O Boxeador Irlandês

Os Dias de Trabalho


Dizem que o ser humano, a cada mês que passa, possui três trabalhos para se fazer. E depois de forma natural ou persuasiva vai aparecendo mais trabalhos. Independente da sua religião ou ideias de vida. É algo que todos devem encarar até mesmo contra a sua vontade.

Quando cheguei da prisão, fui direto para onde morei até ser preso. Um apartamento bem simples. Do estilo que qualquer um pode comprar e manter. O velho cobrador estava na recepção assistindo TV e lendo o jornal, sentado em uma cadeira. Quando entrei, me reconheceu logo de cara.

– Eu vim...

– Eu sei quem você é, Irlandês. – O velho dizia – Sai fora da minha propriedade!

– Tenha calma. Tenho dinheiro.

– Não quero o seu dinheiro. Vai embora! Por sua causa esse lugar ficou rodeado por policiais.

Respiro fundo. Esse velho está começando a me irritar...

Puxo duzentas libras da carteira. Jogo na mesa.

– Eu já disse que não quero o seu dinheiro! Vai embora! – O velho grita.

Calmamente balanço a cabeça. Pego o dinheiro de volta e coloco no bolso. Antes de sair, deixo a bolsa perto da porta. O velho volta a sua “atividade”. Enquanto isso, respiro fundo. Minha mão começou a coçar quando decidi dar uma porrada nele.

Respira, Drake...

Quando paro na porta, fico apenas olhando para baixo e relembrando tudo como era antes. Antigamente, as coisas costumavam ser mais fáceis de se conseguir. Não era necessário se usar a força bruta. O fato de ter o respeito já era o suficiente.

Ter o respeito é muito diferente de conquistar o medo.

Respeito é algo que se conquista a cada dia. Faz com que as pessoas comecem a pensar diferente a seu respeito. E ninguém se apavora quando fala com elas. Medo acontece o contrário. No momento em que menos esperar, os que possuem medo se voltarão contra você.

O que eu costumava conquistar era respeito. Tratava todos bem, sem precisar explodir os miolos de ninguém. Dava um toque familiar nas coisas e tudo voltava a fazer sentido...

Relaxa, Drake...

O medo só era imposto nos meus inimigos. Eram eles quem nós caçávamos o tempo todo. Bem... Era o que os líderes colocavam em nossas mentes. Nos mostrávamos os “inimigos” que nem nos conhecia pessoalmente. Só sabiam que éramos selvagens cães de guerra...

Uma guerra de merda...

Fique tranquilo, Drake...

Acho que o tempo que fiquei preso fez com que esse velho perdesse o respeito por mim. No longo desses anos que morei na Inglaterra, antes de ser preso, nunca deixei atrasar uma conta. Sempre fui de respeitar as regras de moradia. Nunca ultrapassei do horário de silêncio. Nunca tive um policial batendo a minha porta dizendo que houve reclamação do vizinho. Eu poderia ser o cão mais violento de todo o canil. Porém sabia como obedecer todas as regras. Isso mantinha a baixa notação das outras pessoas.

Calma, Drake...

Mas existia momentos em que alguns caras extrapolavam. Matei um monte de covarde que vivia atazanando muita gente... Vândalos, bandidinhos... Skinheads... Eu adorava escutar esses marginalzinhos de gangue chorando pra não morrer... Pensava apenas uma coisa...

Foda-se, Drake!

No exato momento, entro no apartamento de novo em direção ao velho. Agarro o seu pescoço e puxo-o violentamente por cima da mesa. Ele começa a gritar apavorado... Quando o arremesso no chão, esse merda começa a gemer de dor...

– Sabe o que está fazendo, garoto?

No momento em que coloco a mão no seu pescoço e levanto o punho esquerdo, o velho se apavora.

– Não, não! Calma, garoto. Fica calmo!

– Eu nunca atrasei uma conta sua. Nunca lhe faltei com respeito. E nem você irá faltar comigo! – Babo de raiva – Passei oito anos no meio do inferno e tudo o que eu quero é a minha casa de volta. Tem algum problema com isso?

O velho balança a cabeça dizendo que não.

– Tenho o seu dinheiro. Sabe que não sou de atrasar contas. Sabe disso porque morei aqui até o dia em que fui preso. Mas não é porque saí da cadeia que irá me tratar como qualquer um.

Eu vejo as suas mãos tremendo de medo. Ele gemia assustado!

– Sabe quem eu sou, certo?

O velho balança a cabeça dizendo que sim.

– Sabe o que fazia pra te pagar, certo?

Sim.

