A cidade de Assis era normal como qualquer outra.

Surgirmos em frente de uma loja que vendia celulares. Havia pessoas indo e vindo, mas todas pareciam estranhamente nervosas. Os carros iam de um lado a outro, parando nos semáforos, deixando os pedestres passarem. Cachorros e gatos por todos os lados.

Estávamos no centro da cidade, o coração de Assis. Eu pude perceber, enquanto caminhávamos até um táxi, que tinha policiais também. Suas armas eram, cajados negros, com a ponta dourada.

– Vamos entrar! – disse Marcelo, abrindo a porta do carro, pra mim e Kauvirno.

– Não sei como eu não te trouxe aqui, antes! – comentou Kauvirno.

Eu não estava dando importância a nada. Eu apenas pensava em Matheus, e era ele que eu queria do meu lado. Pobres Marcelo e Kauvirno, não sabiam o que faziam para me agradar. Ofereceram sorvete, refrigerante, e até uma pizza no jantar. Mas nem fome eu sentia. Aquele foi o pior aniversário da minha vida.

Chegamos a um hotel muito bonito, que ficava na frente de uma praça, o nome deste era HOTEL DEMÉTRI e embaixo havia cinco estrelas. Entramos e Marcelo logo conseguiu um quarto para cada um. Subimos e eu fiquei no quarto 126. Ao entrar a única coisa que eu fiz foi trancar a porta, sentar no chão, e chorar feito uma criança.

Como eu fui burro. Porque eu disse para ele não ir? Eu tinha certeza de que ele não iria voltar. Não duvidava de seu amor por mim, mas eu sabia que ele queria sair de cena, não por ele, mas por mim. Matheus me amava verdadeiramente e sabia que as coisas estavam complicadas, e que ele precisava se afastar. Diversas vezes ele me falava que sentia-se estranho em estar numa casa cheio de bruxos, e ele no meio sem poder fazer nada. Ele se sentia deslocado, por mais que todo mundo o tratasse bem. Todos amavam ele, mas ele achava que todos apenas gostavam dele, porque ele estava comigo.

E aquela história de ouvir Nathan dizendo que me amava? Era absurdo. Matheus era ciumento demais pra ouvir algo assim e ficar quieto. Eu o conhecia. Como eu fui burro!

Era preciso aceitar o fato de que naquele momento não estaríamos juntos, e eu precisava fazer algo pra mudar isso. Eu queria viver feliz ao lado dele, e eu iria correr os riscos que tivesse que correr. Mas no meio da noite eu disse a mim que aquela atitude era o melhor que ele poderia ter feito. Era melhor estar longe, pois apenas assim eu me sentiria seguro, sabendo que ele estava em segurança.

Amanheceu.

Kauvirno entrou no quarto e me acordou. Eu estava dormindo no chão.

– Ei menino, eu sei que é duro. Mas é melhor ele ir mesmo... estará mais seguro com seus pais do que conosco. Seja forte, vocês irão se ver de novo em breve. – disse ele.

Descemos e fomos tomar o café da manhã.

Era magnífico como todos agiam sem se preocupar com absolutamente nada. Crianças brincavam no saguão de entrada do hotel, que era lindo, fazendo bolinhas de sabão voarem de um lado a outro. Passamos por uma espécie de jardim de inverno, com uma imensa árvore plantada.

– O hotel foi construído em volta da árvore, ela tem mais de 200 anos. – disse Marcelo.

Ali tinha alguns casais. Homens e mulheres com seus namorados e namoradas, casais que no meu mundo, chamavam de normais, e outros que chamariam de escandalosos. Em Assis era assim. Não havia aquele tipo de preconceito ridículo que o mundo dos não-mágicos tinha. Era um lugar tão aconchegante de estar que trazia felicidade.

Comi um pedaço de bolo, suco de laranja. Eu tenho certeza de que o garçom jogou um olhar pra mim, eu acabei sacudindo a cabeça e soltei um leve sorriso. Depois, antes de sair do restaurante, ele se aproximou.

– Oi! – disse ele, suavemente. Ele era lindo, olhos escuros, loiro, pele branca, e quase do meu tamanho, um pouco mais alto.

– Olá!

– Eu posso perder o emprego se me virem falando com você, mas eu não resisti. – disse ele, olhando para todos os lados, preocupado que alguém o visse.

– Não resistiu? – eu perguntei.

– Não, você é mais lindo que um anjo, como eu resistiria não ouvir sua voz?

Aquilo foi tão delicado de se ouvir. Logo imaginei Matheus me dizendo aquilo, quando eu acordasse.

