bash e eu apresentei os aposentos a Anne.

– Então os rumores de sua beleza são verdadeiros, Mary – ela falou – Espero que vossa Majestade e Francis se casem logo.

Eu sorri. Ela tinha boas maneiras e parecia sincera. Como não gostar de Anne? Era simples, mas educada. Boa postura. Não conseguia não gostar dela.

– Ei, quer caçar borboletas? - perguntei.

– Claro! - ela respondeu. Pegamos nossas redes e fomos para os campos. Andamos descalças. Ela era boa naquilo. Caçou umas doze borboletas, pegou todas. Ria a valer. Voltamos para casa.

– Façam a sopa de cebola – pedi – Você vai adorar.

Anne sorria. Ela provavelmente achou que seria desmerecida na corte. Mas nada disso, ela era uma boa pessoa.

– Vejo que se divertiram – falou Bash – Mary deve estar cansada, prima, vamos deixá-la descansar.

– Não estou cansada! - falei.

– Anne está cansada, então – ele sugeriu.

– Também não – disse ela.

– Oh, que indelicadeza a minha. Ela fez uma longa viagem! - coloquei as mãos nas bochechas.

– Tudo bem, foi ótimo – Anne sorriu, fez uma reverência e foi banhar-se.

– Eu gostei dela – falei para o Bash, que comia uma maçã.

– Mary... - Bash estava inquieto.

– O quê? - perguntei. Ele segurou minha mão e meu peito esquentou na hora. Todas as borboletas que cacei pareciam presas no meu estômago. Ai, Bash...

– Como está seu noivado com Francis?

Rapidamente, a realidade veio à tona. Eu era noiva de Francis. Que coisa, Mary, se recomponha! Isso não está certo. Francis é bom para você, essa historinha com Bash não vai durar. Com Francis, vai.

– Está ótimo! Nós nos damos muito bem – respondi, abrindo o sorriso mais largo que ele já viu.

– Eu sei, eu vejo isso – ele fingiu um sorriso. Foi um sorriso triste. Será que poderia sentir alguma coisa por mim? Eu tinha que perguntar – Mary, tudo o que eu quero é te ver bem. Mesmo no dia em que eu morrer, vou estar desejando isso.

– Bash, eu preciso saber – apertei as mãos dele – O que você sente por mim?

Ele arregalou seus olhinhos. Estávamos nas entradas de um dos jardins. Ele ficara olhando Anne e eu a caçar borboletas. Tínhamos que sair dali antes que alguém visse algo. Ele tinha que falar logo.

– Mary... - meu coração batia mais rápido que o de um hamster – Mary, eu... Mary...

– FALA, HOMEM! - meu peito já até doía.

– Mary, Anne veio aqui para tornar-se minha noiva – pára tudo.

– O quê?! - levantei-me do banquinho no jardim – Como assim vão noivar?

– Mary, minha mãe acha que sou um solteirão. Ela quer me encaminhar logo. Os Poitiers são ricos e importantes. Mesmo eu sendo um deles, não tenho prestígio por ser bastardo. Minha mãe acha que o caráter irrepreensível de Anne pode me devolver isso.

– Eu não quero ouvir mais nada! E eu?

– Mary, você tem o Francis. Somos bons amigos, mas eu preciso seguir meu rumo. Não podemos caçar borboletas e esquilos a vida toda. Jogas pães aos peixes. Você mais do que ninguém, sabe disso.

– Ah, cala a boca – eu ri de deboche – Está me abandonando mesmo?

– Não, Mary! - ele suspirou – E sim. Minha mãe tem a casa de seu primeiro marido. Vamos morar lá.

Escorriam lágrimas dos meus olhos avermelhados.

– Já chega! Olha, eu espero que vocês sejam muito felizes! - empurrei ele.

– Mary, por que está me tratando assim?!

– Ora, não se faça de tonto. Você sabe que existe algo entre a gente! - eu nem mesmo percebi que eu tinha dito aquilo.

Bash ficou atônito.

– Eu nunca soube que você sentia algo por mim – ele falou, com os olhos fixos na minha expressão raivosa.

– Sinto! Um ódio imenso. Idiota! - bati no peito dele – Isso é por ser um idiota imbecil.

Eu estava usando o anel de gavinhas que ele me deu e esfreguei na cara dele, deixando-o cair no chão.