– Eu já matei alguém que conhecia?

Não.

– Já explodi o seu carro?

Não.

– Já lhe faltei com respeito?

Não.

– Eu só quero a minha casa de volta. Isso é pedir muito?

Não.

Levanto o velho. Ele parece assustado. Porém mostro que não sou uma pessoa ruim. Passo a mão no seu ombro para tirar a sujeira. Demonstro que agora não quero lhe fazer mal como nunca quis fazer mal. Parece que entendeu...

– São duzentas libras. – Ele responde.

Não demoro muito pra puxar o dinheiro que ofereci do bolso. O velho pega a chave dizendo:

– Você tem sorte do seu apartamento estar vazio nesses dias.

Decido puxar conversa.

– Quantas pessoas se hospedaram nele?

– Umas três. A última morou apenas por cinco meses e depois foi embora. Tive que despejá-lo.

– Por que? – Isso me deixa curioso.

– Era um bêbado inveterado que batia na mulher. E isso não costumo admitir aqui. Você sabe...

– É. Eu sei...

Pego a minha bolsa e começou a subir as escadas. O velho me cumprimenta.

– Tenha um bom dia!

Eu escuto, mas não respondo. Não estou com clima de falar com ninguém agora. Acho que o fato de ver a minha irmã deve ter me deixado assim. Tudo o que quero fazer agora é descansar um pouco. Nem que seja com um colchão no chão e uma coberta.

Minha casa é no quarto andar. Alguns diriam que é de pobre ou de algum drogado. Mas é bom pra se manter sossegado. Dá para manter o aluguel e ninguém fica te perturbando. O foda é quando um vizinho precisava de alguma coisa como uma chave de fenda ou açúcar...

Açúcar é o melhor objeto para se conhecer um vizinho...

Por sorte o governo não colocou concreto na entrada. O que é positivo. O único trabalho que irei ter é enfiar a chave na tranca e girar a maçaneta. Ao entrar, percebo que a casa foi meio que reformada... Ou não!

O último inquilino deixou o fogão que parecia ser dos anos 80. A sala estava cheia de poeira. As janelas estavam com madeira na frente. As paredes estavam pintadas, mas o chão... O pior vêm aí: alguém soltou um barro e não deu descarga!

Puta que pariu...

O meu primeiro trabalho é conseguir dinheiro.

Eu só tenho 180 libras. Vou ter que comprar produtos de limpeza e comida pro dia seguinte. Sem falar de um colchão e um cobertor. Não vai dar para comprar tudo de uma vez. Mas é o que dá pra fazer. Parece que por enquanto os meus almoços se resumirão em um ovo cozido...

Não demoro muito para pedir ao velho uma vassoura e um pé de cabra. Ele me empresta sem problemas. A primeira coisa que faço é tirar a roupa e só ficar de cueca. Essas roupas são as únicas que tenho. Pela manhã já terei tempo o suficiente para conseguir todo o resto.

Atualmente, não posso recusar trabalho. Benny é o único chefe de toda a Inglaterra que aceitaria contratar um ex-detento. Principalmente um que era terrorista. É um ótimo amigo. Mas já tenho em mente que não posso confundir as coisas. Ele quer me ajudar. Como também tenho que respeitá-lo não pelo fato de ser meu amigo ou por ser um cara legal.

Mas porque, por enquanto, ele é o meu chefe!

Como as coisas realmente mudaram...

Por sorte achei um colchão velho dentro do armário. Dá para usar por uns dias. Com certeza irei acordar todo dolorido, mas já estou acostumado. Na época de soldado, era costume “acamparmos” dentro de uma van ou em um lugar quando vigiávamos alguém que queríamos eliminar. Existiam dias que não podíamos ir para casa. Então as ordens eram observar cada passo do nosso alvo.

Alguns eram apenas entrar e atirar quando ninguém estiver por perto. Mas outros tínhamos que vigiar os seus passos a cada momento. Desde a escovação de dente até o momento em que ia beber cerveja nos pubs.

É como dizem: “Não é como você faz. Mas quando você faz e com quem você faz. E se simplesmente ninguém te ver fazendo, simplesmente não aconteceu.”

Era sempre o mesmo desenrolar de história. Alguém via o local todo bagunçado e resolvia chamar a polícia. A cena do crime virava uma zona para “paparazzis criminais”. E o noticiário sempre mostrava que um grupo extremista matou uma pessoa que nem conheço e que tudo seria levado para investigação. O delegado fazia aquele bla bla bla moralista de sempre e dançava conforme a música. No final, ninguém encontrava o assassino ou o grupo que executou a ação...