– Pegue, meu telefone! Me liga, mesmo se for pra dizer que não aceitar tomar um café.

– Eu ligo, assim que eu puder. – eu disse, guardando o papel no bolso.

– Está comprometido? – ele perguntou.

– Eu acho que ainda sim! – eu falei sem entusiasmo.

– Que pena. Mesmo assim, me ligue, eu não preciso te beijar para conseguir um pouco de felicidade.

Ele mandou um beijo e saiu correndo, indo até uma mesa para atender um cliente.

Marcelo, Kauvirno e eu seguimos para fora do hotel, onde pegamos um táxi e fomos até o museu. Fazia muito sol na cidade de Assis, e isso era sinal de festa. Todos estavam na rua, brincando. Era todo mundo muito feliz. Quase uma utopia, só que real.

Chegamos ao museu, que se chamava:

MUSEU DE ARTES MÁGICAS

TODA A HISTÓRIA DA BRUXARIA DE NOSSO PAÍS.

FUNDADA EM 1785

Logo pensei que a internet que eu e Matheus usamos para achar sobre a minha família, era quase nada, perto do tamanho desse museu. Na net, tudo era limitado, e muitas coisas eram inventadas. Ao contrário daqui, tudo era real.

Subimos uma longa escadaria ate chegar à porta, onde o porteiro nos deu boas vindas. Já lá dentro era mágico. Havia cadeiras e mesas por todos os lados, e no centro um enorme balcão com belas moças. Marcelo chegou até ela e apresentou uma carteirinha.

– Senhor Alves, siga-me, por favor! – disse uma moça morena.

A seguimos, subindo mais uns lances de escadas. Existiam livros por todas as partes, centenas e mais centenas deles espalhados pelo chão, em grandes pilhas. Pra mim, aquilo era uma imensa bagunça, mas logo eu percebi como funcionava.

Havia em cima de cada pilha de livros, os temas, tais como MAGIA NEGRA, FAMILIAS ESTRANGEIRAS, FEITIÇOS DO AMOR, FEITIÇOS DE TRANSFIGURAÇÃO HUMANA, ENCANTOS DE FLORES, GRANDES NOMES DA HISTÓRIA. Alias passando por esse um garoto de uns 15 anos, aproximadamente, sentado no chão disse:

– Grandes nomes da História, senhor Joaquim Santos.

A pilha se moveu e um livro voou de lá, até a mão do garoto. Tinha dezenas de pessoas fazendo isso, e muitos foram os que paravam para nos olhar. Todos eram lindos, até parecia que seus pais fazia algum feitiço para serem assim.

– Chegamos, o senhor tem até as seis da tarde dentro do ambiente. – disse ela ao chegarmos numa porta que nada dizia. Ela abriu e nós entramos.

Esta sala não era grande, era até pequena. Diferente do outro lado do museu, aqui os livros estavam em prateleiras.

– Kau, como diz Museu, se aqui mais parece uma biblioteca?

– Diga-me Kayo, o que uma biblioteca tem?

– Livros.

– E o que um Museu tem?

– Normalmente, objetos antigos e valiosos!

– Então, esses são livros valiosos, e tem mais. Os objetos que eles guardam, fazem este lugar ser um Museu.

– Eu não entendo.

Marcelo pegou um livro qualquer da prateleira e me entregou, nele dizia:

CAÇADORES DE MENTES

Eu perguntei o que iria fazer com aquilo. Ele pediu que eu abri-se e visse qualquer figura. Acabei folheando-o e vi uma imagem de um candelabro, de três pontas, e ao lado algo parecido com um cérebro.

– Ponha a mão na figura! – disse ele.

Ao por a mão, alguma coisa pareceu esquisita. Eu comecei a sentir minha mão gelada e quando dei conta minha mão estava dentro do livro.

– Puxe! – disse ele.

Ao puxar, eu segurava o candelabro na mão. Ele era tão real, que se eu batesse na prateleira iria fazer barulho. Havia uma corda esfumaçada entre o candelabro na minha mão e o livro.

– Os objetos deste museu são guardados dentro dos livros! – disse ele, indo para uma mesinha no centro da sala.

Eu fiquei encantado com aquilo, e como eu desejei que Matheus estivesse do meu lado. Os olhos dele, sempre brilhavam quando ele via algo novo. Eu pensei no que ele estaria fazendo agora, e certamente que sua mãe e seu pai estavam felizes, principalmente por eu não estar do lado dele. Como eu fui idiota.

