Depois de algum tempo, um portal se abriu na parede da sala. Por ele passaram os pais de Matheus, Tereza e a velha Marina, cheios de malas. A mãe de Matheus veio logo abraçando seu amado filho, e atrás dela, veio o pai dele. A velha Marina me olhou de baixo a cima e nem disse, um olá. Eu também não fazia questão.

– Só os trouxe porque ela insistiu muito. – disse Tereza.

– Você está bem meu filho? Não acha que deveria vir com a gente? Fique conosco, teu lugar é do nosso lado. – dizia a mãe dele.

– Mãe o meu lugar é o lado do Kayo.

– Pare de falar dele como se fosse à única coisa importante na vida. Eu sou tua mãe, e ele teu pai. Trouxemos-te a vida, te ensinamos a andar, a falar, sustentamos você, e você apenas pensa nesse garoto? – disse ela.

– Começou! – disse Adrian, saindo da sala. Nathan se aproximou de mim, e eu fiquei ali encarando os pais dele.

– Mãe, eu realmente agradeço por tudo, mas o momento agora é ficar ao lado dele...

– Você é um ingrato, é isso o que você é.

– Eu não vou discutir com vocês, vão, se Kauvirno chegar e ver vocês aqui, ele irá brigar com a Tereza.

A mãe dele virou-se e foi para perto de Tereza. Quanto ao pai, nada mais disse. Todos passaram pelo portal novamente, e então o mesmo se fechou.

– É ridículo o que eu tenho que passar, Matheus! – eu disse, inconformado.

– E você acha que eu gosto, quando eles agem assim? Eu fico machucado tanto quanto você.

– Será mesmo? Se você fosse como eu, já teria mandado eles a merda.

– Eu não vou mandar meus pais à merda, Kayo. São os meus pais.

– Sério? Não se esqueça do que teu pai fez a nós dois, quando fomos contar a eles...

– Não eu não me esqueci, mas também não irei fazer disso um martírio em minha vida.

– Quer sabe, Matheus, some da minha frente. Você deveria ir com eles, e ficar com eles...

– Não se preocupe, Kayo... – disse ele saindo da sala.

– Aonde você vai? – eu perguntei.

– Vou sumir! – gritou ele, logo depois a ouvi o barulho da porta batendo.

– Merda!

– Você pegou pesado, filho!

– Mãe, não começa!

– Menos, eu não sou ele, eu sou sua mãe!

– Desculpa. Eu vou falar com ele.

Eu sai da sala e fui atrás de Matheus. Ele estava sentado na fonte, com a mão na água, circulando-a. Me cortava o coração quando brigávamos. Nem tudo era mil maravilhas em nossa relação.

– Matheus?

– O que você quer? – disse ele, com a voz embargada.

– Você está chorando?

– Não, um cisco chamado raiva, caiu nos meus olhos e não quer sair. – disse ele.

– Desculpa, mas é que eu não agüento mais me encontrar com teus pais e eles sempre agirem dessa maneira, e você ficar quieto. Simplesmente não toma uma atitude...

– Kayo, você vive com o seus pais. Seus pais são bruxos e sabem se defender. Seus pais aceitam você, se deitando com um homem na cama. Os seus pais não precisam se esconder. Eles eram ativos, sempre saiam, davam festas. Tinham amigos. Éramos uma família feliz, e isso se perdeu... você tem que entender eles.

– Você falando assim, me passa a sensação de que eu tenho culpa de algo.

– Você não tem culpa de nada. Eu quis assim, fui eu que insisti em ficar com você, e eu não me arrependo. Eu amo você, é do teu lado que eu quero morrer. Quero mais que meus pais se explodam, eu não dou a mínima para o que eles falam. Mas do que adianta você querer que eles te aceitem, se você não os aceita?

Eu fui até ele e o abracei. Amava o teu cheiro, o seu toque. Fomos para o quarto e logo dormimos. No dia seguinte, quando eu acordei, ele estava sentado na poltrona do quarto, olhado o nascer do sol.

Ele não falou nada, se aproximou, me deu bom dia com um delicado beijo e disse que Kauvirno estava me esperando na biblioteca. Eu fui até o banheiro, lavei o rosto, escovei os dentes, e ajeitei o cabelo. Fui até a biblioteca.

– Bom dia! – eu disse a Kauvirno e Marcelo.

– Bom dia, tome um pouco de café! – disse Kau.

– Dormiu bem? – perguntou Marcelo.

– Mais ou menos, o que trazem de novo? – eu perguntei, indo até a mesinha e pondo café na xícara.

– Bem, ontem fomos até um museu. O museu de Assis, você não conhece, é um museu de bruxos, numa cidade bruxa, ao norte daqui. – disse Kauvirno.

– E o que encontraram lá?