Como eu disse antes... Se simplesmente ninguém te ver fazendo, simplesmente não aconteceu.

Uma boa noite de sono é tudo o que um ex-detento precisa ter depois de anos e anos de preocupação na cadeia. Você tinha que estar alerta até quando estivesse dormindo...

Quarta-Feira

E um barulho de sinal me acorda!

Isso me levanta de forma rápida. Olho para a janela e o sol começa a dar as caras. Minha cabeça deve estar girando de confusão porque não tem nenhum sinal no quarto! Ou estou ficando maluco ou oito anos foram o suficiente para possuir esse barulho na cabeça...

Servia apenas para mostrar que são seis horas da manhã...

Me levanto. Dobro o colchão e coloco no armário. Ainda bem que na mochila tem mais uma camisa e calça. Vou usar para fazer as coisas de hoje. Enquanto tomo o banho, dou uma lavada na roupa que usei quando voltei da prisão. Deixo secando na janela da cozinha. Visto a outra que estava na mochila e decido sair as compras.

O meu segundo trabalho é reformar o apartamento.

Tranco a porta, desço as escadas e começo a caminha pelas ruas de Londres. Tudo tranquilo por enquanto. Algumas crianças começam a entrar em cena com suas mochilas e uniformes escolares. Adultos saindo para trabalhar. Velhos respirando ar puro.

Nem quero me imaginar idoso...

Ando por alguns quarteirões e encontro um mercadinho que está abrindo. Não é lá grandes coisas. Mas é o suficiente. A mulher do caixa olha para mim de forma sorridente.

– Bom dia, Senhor.

– Bom dia. – respondo.

E de repente ela muda de cara...

Começo a procurar o necessário: comida e produtos de limpeza. Não posso gastar muito pois o dinheiro ainda é curto e tem que durar por pelo menos uma semana e meia. Aquela musiquinha que tocava na caixa de som do mercadinho até que não é tão ruim. Acho que ninguém iria ter sossego quando estivesse escutando algo agitado pela manhã. Parece piada, mas umas músicas assim até que gosto.

Eu poderia ter sido um dos soldados mais temíveis nos velhos tempos. Mas até mesmo o homem mais malvado do mundo possui um lado que nos sensibiliza a pensar duas vezes antes de fazer alguma merda.

No demais comprei 6 ovos, 6 pacotes de miojo, um detergente de limpeza, um desentupidor, uma panela pequena, uma pasta e uma escova dental, uma colher de cozinha, um sabão, um sabonete e uma toalha. Passo no caixa. Ao todo deu mais ou menos oitenta libras. Me sobraram cem e algumas moedas. Um cara, que parecia ser o dono, não parava de me olhar de forma suspeita. Acho que ele me conhece.

– Você é Drake Simons? – A mulher do caixa pergunta.

Estaria mentindo se eu dissesse que não fiquei surpreso.

– Sou. Algum problema? – Pergunto confuso.

A mulher do caixa continua com o seu trabalho.

– Desculpe. Mas o seu dinheiro não nos serve aqui. – dizia o dono.

– Eu acabei de pagar, Senhor. – Respondo, mostrando que não quero confusão.

Quando pego a sacola de compras, o homem continua me provocando.

– Deixe as compras e saia daqui agora.

Fique calmo, Drake. Ele está apenas lhe provocando.

– Isso eu não posso fazer, Senhor. Paguei pelas mercadorias.

– Ele pagou oitenta libras pelas compras, chefe. – Dizia a mulher do caixa.

– Cale a boca e não se meta! – Gritou o dono – Esse homem é um assassino que te falei.

– Olha, Senhor, eu não quero confusão. – Digo.

O dono puxa um bastão debaixo do caixa.

– Cai fora do meu mercado – o dono me aponta o bastão – ou eu terei que chamar a polícia.

Um policial começa a aparecer em cena. Veio correndo e já puxou o cassetete sem pensar duas vezes. Pela impressão, parecia estar me seguindo.

– Solte o bastão, Senhor. – O policial grita.

Apenas continuo com as mãos levantadas. Percebo que o local tinha uma câmera ligada. Isso me deixa mais tranquilo. Espero que o policial olhe o vídeo gravado.

– O que está havendo aqui, Senhor?

– Eu paguei pela mercadoria e ele do nada iria me bater com o taco... – respondo ao policial.

– Ele iria me roubar! – o dono grita.

Não acredito que ele disse isso...

– O que está havendo aqui? – um homem grita.