– Mary... - ele me chamou, mas não virei para atendê-lo. Que droga! Que droga! Que droga!



Bash



Sentei na minha cama. O que eu fiz?

Apoiei os cotovelos nos meus joelhos. Ai meu Deus, eu amo a Mary. Por que não posso tê-la? Ai, meu Deus... Por que me fez amá-la?

Ela estava chorando. Por mim? Ou porque não queria perder o amigo que está sempre aos pés dela? Mary não me ama. Mary é egoísta. Agarra Francis na primeira oportunidade.

Respirei fundo. Tomei um banho. Que inferno de vida.

Minha mãe veio ao meu quarto, eu estava com os peitos de fora. Cobri meus mamilos com a ponta dos dedos.

– Eu nunca vi tanta ridiculice quanto essa na minha vida.

– Mãe....

– Bash, quantas vezes já lavei seu saco. Sei tudo que tem aí – ela sentou na cama – Como você está?

– No momento, embaraçado.

– É sério, criatura. Anne é graciosa, não? Teve os mesmos mestres que eu. Sabe se portar, falar italiano, inglês e português fluentemente, não é um bom partido?

– Excelente, mãe. Vou esforçar-me para gostar dela. É mais difícil agora.

– Por quê?

– Mary demonstrou sentir algo por mim.

– É agora mesmo que deve agarrar-se a Anne, filho. Pense no bem de Mary também. Ela sente algo por você, isso é inegável. Mas vale à pena tudo que vão perder?

– Vale, mãe. Vale qualquer coisa.

– Oh, Bash – minha mãe colocou minha cabeça em seu ombro. Agarre-se aos seus planos, filho. Anne é a melhor moça para você. Ela o ama.

– Ama?

– Sim, desde pequena. Nunca amou outro.

– Não quero fazê-la sofrer.

– Então não faça. Dê o melhor a ela – minha mãe saiu do quarto e fechou a porta – Seu noivado está planejado para amanhã. Seu pai estará presente. Boa noite!

Deitei na cama e cobri meus olhos com os braços. Meu coração estava apertado. Jamais conseguiria dormir.

Pela primeira vez fui até a passagem. Ainda lembrava onde ficava o quarto de Mary. Fui até lá e me escondi no guarda-roupas dela.

– Mary, não vai falar por que está chorando tanto? - Kenna perguntava e Aylee dava água a ela.

– Não posso – Mary respondia.

– Foi o Francis que fez isso com você? – Kenna insistiu.

– Não. Não tem nada a ver com Francis, é só... Saudade de casa.

Eu sabia que Mary estava mentindo.

Ah, Mary. Desculpe existir e fazê-la sofrer.

As amigas colocaram-na para dormir e se foram. Eu fiquei olhando para Mary a dormir ali, tão angelical. Tão linda. Tudo que eu queria. Atrevi-me a ir até ela e sentar ali do lado de sua cama.

– É, Mary. Quando nossos olhos se encontraram pela primeira vez, eu deveria ter deixado o quarto. Deveria ter comido mais biscoitos.

Apalpei minha barriga delgada. Fiquei pelo menos uma hora ali, ouvindo-a respirar com as mãos embaixo do travesseiro. Mary dormia de bruços com as mãos embaixo do travesseiro. Acariciei os cabelinhos dela.

– É por você que farei isso. Quero libertá-la. E libertar a mim. Não quero ser um peso na sua vida. Mary, você é tudo para mim.

Peguei o anel que ela esfregou na minha cara e coloquei na mão dela. Meu coração ficou ali, repousando junto com ela. Entrei pela passagem e fui dormir. Não consegui dormir nada. Fiquei rolando de um lado para o outro na cama. Levantei, fui na cozinha comer. Aylee estava na cozinha com uma vela, comendo uvas. Peguei uma maçã, dei boa noite a ela e fui embora.

– Espere – disse Aylee – Foi você, não foi? Que fez a Mary sofrer.

– Olha, eu não sei do que está falando.

– Sonso! Está fazendo a Mary sofrer. Você sabe que ela gosta de você – ela me apontou o dedo – Cai fora! Esquece ela.

– Não sei se sabe, mas eu vou noivar com Anne amanhã.

– Não desista na última hora. Senão juro que posso pagar alguém para cortar seu pênis fora! Bastardo!

