O Colar do Parvo

Uma noite inusitada


Do lado de fora da casa, eu pude ouvir passos apressados e então a porta se escancarou de repente. Era Matheus, que se jogou em cima de mim e me deu um forte abraço.

– Que saudade, que saudade! – dizia ele no meu ouvido.

– Eu também, meu amor... mas o que houve? – eu perguntei.

– Minha mãe está doente, alguém lá de casa deve ter contato alguma coisa...

– Meus pais foram vagos, eu nem tive tempo de falar... quando eu perguntei se você estava em casa, eles, estranhamente, me disseram que você estaria aqui, e eu pedi pra abrirem um portal, pra que eu viesse aqui o mais rápido possível.

– Fez bem em vir, não tem noção de quanta falta você me faz!

– Você já faz parte de mim Matheus, sem você eu não sou ninguém.

Entramos na casa, que era toda mobiliada com moveis de madeira, alias todas as casas de Kauvirno eram recheadas com moveis de madeira, mesmo assim uma casa muito aconchegante. Dava até sono ao entrar na casa.

– Sua tia disse que a casa faz isso, assim meus pais dormem mais do que se lamentam pelo filho que tem.

– Você é maravilhoso, eles deveriam é lamentar por serem tão estúpidos.

– Deixe eles pra lá. Minha mãe está no quarto, quer ir vê-la?

– Não, deixa ela descansar, uma outra hora eu vou. Eu não vim ver ela, e sim ver você.

A empregada da casa, a velha que atendeu a porta passou pelo corredor, desaprovando aquilo que acabara de ouvir. Eu fui tomado de ódio.

– Sabe, porque eu amo você, e não seus pais! – eu disse, estupidamente.

A velhota me encarou.

– Kayo, deixa ela! – disse Matheus, me jogando na parede e me beijando, deliciosamente.

Logo minha tia Carol, apareceu e me abraçou. Disse que a mãe de Matheus logo iria melhorar, que aquilo era mau-olhado.

– Eu não sabia que isso realmente se pegava. – eu a indaguei.

– E como, ainda mais quando sabemos que magia realmente existe. Ficamos mais sucessíveis a certas ações. E mau-olhado não é algo necessariamente mágico, basta o ódio pra que ele se torne real.

– E quem odeia ela?

– Não sei, talvez alguém a tenha visto andando e sinta ciúmes, vai saber!

Minha tia se retirou, dizendo que iria ajudar a velhota com o jantar. Eu e Matheus sentamos no tapete da sala, eu deitado sobre seu colo, e ele acariciando meu peito.

– E como foi lá, no campo? – ele me perguntou.

– Eu consegui fazer o que Kau queria, no entanto, na semana que vem terei que ir novamente até lá.

– Porque?

– Eu também quero saber, ele apenas disse que eu terei que treinar um pouco mais, e que ele levara um amigo. Eu vou tentar te levar até lá, é um lugar lindo!

– E eu irei sim, se minha mãe melhorar.

– Ela estará melhor, tenha certeza.

– Kayo, a gente bem que podia aproveitar um pouco do mundo real, não é?

– Mundo real? – eu perguntei rindo – O mundo que nós vivemos é o mundo real.

– Eu sei, bobo! – disse ele, rindo – Eu falo de ir a algum lugar, sei lá. Bem que poderíamos ir numa boate, que abriu aqui perto. Ouvi meu pai comentando com a Marina, a velha que você odiou, - ele riu novamente – de que não aguenta mais passar ali, na volta do trabalho e ver aquele bando de promíscuos!

– Uma boate gay? – eu perguntei – É assim que o seu pai chama uma boate gay?

Nós dois começamos a rir, e então decidimos que iríamos até essa boate. Logo a noite chegou, e depois de um delicioso banho junto com o grande amor da minha vida, nos trocamos, e partimos até essa boate.