E quando olho para o lado, a pessoa que não gostaria de esbarrar de novo foi a minha única salvação naquele momento: Ray Stridge! Ele se aproxima, mostra o distintivo e começa a dizer de forma indireta que nada iria acontecer naquele momento.

– Eu estava o seguindo, Senhor Policial. – Ray responde.

– Ele estava assaltando o dono do estabelecimento, Senhor Oficial? – o policial pergunta.

– Não, não estava. Entrou no estabelecimento e iria pagar pelas compras.

O dono tenta insistir no erro.

– Eu o vi roubando a minha mercadoria. Estava ameaçando a caixa e iria embora sem pagar.

Por que ele continua a insistir na mentira?

– O senhor está ciente que perjúrio é crime? – Ray pergunta – Então já que ele – apontou para mim – iria roubar a sua mercadoria, então vamos olhar o vídeo daquela câmera na parede.

– Esqueça, a câmera está desligada.

– Então não tem porque temer. – Ray responde.

Tive que ficar no local esperando o guarda dar a ordem de libertação. O dono do estabelecimento fez tanta tempestade em um balde de água que pelo andar das coisas eu não serei liberado tão cedo. Não sei quem é ele e muito menos o porquê de me odiar. E isso não é uma dúvida que gostaria de esclarecer agora.

Ray Stridge sai do mercadinho e acena para o policial me libertar e manda o dono do estabelecimento devolver as compras.

O policial não perde tempo. Me ordena ficar de pé e aproveita a ocasião para revistar os meus bolsos. Ray vem andando com o dono que continua me olhando como se tivesse algum preconceito comigo. O seu jeito de cruzar os braços lembram um racista.

– Parece que o próprio dono desligou as câmeras. Porém você é um sujeito de muita sorte, Drake.

– Por que está me dizendo isso? – pergunto um pouco intrigado.

– A câmera de segurança pegou você pagando pelas mercadorias. Parece que o dono será detido por danos morais.

Apenas levanto os ombros e pego as mercadorias. Peço desculpas pelo transtorno e começo a seguir o meu caminho. No momento em que viro a esquina em direção a minha casa, Ray grita o meu nome.

– Drake, espere.

Eu paro, com aquela cara de “o que mais você quer?”. O seu caminhar é tão rápido que não demora em me alcançar...

– Preciso do seu depoimento.

– Acho que não vai ser necessário. – respondo.

– Isso seria obstrução. – Ray esclarece.

– Não. – respondo – Isso seria esquecer o que aconteceu e só me deixar ir para minha casa.

Ray fica intrigado.

– Por que está fazendo isso, Drake?

– Não quero problemas com ninguém. Só quero ir para casa e continuar com a minha vida. Ainda mais que tenho um apartamento para limpar.

Ray solta um riso apenas para me agradar. Percebe que não estou mentindo. Se aproxima de forma confrontante e me olha de cima embaixo.

– Você realmente mudou, Drake.

Ele dá uns passos como se estivesse querendo sair de cena e prosseguir com o seu dever.

– Por que está dizendo isso? – perguntei, com um tom alto por causa da sua distância.

Ray se vira dizendo algo que nunca esperei que iria dizer.

– Você nunca foi de fugir de brigas. – E retorna o seu caminho.

Apenas fico pensativo por um momento. Acho que o tempo que fiquei na cadeia foi o suficiente para tornar uma pessoa pensativa antes de tomar uma atitude. Não me sinto ofendido com o que disse, mas se isso significa que mudei estou um pouco assustado. Porém isso não quer dizer que me tornei um homem bundão.

Eu só não quero ter problemas pro enquanto...

Quando retorno para casa não tenho muita força para começar a faxina. Aquele incidente todo me deixou pensativo. Nunca fui de parar para pensar nas pessoas que matei ou os serviços que tinha que fazer. Mas aquele cara estava bravo comigo e eu não sei qual é a razão. Nunca fui de ser pensativo. Em outros tempos, teria quebrado o lugar todo utilizando a cabeça do dono! Ray deve ter tido um pouco de razão ao dizer que nunca fui de fugir de brigas. Acho que o tempo na prisão me afrouxou um pouco. Digo nas coisas básicas...

O dia foi tão chato que a única coisa que fiz foi lavar a roupa que utilizei ontem. Peguei uma linha de barbante e improvisei um varal na janela. Resolvi sair para fazer alguns exercícios. Corri. Fiz Flexões. Pratiquei sombra debaixo de uma árvore. Sei que estou fora do ramo das lutas por enquanto, mas não posso ficar parado.