Ela foi embora. Que medo dessa garota! Ela era tão insolente comigo! Tão cruel, sem coração!

Eu a vi entrando no quarto de Mary após olhar em todas as direções. Os guardas permitiam, afinal eram amigas. Fui até o quarto de Mary novamente. E vi Aylee beijando-a nos lábios enquanto dormia. Mary não acordou. Aylee olhou pela janela e saiu do quarto dela.

Que menina louca! É por isso que ela implicava comigo! Tinha ciúmes da Mary! Por que ela não implica com Francis também? Só porque ele é um príncipe e eu sou um bastardo?

Fiquei ali sentado no armário. Se Aylee voltasse eu faria um barraco ali. Com certeza. Ninguém vai beijar a minha Mary assim.

Não.

Não era minha.

Era do Francis.

E eu era da Anne agora.

Que desgosto.

Mas só de vê-la dormindo eu já ficava satisfeito, mesmo que isso fosse durar pouco. Assim que casar com Anne, irei embora.

Passei a madrugada sentado naquele armário olhando Mary. Quando ela acordou, voltei ao meu quarto. Estava muito triste e desesperado.

Eu estava indo para a mesa com todos, quando esbarrei com Aylee. Não pude resistir em dizer-lhe:

– Mary sabe que anda fazendo visitas ao quarto dela de noite?

Aylee arregalou os olhos de tal jeito que parecia um ceifador de almas querendo levar a minha. Virou-se. Não compareceu ao café da manhã.

No café da manhã, minhas olheiras estavam tão fundas que se derramasse café ali, não caía. Mary estava mal-humorada. Anne preparou torradinhas para mim e me deu.

– Obrigado, Anne – ela era angelical. Era linda e bem disposta. Sempre simpática. Eu vi que Mary estava retorcendo a alça da caneca, quase. As outras torradas que Anne fez, tive que recusar. Não conseguia ver Mary daquele jeito, embora ela tivesse feito isso comigo.

– Então, estão animados? - o rei comentou – Ah, o amor – apertou a mão de Diane – Nada mais vívido que sentir o amor.

Catherine estava com náuseas por causa disso.

– Estamos – Anne se pronunciou. Eu não me atrevi.

– Meu filho, você parece pálido. Por que não toma um sol?

– Assim que terminar o café da manhã, meu pai – assenti. Eu estava com ânimo de morto, mesmo.

– O que você tem, Mary? - ouvi Francis sussurrando com ela.

– Acho que é só uma indigestão – ela disse – Comi demais ontem.

– Está com os olhos inchados.

– Foi picada de abelha.

– Nos dois olhos?

– É um novo tratamento para beleza.

Eu ri um pouco alto.

– O que foi? - Anne perguntou.

– Nada – falei, um pouco mais leve.

Ela cochichou no meu ouvido.

– Veja como Catherine olha para sua mãe. Acho que todo dia ela bebe sopa de vidrinhos de tanta inveja.

Tive que rir.

– Tome, coma essa uva – ela me disse.

– Para?

– Dizem que comer uvas espanta maus olhados. Vai precisar, veja os olhos de coruja de sua madrasta.

Comi. Anne era uma pessoa que eu gostaria de ter como amiga.

Mary levantou-se da mesa e deixou meu irmão chamando por ela. Não entendi nada. Minha mãe ficou alerta.

Após o café da manhã, fui tomar sol como meu pai havia falado. Ele veio até mim e sentou-se no banquinho.

– Você é meu filho – ele disse – Não tem o dever de casar arranjado, como eu tive. Encontre uma moça que ame de verdade e eu me certificarei de que se case com você.

– Eu amo a Anne, pai – ele me olhou, me desafiando a mentir para ele de novo – A verdade é que estou começando a ficar sem rumo. Sinto que preciso ser colocado nos eixos.

– Ah, o que a vida boêmia não faz com um rapaz da sua idade? Eu, desde pequeno, fui apaixonado por sua mãe.

– Mesmo?

– Claro – ele suspirou, recordando-se dos bons tempos – Ela é mais velha do que eu. Sempre achei as mulheres maduras mais incríveis, decididas. Essas menininhas são muito volúveis. Sua mãe deixava todos de queixo caído. Ainda deixa.

– Ouvi dizer que o senhor se recusou a confirmar minha paternidade.