Como dito por ele, a boate não era tão longe dali. Logo chegamos e uma imensa fila se formava. Casais gays e heteros, os tais simpatizantes, se beijavam sem se preocupar com nada, mesmo com carros passando, com pessoas estúpidas que os xingavam. Aquilo era ridículo demais, eu pensava naquele momento o porquê de tanta hipocrisia, o porquê de tanto de ódio?

Ao chegar à fila, eu fiquei esperando Matheus ir até a portaria para saber quanto era a portaria. Quando ele voltou, um carinha, magrinho, loiro e vestido com roupas até que muito bem despojadas, com um jeans rasgado e uma camisa justa cor salmão o olhou. Aquilo me deixou furioso, mas nem comentei nada com Matheus.

– Quinze reais! – disse ele, me abraçando – Até que esta barato.

Nós ficamos ali por mais algum tempo, ate que a fila começou a andar.

– É estranho isso.

– O que?

– Eu estar numa fila para ir numa boate gay. Sabe, é minha primeira vez...

– Veio escondido? – perguntou um menino de cabelos escuros a nossa frente.

– Não, eu não preciso me esconder. – respondeu Matheus ao menino. Depois virou pra mim, e deixou o menino com cara de bobo.

– Mal educado! – disse o menino para os amigos.

Quando saímos de casa, chegamos ao acordo de não falar com ninguém, e muito menos fazer amizade, pois talvez isso implicasse em alguma coisa, e o que não queríamos era colocar ninguém dentro do nosso segredo.

Logo percebemos que todos estavam nos observando. Provavelmente estavam comentando o quão nojento nós éramos. Mas nem dávamos importância a isso.

Já próximo a entrada, tinha a tal hostess, responsável por receber todos à boate.

– Olá, lindinhos, sejam bem vindos ao Emporium. – disse ela. Vestia um longo vestido elegante, com uma peruca escura e lisa que ia até os pés. Sua maquiagem era linda, o que impressionou Matheus.

Ao entrar, pagamos a entrada, e fomos até o segurança. Eu pude perceber ciúmes em Matheus quando o segurança me revistou. Ele odiava que outros me tocasse, e eu sabia disso mesmo sem ele ter me dito isso.

O pequeno hall de entrada da boate estava iluminada com luz neon azul nas bordas da parede, e havia espelhos por todas as partes, tudo com muita cor, e brilho.

Após passar pela revista uma mulher um pouco a frente abriu uma porta com uma cortina negra, e passamos por ela, e ali defronte a porta, eu e Matheus sentimos o batuque forte do som da musica, que parecia penetrar dentro da gente com enorme ferocidade.

O nome da boate podia não ter me agradado, mas o seu interior era simplesmente perfeito, era tudo tão estranhamente harmônico e com brilho. Eu já estava acostumado com esse tipo de coisa, mas era lindo de ver os olhos espantados de Matheus com o charme do lugar.

Tinha logo ali a direita uma escada que levava ao segundo piso de dança, com musicas mais tranquilas. A esquerda tinha algumas mesas, o que seria a área VIP da boate, mais ao fundo tinha o bar e a pista de dança. A boate estava simplesmente lotada.

Fomos andando e dando uma olhada em todos os detalhes da casa, além de que os primeiros balanços com o corpo já começavam a se mostrar presentes, por conta da música contagiante. Fomos direto ao bar e eu pedi um refrigerante, e Matheus pediu logo uísque com energético.

– Que foi, em casa somos proibidos de beber... e eu estou tendo dias difíceis. – disse Matheus, pagando a bebida ao atendente.

– São novos aqui? – perguntou um cara do meu lado, moreno de olhos escuros quase do meu tamanho.

– Somos de longe, muito longe! – eu disse, pegando meu refrigerante e saindo dali, de mãos dadas com Matheus.

– É horrível fazer isso! – disse Matheus.

– Eu sei, ainda mais eu que adoro conhecer pessoas... mas não podemos por ninguém em risco e além do mais eles podem estar até mesmo aqui, temos que ser cautelosos, minha tia disse isso antes de sairmos!