Na volta, comprei uma rádio pequena e macarrão para comer como jantar. E pelo visto vou ter que comer isso a semana inteira. Tenho que economizar nas despesas. Sem falar que Benny me espera em seu escritório na transportadora que abriu. Pode até ser que não tenha o emprego dos meus sonhos para mim. Contanto que eu seja pago, tudo está numa boa.

Não espero receber o cargo mais maravilhoso do mundo. Ainda mais que ninguém contrataria alguém como eu...

Quinta-Feira

E o mesmo barulho de sempre toca na minha cabeça. Preciso desacostumar a ideia de que estou na prisão. Depois de oito anos enjaulado no meio do inferno, nem sei o que é pior: se tornar alguém importante na prisão ou não ser ninguém no meio do mundo?

Acordei ás seis da manhã. Não perdi tempo em começar a faxina. Varri a casa inteira, limpei o banheiro, guardei a panela, limpei a janela, ajeitei a cozinha...

E por aí vai...

Depois da faxina, fui direto para a transportadora do Benny. Bem notável pelo visto. A estrutura está em branco apenas com a cal seco esperando para ser pintado. O telhado é daqueles de ferro. Não é tão grande assim o espaço. Estão disponíveis três caminhões para serviço e ainda tinha vaga para outros cinco na área de descarga. Parece um serviço pesado. Mas nisso já estou acostumado.

Quando chego ao local, o segurança me para perguntando por quem estou procurando. Digo a ele que procuro pelo Benny e que sou um amigo de longa data. Ele me pede para esperar e contata em um telefone. Logo me dá o sinal verde e me indica como chegar até a sala do gerente. Não é um caminho tão longo e muito menos difícil de trilhar. Enquanto andava, via alguns homens carregando caixas e abastecendo os caminhões que estavam estacionados na área de descarga. Alguns tinham que usar um carrinho de carga para realizar a tarefa.

Subo as escadas. E ao chegar à recepção da sala do gerente, um sinal toca. Hora do almoço. Em um piscar de olhos, todos os operários estavam indo em direção ao Refeitório. Não era uma empresa de grande porte, mas acho que já seria um bom início.

O suficiente para Benny levar a vida...

Chego à recepção e uma mulher negra está trazendo as pastas da sala do gerente. Nada tão pesado. Parece ser a secretária. Ela possui um físico um tanto atlético. Usava um vestido azul e salto alto. Cabelos castanhos com loiro nas pontas. Nem me pergunte o tipo pois não sei...

Vou até a sua mesa.

– Estou procurando pelo Benny.

– Se eu fosse você, não entraria naquela sala agora... - a secretária me avisa.

– Ah! Sei bem o que é isso...

De onde estou, dava para escutar o tom de Benny tão nervoso. Sempre que ele entra nesse estado, ele começa a falar em Ucraniano. Conheço o cara faz tanto tempo que já estou acostumado. E não o culpo...

Ser líder de algo é realmente estressante!

Eu sei muito bem disso...

Benny desliga o telefone e ao me avistar pela janela da porta do escritório, autoriza a minha entrada. Quando tomo a cena, Benny praticamente estava encharcando a sua camisa social branca acompanhado de calça social e sapatos pretos. A mesa estava cheia de relatórios e o Notebook estava se afogando neles. Enquanto colocava o relógio no pulso esquerdo, decido mexer um pouco com ele.

– Fazia tempos que não o via nervoso desse jeito!

– Não fode, Drake! – ele responde com a minha risada.

Benny oferece o acento.

– Como você está, cara? – pergunto.

Benny toma o acento e começa com o assunto.

– Estou bem. E você? Soube que recuperou a casa e se meteu em confusão.

– Ah. É uma história bem chata... – fico sem graça.

Benny não embroma. Vai direto ao assunto.

– Eu consegui adiantar a sua vida, irmão. Soube que o departamento estava procurando por um lugar para você trabalhar. Conheço algumas pessoas relacionadas, pois já organizei entregas para elas. Então mexi os pauzinhos e consegui convencer o seu oficial da condicional aprovar a permissão para que você trabalhe por aqui até conseguir algo melhor.

– Era justamente o que iria falar com você. – e pareço mais sem graça ainda...

Benny se levanta, encosta-se à parede.

– Acontece que existem regras a ser cumpridas aqui. Não é como antigamente que elas poderiam ser quebradas e o único risco que teria é de ser morto.