– Não muita coisa, apenas isso! – disse ele, me dando um pedaço de papel envelhecido, muito rabiscado com uma frase no centro. Nele dizia:

Cabe-se lembrar, que do porto ao pasto, o caminho será longo.

Que do pasto ao terreno árido, será ardiloso.

Que do árido, encontrarás um imenso verde, e ali estará seu túmulo.

– O que isso quer dizer? – eu perguntei.

– Essas são as descrições da cidade de Assis. O caminho para se chegar até essa cidade. – disse Marcelo.

– Veja, antigamente, nós bruxos se comunicávamos assim, para não deixar pistas da localização de nossas moradas aos não-mágicos. No entanto, a descrição da cidade de Assis, não havia essa parte riscada, “e ali estará seu túmulo”.

– Eu continuo sem entender!

– Kayo, este museu de Assis, é também uma espécie de registro de tudo o que já aconteceu no mundo bruxo. É uma cidade fantasma para os não-mágicos, mais contém muito vida, para aqueles que a venda for retirada. Tudo o que se precisa saber, está em Assis, e se não tiver lá, é porque não existe. – disse Marcelo.

– Quando eu sumo é lá que eu vou. Obviamente que se envolver nos contos de que o Museu de Assis guarda é arriscado. Nem sempre pode crer no que achamos lá. No entanto, aqui no país, Assis foi à primeira cidade oficializada, como morada dos bruxos, e foi fundada por Assis Demétri em 1658. Existe muita história entre aquelas paredes.

– Quando conversamos, e você comentou sobre a hipótese de que Étimos teria conseguido trazer teu pai a vida, como escravo, eu lembro de ter dito que aquilo era impossível, pois não existiam nos anais da história dos bruxos, algo assim. Quando terminamos a conversa, corremos até o museu para estudar um pouco mais, e achamos um caso há alguns séculos em Portugal, de um filho que trouxera à mãe a vida, e a trouxe como escrava. Mas foi apenas um caso isolado, a mulher fora enterrada, e deve estar acordada até hoje. – disse Marcelo com lastima na voz - E quanto ao filho, ele enlouqueceu e logo depois se matou.

– E na pesquisa, achamos em meio a livros que falavam sobre o colar e a taça, este papel, contendo essas palavras. Essa é a letra de Assis Demétri, o fundado da cidade, ele fizera centenas desses e espalhou entre outras vilas, esperando que outros bruxos viessem até a cidade para morar. Ele queria que todos estivessem sempre juntos.

– E o que isso tem haver com o Colar do Parvo?

– Bem, a história do Parvo, é datada, em sua primeira publicação em 1668, ou seja, dez anos depois da fundação da cidade. E lendo novamente a lenda, eu pude perceber algo de estranho.

– Alias, percebemos! – corrigiu Marcelo – O Parvo, era de fato português, e no começo da história dizia:

E ele veio até esta terra quente, buscando abrigo no sol. Vindo junto de návios portugueses, acompanhado de seu primo, fundador de Assis, o senhor Assis Demétri.

“O homem se chamava Adamastor, certo? Mas até então ele não tinha um sobrenome, soubemos então, lendo registros do museu, que existia um único Adamastor em toda cidade, seu nome era Adamastor Demétri. Ele era primo de Assis. Portanto, ele é o Parvo.”

– Outra cosia que achamos também estranha foi na identificação da cidade, o porquê havia essa frase dizendo que o tumulo estava lá. Veja, Assis e Adamastor eram inseparáveis, no entanto, quando Adamastor sumiu, logo em seguida Assis casou-se, e depois se enforcou.

– Porque ele faria isso?

– Kayo, Assis roubou o amor de Adamastor, que fugiu e entregou seu coração a serpente. Provavelmente ele deve ter se sentido culpado pelo sumiço do primo, e pelo que fizera, acabou não suportando a pressão.

– Então a esposa de Assis, era o amor de Adamastor?

– Sim, boatos então se seguiram na cidade sobre a morte de Assis, e Ana Bela, a esposa de Assis, acabou morrendo, meses depois.

– A letra riscada não é de Assis, existem diferenças, outra pessoa quis deixar alguma coisa registrada. – disse Marcelo.

– Só que ninguém sabe dizer ao certo aonde ela foi enterrada, mas devido a essa descrição, sabemos que o corpo está lá. Só não se sabe aonde.

– A descrição é clara, não deixa dúvida de que o corpo de Ana Bela, esteja realmente lá. – concluiu Kauvirno.

– Não é só teorias, no entanto ainda não sabemos se, pra ganhar a confiança do colar, é preciso, realmente achar o corpo de Ana Bela.

– E o que faremos agora? – eu os indaguei.

– Voltaremos para Assis, e iremos descobrir onde ela está enterrada. – disse Kauvirno.