O Chofer do Apocalipse: Corrida Mortal

Tudo é questão de ponto de vista


Depois de despachar Gula e Preguiça de volta à casa dos Sete Pecados, Bone dirigiu em direção à Terra da Peste. A máscara da Peste estava no porta-luvas, porém causava uma sensação de encarada que deixava Bone desconfortável.

Enquanto Guerra tinha seu exército de arcanjos, Morte tinha seus ceifadores e Fome estava longe do campo de batalha, Peste agiu silenciosamente durante o fim da civilização. Ela se infiltrou entre as pessoas e espalhou seu toque envenenado, às vezes causando uma gripe insuportável, às vezes com uma doença mortal. Diferentemente das outras Cavaleiras, a Peste não tinha controle total sobre suas habilidades. Ou tinha, mas ela gostava tanto do caos que deixava a aleatoriedade decidir qual seria a próxima pandemia global.

Bone seguiu em linha reta, o cenário inóspito e sem sinal de vida verde dominando o caminho, muita terra e areia deixavam o ambiente alaranjado, Bone até se imaginou sentindo o calor local. De vez em quando, no sentido contrário, aparecia um pistoleiro montado num cavalo de fogo ou algum caminhoneiro fantasma que não fez a entrega em tempo hábil. Em tempos antigos, ele gostava de contar a presença de uma planta chamada cacto, apenas por distração, mas atualmente parecia tão extinta quanto a humanidade.

Três dias foram suficientes para chegar à Terra da Peste. Porém, um azul vívido dominava o céu enquanto os prédios pareciam refletir o tom de cor. Bone não se lembrava que a Terra da Peste era assim.

Reza a lenda que esta foi a primeira cidade a sucumbir a uma doença mortal e infecciosa, transmitida pelo ar que afetava os cinco sentidos, sempre começando com manchas na pele e prosseguindo de forma aleatória — alguns sentiam a perda do paladar logo em seguida, mas outros não respiravam direito, alguns chegaram a ficar cegos e surdos de uma vez só. Não houve tempo hábil para uma vacina, rapidamente se tornando uma epidemia restrita a esta região. Pelos conhecimentos de Bone, Peste não costumava repetir seus métodos, atacando de forma silenciosa e inesperada com outro tipo de doença fatal.

Prosseguiu com o carro até o trono da Peste — uma montanha de ossos e crânios que levava a uma cadeira, acima de tudo e todos. Ela estava sentada, com a cabeça apoiada sobre o punho fechado enquanto o indicador da outra mão batia sobre o braço do trono. Bone desligou o motor e abriu o vidro, revelando a máscara.

— Até que enfim mandaram alguém — reclamou Peste. — Pode vir. Se for humano, use uma máscara.

Bone desceu do carro e fechou a porta. Andou alguns metros até Peste. Era uma mulher coberta por um manto azul, combinando com o ambiente estranhamente vívido ao seu redor; um capuz cobria sua cabeça enquanto seu rosto era escondido por uma máscara de bico longo, tão azul quanto suas vestes. Desceu do trono ajudada pelo vento. A manta subiu um pouco, revelando as meias limpas e também azuis.

— Madame Peste — disse Bone cordialmente.

— Me entregue a máscara logo — disse Peste, impaciente.

Bone obedeceu. Peste pegou e se virou de imediato, trocando de máscara sem revelar seu rosto. Uma névoa rapidamente a envolveu, trocando o vívido azul por um mórbido cinza. Juntamente com Peste, a cidade perdeu toda a cor, voltando ao cinza natural da última visita de Bone.

— Bem melhor. Azul não combina comigo.

— Certo. Adeus.

— Não tão rápido. Soube que os Sete Pecados terão um novo piloto para a Corrida Mortal. Minha intuição diz que será você.

— Alguma vez sua intuição acertou em algo?

— Na maioria das vezes, sim. E todos os sinais indicam isso. Eu pedi minha máscara de volta, que estava com Luxúria. E eis que ela envia o lacaio da Morte.

— Ex-lacaio — corrigiu Bone, cerrando os dentes.

— Tudo é questão de ponto de vista, afinal me parece função de um lacaio fiel salvar o casamento de sua chefa.

— Eu não queria pegar aquela corrida, estava no meio de um conflito matrimonial sendo perseguido por um exército de anjos e eu só passei um conselho óbvio! — resumiu Bone depressa e irritando-se a cada palavra dita.

— Ainda assim, você estava lá quando ela precisou. E está hesitando com a proposta porque ainda tem fidelidade a ela.

Bone podia imaginar um sorriso orgulhoso sobre o rosto da Peste. Se tivesse olhos, reviraria eles.

— Vai querer mais alguma coisa ou já posso ir embora?

— Quero que aceite a proposta dos Sete Pecados.

— Aff! Adeus! — Com uma virada de direção, Bone voltou para o carro.

Peste continuou falando:

— Se existe uma chance de se livrar totalmente da lealdade à Morte, é vencendo a equipe dela em seu próprio torneio. Não acharia isso deliciosamente irônico, Bone?

— Tudo é questão de ponto de vista, madame — murmurou Bone ao ligar o motor e seguir seu rumo. — Eu odeio ironias.