Balanço a cabeça. E Benny começa a citar a infinidade de regras. Enquanto estou na condicional, irei trabalhar pintando o lugar com mais dois caras. Ganharei duzentas libras por semana por cinco horas de trabalho das nove até uma da tarde, tendo direito a pausa de vinte minutos e folga nos finais de semana. Como saí da prisão por bom comportamento, terei que assim que sair do trabalho ir direto para um terapeuta escolhido pelo departamento uma vez por semana durante um mês. O dia da consulta na semana pode ser escolhido por mim. Por primeiro atraso é advertido. No segundo, descontado. E no terceiro, minha demissão. Não posso me envolver em brigas. Não posso entrar em confronto com policiais. Qualquer descumprimento dessas regras serei enviado de volta para a prisão e passarei mais dois anos sem o direito da condicional.

Mas o pior vinha por aí...

– Você ainda não pode pisar em cima de um ringue por enquanto! – Benny avisa.

Isso me deixa indignado.

– Ué! Como assim?

– Bem, isso seria violência né?

– Ah qual é, irmão. Ninguém se importa se você é criminoso ou não quando está dando a sua cara no ringue. – reclamo – Qual seria o problema de eu voltar a lutar?

– Bem, a sua licença deve ter sido caçada. Não pode fazer lutas oficiais até segunda ordem.

Isso me deixa em posição de dúvida.

– Mas não estou proibido em voltar a treinar né? – pergunto.

Benny esboça um sorriso.

– Você caiu direitinho hein...

Eu fico sério enquanto Benny ria da minha cara. Por um momento, tenho vontade de encher a sua cara de porrada. Mas a minha amizade com ele é tão verdadeira que não consigo ter raiva de sua pessoa. Simplesmente aceito a brincadeira.

– Engraçadinho... – esboço um riso.

Ele me estende um copo de café da própria cafeteira que tinha na sala. Parece que não confia que a secretária faça o café. Dizia que o estilo ucraniano de fazer café era único e que só ele sabia o segredo. Coisa de família, dizia.

– Mas é sério, toma cuidado quando for lutar. – Benny suplica.

– Eu vou ter.

– Não, Drake, é sério. Você vai muito afoito pra cima dos caras. Parece até um tigre esfomeado. Tenta ser mais defensivo.

Eu dou uma risada. Benny realmente não conhece o Instinto Jack Dempsey...

Quando dou o gole definitivo no café, que nem estava muito quente assim, sou avisado que começo no dia seguinte. Pelo visto é um serviço imediato. Cumprimento o meu amigo e saio da sala. O que preciso fazer agora é me focar para o que pretendo fazer. Não é todo o dia que você tem a chance para mudar a sua vida. O problema é quem oferece essa chance...

Confio até a minha vida nas mãos do Benny. Só não gosto de Ray Stridge. Com certeza deve estar pensando em ter um esquema de barganha ou estelionato para cima de mim. Parece até um agiota. E o segredo de não ter um no seu pé é nunca deixar que ele saiba do seu podre mais fedido que possui.

Duzentas libras por semana não seriam nada se eu fosse casado. Mas como moro sozinho, dá pra se segurar por enquanto. Só preciso ser um pouco sistemático quando a gastá-lo de forma organizada. Não posso ir para um pub como antes. Beber uma cerveja preta até que cairia bem. Ao estilo irlandês. Dá um pouco de saudade em ver aquele povo falando gaélico, jogando dardos ou sinuca ou brincando de vira-vira.

Porém, tenho que manter distância por enquanto...

Oito dias depois

A minha rotina se tornou a mais chata de todas. Acordo, tomo café e me arrumo para trabalhar. Chego ao trabalho e faço refeição matinal com o resto do povo. E fico das nove até uma da tarde pintando aquela merda de parede da empresa na cor ordenada: verde escuro.

Nos dois primeiros dias, o outro cara costumava colocar uma rádio para ir tocando durante o serviço. Mas por causa da falta de produtividade, a chefia proibiu qualquer aparelho eletrônico de ser utilizado na hora de serviço. Isso também incluía celulares...

Acho que qualquer homem iria gostar de pintar uma casa, por exemplo, ao som de uma música ou tomando uma cerveja depois do trabalho. Para outros caras, seria a chance de curtir um bom ar fresco. Para mim, seria o momento perfeito para se sentir livre.

Visto uma roupa grande branca coloco uma rede na cabeça para a tinta não cair no cabelo. Ás vezes, por causa do calor, fico trabalhando sem camisa. O chefe não se importa contanto que o trabalho tenha produtividade e esteja concluído. É bem diferente da vida antiga. A diferença é que não tenho perigo de ser morto. Pra ser sincero até sinto falta de uma ação de vez enquanto. Mas isso agora é passado. Grande parte dos meus “irmãos em arma” estão mortos.