Voltamos no bar mais umas três vezes depois, eu pra pegar refrigerante e Matheus seu santo uísque com energético, ele já estava até meio zureta, e até naquele estado continuava lindo. Ficamos encostados na parede, nem conversávamos porque seria arriscado, e nem mesmo dizíamos nossos nomes, era amor pra lá e amor pra cá. Chegava a ser desconfortante pra mim e a essa altura do campeonato Matheus nem se importava mais.

– Eu acho que podíamos ir embora! – eu disse.

– Vamos ficar um pouco mais... mais uma dose... – disse ele cambaleando.

– Não, já chega... eles nem sabem fazer a dose certa... vamos embora.

Lentamente saímos da pista de dança e seguimos para fora da Night Mix Club, sendo sempre muito bem tratados por todos os funcionários da casa.

– Volte sempre! – disse a hostess na porta.

– Quem sabe! – disse Matheus.

Demos as mãos e seguimos lentamente nosso caminho de volta a casa onde os pais de Matheus estavam, foi quando um carro passou por nós, devagar e depois de passar pela gente, parou. Manobrou na rua e retornou em nossa direção. Era um Peugeot 207 preto.

– As gracinhas cobram juntas ou separadas! – disse o cara no banco do passageiro.

– Fica calmo, só não de atenção. – eu disse ao Matheus apertando-lhe a mão.

– Ei, eu fiz uma pergunta... responda sua bi...

Matheus não deu tempo do cara continuar, se jogou para dentro do carro e arrancou o cara pela janela, e começou a dar socos e pontapés. O motorista parou o carro e desceu e veio pra cima de Matheus.

Me lembro até hoje, uma coisa que minha mãe me ensinou, eu era pequeno ainda. Ela sempre dizia: cuidado com quem você mexe na rua, você não conhece a pessoa e pode acabar se dando mal.

Pois bem, eu era um bruxo, e tinha ali em meu bolso, um item que jamais desgrudava de mim. O Colar do Parvo.

Com um movimento repentino da mão eu acabei lançando o carro daquele playboyzinho há uns 3 metros de distancia da onde estávamos. Rapidamente o motorista ergueu os braços a cabeça e parecia não acreditar no que tinha acontecido. Matheus levantou e deixou o passageiro caído no chão, passou por mim, me segurou no braço e saímos correndo de lá.

– Me encheu o saco porque não podíamos cometer uma gafe para não sermos descobertos e você me faz isso? – disse ele, bravo.

– Foi apenas um empurrão Matheus, não precisa se preocupar... não tinha ninguém na rua... e eles vão dizer que um cara com o poder da mente fez aquilo com o carro deles?

– Que seja! – disse ele, ainda bravo – Vamos correr pra casa.

– Você se machucou? – eu perguntei a ele.

– Não, mas o machinho ali atrás ficou bem destruído... – disse ele rindo.

Chegamos em casa e ao entrarmos minha tinha Carol já estava a nossa espera.

– Pode dizer o que foi que aconteceu? – disse ela, impaciente.

– Como a senhora sabe que aconteceu alguma coisa? – perguntou Matheus.

– Ela é bruxa Matheus... – eu disse sentado no sofá.

– Podem abrir o bico, porque se fizeram alguma caca tenho que saber imediatamente pra tomar as atitudes cabíveis pra não prejudicar ninguém aqui nessa casa. – pela primeira vez eu tinha visto minha brava, apesar de que o bravo dela, nem causava tanto espanto.

Contei a ela o que aconteceu, enquanto Matheus tirava a camisa e minha tia via umas marcas vermelhas nas costas dele.

– Matheus... você precisa se controlar, os não-magicos são assim mesmo... – dizia ela.

– Eu sei tia... mas não aguentei... e na verdade eu nem estava preocupado comigo... minha preocupação é o Kayo, e se os cara saíssem daquele carro e fizesse algo com ele eu não me perdoaria... então é mais fácil você partir pra cima primeiro, porque assim você já diz quem é que manda.