Kauvirno me chamou até aquela mesinha, e eu sentei. Marcelo ainda lia alguns livros. Eu comecei a folhear alguns e então achei um jornal, sem foto, apenas com a escrita que dizia: Morre nosso Fundador.

Mediante as grandes tribulações no passado, com a chegada da Nova Ordem dos Ancestrais, muitos foram os bruxos que se revoltaram, criando-se assim desordem mundial no mundo todo.

Assis Demétri fora uns dos que tiveram que se exilar e buscar abrigo em terras não habitadas.

Vindo para o Brasil, ele fundou a então cidade de Assis, que carrega teu nome. Desejando que aqui fosse um lugar onde qualquer bruxo pudesse ser feliz.

Conta-se que ele, fora pessoalmente ao lar dos Ancestrais, e pediu para que o povoado de Assis não fosse afetado com a Nova Ordem. Segundo ele mesmo, os próprios Ancestrais disseram que a cidade de Assis não seria vista com maus olhos, no entanto aqui, nenhuma não-mágico poderia habitar.

Foram tempos difíceis em que soldados do clã de Átimos quiseram invadir nossa cidade, e liderá-la.

Graças á força de nosso povo, Átimos e sua tribo de bruxos do mal, não conseguiram tal feito. Infelizmente, Assis Demétri deixa esposa e dois filhos, mediante um suicido, que ninguém soube explicar os motivos.

Lamentamos muito a morte de nosso amigo e desejamos que encontre a felicidade.

A cidade de Assis lamentara essa perda por toda sua existência.

Então o senhor Demétri havia realmente se suicidado. E, contudo, deixou uma família.

– Demétri tinha dois filhos. – eu comentei.

– Sim, teve. Já morreram, logicamente! – disse Marcelo, ainda lendo um livro – Por favor, Kayo, empreste o colar!

Eu retirei o colar do pescoço e entreguei a Marcelo que ficou ali estudando-o e lendo alguma coisa no livro.

Kauvirno parecia anestesiado com uma leitura estranha. Diversas vezes ele tirava do livro uma taça, e comentava que aquilo era impossível. Sem saber ao certo o que eu estava fazendo ali continuei folheando os livros.

Era tarde de domingo quando aqueles homens se encontraram frente a frente dentro da taberna. O rico e o mendigo se entreolharam e então saíram. Se xingaram e logo depois começaram a se bater. Até que o rico tirou sua varinha, que se transformou num cajado e lançou um raio no mendigo que caiu no chão quase morto.

A guarda chegou e sem entender o motivo que fez com que o rico atacasse o mendigo, socorreu-o, e outros prenderam o rico.

Durante aquela semana, o rico seria julgado por usar magia contra um desarmado e seria, provavelmente punido, mas o depoimento do mendigo dizia que ele causara tal reação. Sem entender nada, o líder da aldeia pediu explicações.

O mendigo então comentou que, apesar de ser imundo e mendigar ele era sábio, e há muito tempo atrás ele tinha muito dinheiro. Mas perdeu numa jogada de azar com aquele rico, que estava a sua frente. Disse que hoje ele entendia que o aquele rico, não era sábio e utilizou de magia para vencer. Que ele guardava mágoas, mas deseja a vida nas ruas do que todo o dinheiro que tinha.

Obviamente o rico, disse que aquilo não era verdade. Que ele realmente era sábio, e houve muita discussão.

O líder da aldeia então pediu que ambos provassem que eram sábios, em outro jogo de azar. Dessa vez não seria o dinheiro, e sim a sabedoria que estaria em jogo.

Todos foram até o centro da aldeia e formou-se uma aglomeração. O líder se aproximou de ambos e deu-lhes uma poção. Logo a sabedoria de ambos se transformou em um liquido que fora recolhido e posto ambos numa taça prateada com grandes rubis, posta ao lado da cadeira do líder.

A ideia era que o líder fizesse uma singela pergunta, e aquele que respondesse certo ganharia sua sabedoria de volta, e beberia a de seu inimigo.

Eis que veio a pergunta: Qual o propósito da vida?

O rico ficou um tempo mudo, e então o mendigo soltou a palavra: Viver, nobre líder! Propósito da vida é viver.

Estando certo do que falara, após os aplausos de todos, o líder virou-se para entregar o prêmio ao mendigo, e percebeu que a mesma não estava lá. Muito menos o rico.

– Essa história da taça é estranha. – eu comentei.

– O que tem de estranho nela?