Sem falar que os irlandeses são bastante religiosos. Hoje é dia de São Patrício e qualquer um pode se tornar irlandês mesmo que por um dia. A única coisa que quero fazer é depois do trabalho tomar um copo bem grande de cerveja preta. Faz dias que não faço isso...

Quando o sinal toca para a hora do almoço é a hora da minha ida para casa. Benny, o chefe, me dá o salário e mais um adicional só para ajudar.

– Pra que isso? – pergunto.

– Pra você comprar roupas novas. – Benny dá uma risada.

Ele me entrega em envelope. Sabe que não tenho condições de abrir uma conta bancária por enquanto. Cento e cinquenta libras só para eu poder comprar roupas novas.

Exatamente isso o que faço. Não perco muito tempo. Passo em uma loja bem barata e compro três camisetas, três camisas, duas calças jeans, uma calça moleton, três meias brancas e quatro shorts.

Depois levo tudo para casa e lembro que já tem alguns dias que não vejo a minha irmã. Mas isso não é problema. Ela precisa se aliviar um pouco e acostumar com a ideia da minha liberdade. Não a culpo por ter raiva de mim. Deve ter passado um mal bocado por minha causa. Sarah sabia da minha vida dupla. Sendo boxeador e soldado do IRA. Praticamente eu ganhava dobrado, só que mais como soldado. Ela sempre me dizia para tomar cuidado com o que eu estava fazendo.

E eu tive... Na cadeia, a atenção foi dobrada!

Quando está chegando o entardecer, procuro um bom bar para aliviar os meus dias de trabalho. Amanhã é folga e não preciso me preocupar se ficar de porre. Porém, não posso gastar muito. Só quero tomar dois copos e ir embora. Vou a um bar irlandês chamado Pitsy’s Pub. Ao entrar, sinto-me retornando ao meu país. Aquela cantoria gaélica, barulhos de bola de sinuca, os dardos acertando o alvo...

Chego até o barman e peço um copo bem grande de cerveja preta. Antes pedia para adicionar dentro uma pequena dose de tequila só para batizar a minha alma irlandesa. Nisso, sinto um braço se chocando no meu.

– Eu te falei para ficar longe de confusão.

Reconheço a voz do meu amigo ucraniano.

– Como sabe que iria vir aqui? – Perguntei.

– Não sei. Sempre venho aqui. Eu que iria te perguntar a mesma coisa. – Benny responde.

Ele não demora muito em me apresentar aos companheiros de bebida. Mal cheguei no bar e já estávamos jogando dardos valendo uma dose de tequila a cada erro no alvo. Hoje é Dia de São Patrício. Fiquei oito anos sem saber o que é comemorar essa data. Contamos piadas, conversamos sobre mulheres. Até um momento em que um velho gago manda a pior piada de todas.

– É como diz o ditado: telhas de vidro afunda navios.

Puta que pariu. Me mijei de rir. Porra...

– Eu acho que você precisa de um livro de ditados. – acrescenta Benny – Tipo “Pra que escrever na máquina se você não tem tinta na caneta”?

Todos começam a rir. Não perco a deixa.

– E “Não atravesse a rua se não consegue sair da cozinha”!

E ríamos como crianças ao redor de uma fogueira.

No Dia de São Patrício, os pubs são proibidos de serem fechados. Os católicos se vestem de manto verde para a celebração. Existe épocas em que dura mais de uma semana. E essa época é a melhor para se encher a cara!

Quando o número de homens diminuiu no bar, pude aproveitar a liberdade de poder olhar um pouco para o outro lado. Vi que havia uma mulher loira tomando uma taça de champagne e resolvi me unir a ela depois de tanto olhar para mim. Conversa vai e conversa vem.

– Sabia que hoje faz três anos que estou casada? – ela desabafa.

– O que ele faz da vida? – pergunto.

– Ele é médico faz muito tempo. Mas é só chegar no Dia de São Patrício que prefere sumir com os amigos.

– E por que não faz o mesmo? – pergunto.

– Que mulher costuma sair para beber como os homens fazem?

– Geralmente são aquelas que possuem orgulho de estar solteiras.

– Mas lembre-se: eu não sou solteira! – ela responde como se estivesse duvidando da minha sabedoria.

Apenas olho com sinceridade.

– Nem sempre a mulher mais bela do mundo possui o tratamento que merece.

Ela fica quieta por um instante e percebe a minha atenção. Gira o dedo e torno da sua taça enquanto vou em direção a um gole. Não parou nem um minuto de notar o meu físico. Parece que aceitou o desafio.

– E quanto a você? – a mulher pergunta – Também possui alguém especial?