– Esta vendo tia... meu namorado é um super-herói! – eu disse rindo.

– Ria baixo moleque, os pais dele estão dormindo, e aquele velha tem sono leve. – disse minha tia – Não justifica o que Matheus fez, assim como o que você fez. Estamos nos desgastando pra manter você vivo, para manter o guardião do Colar do Parvo a salvo e você fica fazendo showzinho de demonstração de seus poderes? Tá maluco?

Eu entendi bem o recado.

– Desculpa! – eu disse.

– Pode por a camisa filho, não a nada que se possa fazer no momento, você vai ter que aguentar essas dores... eu poderia ate fazer um chá, mas que nada. Que fique para lição. E quanto a você Kayo... bem, eu vou ver o que consigo resolver, talvez criar marca de derrapagem na rua ajude a explicar o que aconteceu com o carro. – disse ela, pegando um casaco preto anti-notação e vestindo – Vão já os dois pra cama, se eu chegar aqui e alguém estiver acordado eu não sei o que faço...

E ela saiu, encostando a porta delicadamente.

– Acho que pisamos feio na bola. – comentou Matheus.

– Que seja... vamos dormir!

Subimos e deitamos na mesma cama, e rapidamente apagamos. Matheus teve um sono super agitado durante toda a noite, e logo eu percebi que no dia seguinte ele estaria com um imenso mau humor.

Amanheceu, e eu desci para tomar o café da manhã. A velhota estava lá na cozinha, com aquela cara de boi indo para o abate, me encarando. Ela estava terminando de colocar o café na bandeja para levar para a mãe de Matheus.

– Bom dia tia!

– Oi meu querido... sobre ontem, tudo resolvido...

– Conseguiu fazer a derrapagem? – eu perguntei abrindo a geladeira e pegando o leite.

– Claro que consegui, mas fiquei com pena dos garotos... coitados, diziam a todo momento que um menino havia feito aquilo com o poder da mente. A sorte de vocês, é que ambos estavam meio drogados, logo a derrapagem, acabou colando. A policia só tenta entender porque um está ferido e o outro não... mas isso já não é um problema nosso!

As coisas funcionavam sempre assim. Quando era-se preciso usar magia na frente dos não-mágicos, ela era usada, mas depois usando encantamentos, conseguíamos mudar o que seria a cena do crime. Eu ainda me perguntava, desde o dia do sequestro dos pais de Matheus, quantos não foram os casos abafados pelos bruxos de todo o mundo. Talvez a Corte tivesse realmente muitos problemas por conta disso.

Tomando leite com café, Matheus chegou, sentou do meu lado e disse que não queria comer nada, e que sua mãe parecia ter piorado.

– Meu pai disse no corredor, para eu voltar para a mansão. – disse ele, desolado.

– Porque?

– Porque enquanto eu estiver aqui, você também estará, e segundo ele isso esta agravando a situação da minha mãe.

Eu tinha realmente ouvido aquilo? Agora o culpado por essa doença da mãe de Matheus, era minha?

– Mas calma, eu acho realmente que devo voltar... não vai prestar eu ficar aqui e se eu sair e ver aqueles dois idiotas de ontem... não respondo por mim. E lamento, só queria ter ficado e curtido a noite com você.

– Tudo bem, Matheus. Não faltaram oportunidades...

A velha então se aproximou e resmungando jogou a bandeja na pia.

– Essa mulher tem sérios problemas...

– Cale a boca Kayo... tenha mais respeito. – disse minha tia.

A velhota se retirou da cozinha, me encarando e pareceu subir as escadas novamente.

– Já falei com a tia, vamos embora daqui dois minutos, é só o tempo de eu subir e pegar minha mochila. – disse Matheus, também saindo e indo até o quarto.

Não demorou até ele voltar, e logo minha tia Carol abriu um portal e disse que qualquer coisa avisava Matheus, sobre sua mãe. O portal foi fechado e estávamos no grande hall da mansão de Kauvirno.