– Fui forçado pela minha família – ele disse – Sua avó era severa. Mas eu sempre te amei, meu filho, você é o preferido.

– Não gosto quando fala assim.

– Você já é desmerecido todo o tempo. Alguém tem que levantar seu astral – ele levantou-se e foi embora – Lembre-se do que te falei.



Mary



O rei saiu e Anne chegou para alentar o futuro noivo. O pior é que eles ficavam adoráveis um do lado do outro. É Olívia, é Anne. E a Mary só se dá mal. Sequei umas lágrimas. Francis foi até mim e disse:

– O que houve, Mary? - quando olhou pela janela, ficou quieto - Está olhando meu irmão por quê?

– Eu estava olhando antes de seu irmão chegar – revidei, ainda olhando.

– Por que está triste?

– Não estou triste, as picadas de abelha estão criando acúmulo de líquidos nas minhas pálpebras.

– Mary, se não está contente com nosso noivado é só falar.

– Francis, você me ama? - perguntei a ele, olhando-o no olho;

– Claro que te amo, Mary! - ele segurou meus cotovelos.

– Você nunca me tratou com o carinho que o vi tratando Olívia.

– Ainda isso? - ele acariciou meu rosto – Olívia foi uma grande amiga. Os cumprimentos que dei a ela foi em memória de nossa amizade, não do que veio depois. Você está aqui. Ela, não. Entenda isso.

– Francis, você me conhece? - perguntei a ele.

– Acredito que sim!

– Qual minha cor favorita?

– Verde.

– Não, amarelo.

– Ah, que bobagem, Mary! Cor favorita? Pare com isso. Quem ia saber?

– O Bash sabe.

Francis ficou irritado.

– Meu irmão vai noivar hoje. E eu espero profundamente que sua tristeza não tenha a ver com isso, Mary, senão eu não respondo por mim!

– Você está me ameaçando, Francis?

– Não – ele retesou-se – Estou dizendo que vou libertá-la.

Francis se foi.

Passaram as horas. Bash foi puxado pelo braço para andar com Anne. Fiquei chorosa. Eu queria tanto morrer naquele momento, para não sentir isso. Eles estavam felizes, ela o tinha. E eu estava aqui, sofrendo, me escondendo pelos cantos. É muito ruim gostar de alguém que está comprometido.

– Foi bom nos encontrarmos – a rainha me disse quando me encontrou no corredor. Limpei as lágrimas imediatamente – Estou a lhe propor um acordo.

– Acordo? Que tipo de acordo? Que tipo de acordos eu teria com você?

– Um bem a sua cara – ela sorriu – Pelo que eu vi na mesa hoje, você não está nem um pouco contente com o noivado de Sebastian. Eu proponho oferecer um bom casamento para Anne, você fica livre para o bastardo do meu marido e Francis fica solteiro de novo.

– O que te faz pensar que gosto do Bash?

Catherine nem fez questão de responder.

– Aceita ou não? Não responda agora. Você tem até a hora do noivado.

Minha roupa foi escolhida para a cerimônia. Eu estava pequena, triste como uma florzinha que nunca desabrochou.

– Mary, você está linda – Bash me disse ao me ver, com os olhos iluminados. Saiu do meu armário. Virei a cara para ele. Não conseguia ser gentil com ele. As servas tinham ido embora e eu estava sozinha no meu quarto, esperando.

– Bem, isso é o que você tem que dizer a sua noiva.

– Isso é o que eu tenho que dizer quando for verdade – ele sentou na minha cama.

– Sebastian, não quero conversar com você.

– Por que está usando o anel de gavinhas?

– Isso não é da sua conta – estava de costas para ele.

– Mary, não entendo por que está me tratando assim. Eu sempre fui seu amigo, te ajudei quando precisou e te salvei quando foi necessário. Você está noiva e agora também estou. É tão difícil assim para você me ver feliz?

– Não, Sebastian – suspirei, secando meus olhos, ainda sem olhá-lo – O que você faz ou deixa de fazer não é da minha conta.

– Mas o que você pensa é importante para mim. Agora, me chamando de Sebastian, você nunca me machucou tanto.

– Por quê? - nem respirei para ouvir bem a resposta.

– Porque isso não demonstra carinho algum.