– Pelo que eu entendi tanto o mendigo quanto o rico eram sábios. Mas não eram iguais. O mendigo realmente sabia das coisas, mas o rico também sabia. Mesmo sem suas sabedorias, eles sabiam algo. Mesmo sem sua sabedoria o mendigo respondeu perfeitamente a pergunta do líder. O rico não responder por que a sabedoria dele era diferente. Ele sabia roubar, trapacear. Ele roubou a taça.

– Provavelmente, se não fosse pelo motivo de que ele fora encontrado morto três dias depois. Pelo menos é o que reza a lenda. – disse Marcelo.

– Mas para ser lenda, ela teria que ser verdadeira. Veja o Colar do Parvo, muitos são os que sabem do colar, apenas porque ouviram falar, mas não tem fé que ele realmente existe.

– Sim.

– Então, logo a história da taça é real. – eu pensei um pouco – Minha mãe disse que minha família, antes de ir para fogueira, fizeram uma cópia de seus filhos, de Edvan e Marian, para que eles não fossem mortos. E se esse rico tivesse feito à mesma coisa?

– Impossível, não teria como enganar um bruxo com um feitiço desses. - falou Kauvirno.

– Veja, ele era sábio. Mesmo sem sua sabedoria na hora ele fez o que melhor ele sabia fazer. Que era roubar sem ser visto. No entanto por ele ter sumido, todos desconfiaram dele, mas logo essa desconfiança acabou, pois encontraram o corpo dele. Ele poderia muito bem ter feito algo para parecer que estava morto.

– Apesar de fazer sentido, duvido que ele tenha conseguido fazer algo...

– Não é questão de fazer algo, Kauvirno. E sim de ter fingido. Ele era bom no que fazia. Provavelmente pegou a taça no momento que todos comemoravam a esperteza do mendigo, foi para a floresta e escondeu a taça em algum lugar. Voltando depois, como morto para que ninguém desconfiasse dele. Por ninguém ter achado a taça, a história acabou virando essa lenda.

– Está bem, mas onde a taça se encaixa com o colar? – perguntou Marcelo.

Eu pensei um pouco.

– Os filhos de Assis, essa é a ligação com o Colar do Parvo. – ao falar isso o colar na mão de Marcelo ficou vermelho e chegou a esquentar a mão dele. Ele deixou o colar cair no chão.

– Os Eruditos. Filhos de Assis Demétri, fundador da cidade Assis e primo de Adamastor Demétri, o Parvo. – disse Kauvirno.

– Porque eles fizeram isso um com o outro? – eu perguntei - Qual o nome deles?

Deixamos o colar ali no chão, pois ele ainda estava vermelho e provavelmente quente. Procuramos ali e aqui até que achamos o nome dos filhos de Assis.

– Aqui, era João e Adalberto Demétri. – falou Kauvirno lendo um jornal – Diz aqui que após a morte da mãe, eles foram levados para um orfanato e foram adotados por famílias diferentes, eram novos quando isso aconteceu. Provavelmente acabaram esquecendo de sua ligação sanguínea.

– Mas Kauvirno, o mendigo era o rico. E não ao contrário.

– Si, Kayo, o tal mendigo era João, que tinha sido adotado por uma família nobre, já Adalberto não. Eles não ficaram com herança dos pais, porque Assis antes de morrer deixou uma carta dizendo que nem sua esposa e seus filhos teriam direito a nada. Pois ele se sentia envergonhado. – disse Kauvirno – E logicamente que estava, seu primo havia sumido, por ele ter roubado o amor de sua vida.

– Jogada do destino ou trapaças? – perguntou Marcelo.

Eu levantei e fui até o colar, e o peguei. Ele ainda estava com aquela luz vermelha trepidante, mas não estava tão quente. Eu olhei para o coração e para os olhos da serpente.

– Adalberto ficou sabendo que seu irmão era rico, e quando completou certa idade foi em busca dele. Não aceitando o fato de viver numa família pobre, ele lançou o tal jogo de azar, que valia toda a riqueza do outro. Adalberto não era rico, mas se vestiu como um, com roupas alugadas. Ele conseguiu vencer João em um jogo de cartas. Como João era digno de sua palavra entregou toda a sua riqueza a Adalberto, e então vivia nas ruas. E isso fez com que ele se se torna um sábio. Sem ter o que fazer, João procurava sempre saber mais, enquanto Adalberto aprendia como aplicar novos truques.

– Viu isso através do colar? – perguntou o Kauvirno.

– Sim!

– E ele não mostra mais nada?

– Precisamos encontrar o túmulo de Ana Bela, o mais rápido possível. – eu disse, quase que hipnotizado.