– Faz tanta diferença pra você o meu carinho? Eu sempre tentei te dar carinho e você se esquivava.

– É porque me doía.

– Por quê?

– Isso não é certo – ele se levantou, indo em direção ao armário – Eu tenho que ir.

– Não... Bash, não vá.

– Sua dor não é amor, Mary.

– Então o que é?

– Egoísmo.

Engoli em seco.

– Espere! - segurei a manga dele.

– Mary, se tem algo a me dizer, diga agora ou nunca mais – ele foi sério. Eu queria dizer uma porção de coisa, mas só consegui abraçá-lo.

– Bash, por favor, não me abandone – ele me apertou contra seu peito – Me ajude, não sei o que fazer... Eu estou completamente apaixonada por você.

Meus dedos pressionavam as costas dele com força.

– Mary... O que eu sinto por você é mais forte – nossos olhos tristes fixos um no outro. Eu queria chorar.

– O que faço sem você?

– Mary, nossas vidas têm que seguir caminhos distantes. Eu demorei a entender isso, desde que era gordinho e sabia que você iria embora com Francis, abandonando um gordinho comedor de biscoitos para trás.

– Eu nunca te abandonaria.

– As coisas não podem ser como antes. Você não pode ter os dois, Mary. Não pode me usar como seu bobo da corte e ir para os braços do Francis depois.

– O que eu devo fazer?

– Case-se com ele, tenha filhos. Una a Escócia à França, esmague a Inglaterra. É o seu dever.

– E se eu não quiser isso? E se eu quiser uma vida sem importância?

– Isso seria um grande egoísmo.

– Eu sou egoísta – abocanhei os lábios dele uma vez mais, segurando a sua nuca e sua cabeça, impedindo que se afastasse. Ele não me afastou, me puxou mais ainda, segurando minha cintura e minhas costas. Ele bateu as costas no armário, eu tinha que sugá-lo todo antes que tivéssemos que nos despedir.

Alguém bateu na porta, causando-nos um susto.

– Deixe que batam – ele me beijou dessa vez, com muita paixão. Não conseguia parar, era o nosso quarto e último beijo. O primeiro foi inconsciente, o segundo foi ele que me deu de brincadeira. O terceiro e quarto foram agora. Os beijos mais deliciosos, os que eu nunca esqueceria. Não queria abrir os olhos, não queria deixar passar. Não queria que acabasse. Eu o abracei. Queria prendê-lo – Mary... Mary...

– Preciso atender – falei, rearrumando meu cabelo – Pode ser Francis, não quero que vocês se desentendam. Espere mais um pouco, tá?

Ele entendeu. Entrou pelo armário e foi até o quarto dele; abri a porta e lá estava Catherine.

– Menina, eu tenho pressa! - ela falou, entrando rapidamente – O que decidiu? Sobre nossa conversa.

– Vamos supor que eu aceite – comentei – O que aconteceria com Anne?

– Está achando que vou matá-la? Não sou tão terrível assim. Eu assegurarei sua saída desse reino com total segurança.

– E o que será da Escócia?

– O mesmo país atrasado de sempre. Eu não tenho o dia todo.

– Está bem – aceitei – O que tenho que fazer?

– Aja naturalmente – disse Catherine – Providenciarei o resto.

Fui rastejando pela passagem até o quarto de Bash. Ele estava sentado na cama, me esperando. Quando me viu, deu um salto.

– Então, quem era?

– Não importa – falei – Temos que ir para a cerimônia.

– Como assim, Mary?

– Eu tenho um plano – falei.

– Plano para o que, Mary? Ainda nem sabemos o que fazer com nossas vidas.

– Bash, eu te amo – abracei-o – Nunca senti isso na minha vida, não posso perdê-lo.

– Mary... - ele ficou emudecido. Retribuiu o abraço com muito carinho. Nesse momento a mãe dele entrou no quarto e não pareceu assustada.

– Bash, sua noiva está te esperando para poder aparecer na festa. Todos estão esperando vocês dois, que coincidência estarem no mesmo lugar!

Soltamos nossas mãos com dor.

– Bash – suspirei. Quando ele se foi, Diane veio até mim e disse:

– Por favor, liberte meu filho. Eu te peço. Para você isso pode significar a quebra do noivado. Para ele pode significar a guilhotina. Eu te peço. Se o ama, deixe-o.

– E se eu não conseguir?

– Então não o ama.

Diane me estendeu o braço e assim fomos para a festa. Eu engoli o choro.

– Vocês até podem ser amantes de uma forma escondida – ela comentou – Mas precisa ser extremamente secreto. Bash precisa estar oficialmente comprometido para ninguém perceber. Tem que começar a entender como as coisas realmente funcionam. Francis terá uma amante com quem você terá que dividir o espaço, mas nunca pode saber que você também tem um. Somente tendo alguém que te ame de verdade, você poderá suportar todas as traições que receberá.

Chegamos à cerimônia. Os pais de Anne estavam presentes, haviam chegado após ela. O rei e Diane estavam presentes. Catherine apareceu apenas por ser anfitriã. Eu me perguntava o que ela faria. Francis felicitou o irmão. Então chegou Anne, bela como sempre, em um vestido azul turquesa que combinava com seus olhos.

– Deu sorte, hein, irmãozinho – Francis comentou com ele.

Ela realmente estava bonita. Tanto que eu me senti um trapo perto dela. Bash a olhava com tristeza. Pegou na mão dela e olhou para mim. E eu olhei para Catherine. Não aguentei ver aquilo, pedi licença a Diane e falei com a mãe de Francis.

– O que você planejou? - perguntei a ela.

– Ofereci aos pais de Anne uma chance de um jantar, longe daqui. Eles aceitaram. Encontrei um duque muito rico para casar-se com Anne. Deixe que noivem. Em uma semana o noivado estará rompido. E você poderá fugir durante a noite.

– Está bem – falei com ela – Vou acreditar em você.



Bash



Mary disse que tinha um plano. Não vejo sinal de nada. Coloquei em Anne o anel que era da minha mãe. Do seu primeiro casamento. Era sofisticado e caro. Meu pai não sabia de onde vinha; prometeu nos dar um castelo em algum lugar perto dali, mas eu neguei. Minha intenção era ficar bem longe. Agora eu voltava atrás.

Anne aceitou o anel e colocou um em minha mão também. Ela me beijou. Tive que aceitar. Bebidas, música, comidas, cantoria, falação. Onde estava Mary? Por que não me tirava dali?

Tive que dançar com Anne. Ela era muito bonita, mas tudo perde o sentido quando estamos apaixonados. Eu sempre estive apaixonado por Mary. Ela estava sofrendo, tentei evitar isso ao máximo possível. Felizmente não era preciso fingir tanto, a maioria dos casamentos era arranjado. Então fui na mesa comer. Odiava escargô. Adorava profiteroles, quem não gosta de chocolate? Catherine praticamente criou essa receita, eu comi quase todos os pratos que vinham da cozinha. O garçom passou por mim com apenas uma taça, a taça do noivo. Peguei. Estava engasgado por comer tão depressa.

– Segure-se, mocinho – Mary falou, pegando a taça da minha mão e bebendo – Não quero que a beije por descontrole alcoólico.

– Não vou fazer nada disso – falei, batendo no meu peito até desengasgar – Onde está seu plano?

– Catherine vai convencer os pais de Anne a casarem-na com outra pessoa. Você estará livre, ela irá nos tirar daqui.

– Por que Catherine iria nos ajudar?

– Porque ela não me quer com Francis – Mary só havia bebido um gole e feito careta. Ela odiava álcool.

Anne veio, com sua taça em mãos, talvez descrente de eu deixar Mary beber do meu copo. Talvez tenha ficado enciumada. Mary sorriu com desdém para ela. Anna não merecia a antipatia de Mary, mas ela não conseguia controlar.

– Vamos, Bash? - pediu Anna, mansa – É costume o casal beber tudo sozinho. Com os braços cruzados.

– Certo – falei.

Mary colocou a mão no meu ombro. Tinha sangue no nariz dela, escorrendo num fio longo que manchou todo o seu vestido. Quando abriu a boca, cuspiu mais sangue.

– Mary! - eu gritei. Continuei gritando até ela desmaiar.

Gritei e gritei. Algo estava matando minha Mary!

Tudo foi tão rápido...

Ela estava ali, radiante. Agora está em meus braços sangrando totalmente enquanto grito seu nome sem medo que descubram o meu amor.

Meu único amor.

Meu Deus, não leve a minha Mary!