Puxo o ar entre os dentes, como se estivesse mostrando que é uma situação delicada.

– Eu tinha uma pessoa especial... Mas houve umas coisas que me impediram de continuarmos juntos...

Eu sei que estou mentindo. Acho que é a melhor forma indireta de dizer que estava preso sem ela perceber.

– E o que aconteceu? – ela pergunta curiosa.

– Tive que me mudar por questões de trabalho. Pedi até pra ela vir comigo, mas... Sabe como é. Ela disse que tinha coisas a fazer e apenas me desejou boa sorte. Desde então ela está por lá e eu estou aqui...

A mulher me diz algo que realmente me deixou surpreso.

– Eu acho que a sua ex possui um parafuso a menos na cabeça!

Ela fica estática. E do nada solta um riso. Parece que está tão interessada em mim que não consegue mais esconder a sua preferência. Dá pra ver que ela queria atenção e o trouxa do esposo a deixou sozinha...

– Que droga! Eu sou uma mulher casada!

Apenas solto um riso baixo.

– Você tem o que? Trinta e dois anos? – pergunto.

– Bom garoto. Tem boa memória. – ela diz... Excitada!

Olho em seus olhos.

– Eu sei que somos de países diferentes. Você é inglesa e eu sou irlandês. Mas em meu país gostamos de apreciar o que é belo. Então quando digo que você é uma mulher linda, você é linda!

Ela olha de forma estática. Em um momento estamos olhando um para o outro. Eu com um copo de cerveja preta e ela com uma taça de champagne. E no outro estamos no banheiro! Estou entre suas pernas. A sua buceta é tão apertada que pareço uma navalha ao meter de forma eletrizante. A mulher goza como se estivesse sem ar. E não para de me puxar pela cintura com a ideia de ir mais fundo. Estamos em cima da pia e ela me puxa o cabelo enquanto tiro a camisa, arreio mais as calças e lhe pego pelas pernas indo com mais força. A mulher arranha as minhas costas e se joga pra cima de mim. Caímos no chão de fora tão furiosa que não saio de dentro dela. Ela continua tão ofegante que não para de cavalgar. Parece até uma praticante de equitação. Quando gruda o seu corpo junto ao meu, começo a mostrar quem é que manda.

E vou com mais força!

No final, ela fica deitada no banheiro. Acabada! Como se um trator tivesse passado por dentro dela. Apenas saio do banheiro esperando não a encontrar de novo. Benny já tinha partido. O que é bom, não é uma viagem ao paraíso aguentá-lo bêbado. Mas se fosse preciso eu o faria. Pago a conta e vou embora. Sei que não teria vínculo amoroso com a dita cuja e não pretendo ter por enquanto. Até porque nenhuma mulher seria louca em casar com um ex-presidiário.

Porém, se perguntar se me arrependo de ter fodido a buceta dela a minha resposta seria única: Claro que não, porra!

Uma das piores partes de estar preso é a total abstinência sexual. A menos que queira se tornar homossexual, a falta de sexo é o que mais enlouquece um preso. Por isso que eram constantes as denúncias de estupro. Eu não tinha namorada e nem mesmo uma admiradora. Não era casado. Muito menos tinha uma prima de segundo grau pra me chupar nos dias de visita. Estava totalmente sozinho nesse quesito. E para ser honesto a atenção no lugar era tão 24/7 que não tinha tempo nem de bater uma punheta!

E sim, já tentaram me estuprar! A primeira vez foi no banheiro na hora do banho... Bati tanto com a cara do safado na torneira do chuveiro que cinco policiais tiveram que meter a porrada de cassetete pra me fazer parar. Enquanto eu estava sendo levado para a solitária, o cara virava os olhos e babava de choque... Pelo que soube, ele sobreviveu. Mas o ferimento foi tão grave que teve que ser liberado para um hospital especializado.

Lembra do skinhead que falei antes? Era ele!

A segunda foi na minha cela. O cara subornou um dos guardas pra realizar a festinha comigo. O guarda só percebeu que deu merda quando viu um sangue jorrando no chão depois que utilizei uma faca improvisada (com caco de vidro e fita adesiva), que tinha guardado debaixo da cama, para esfaquear o sujeito sete vezes na barriga. Na hora que iria mata-lo, o guarda bateu com o cassetete na cabeça que caí desacordado. Também fui parar na solitária...

A terceira você já conhece... Não tem por que repetir...

Antes fazer exame de próstata do que um cara querendo meter no meu rabo! Não sinto arrependimento em ter feito essas duas coisas e estou pronto para encontrar o meu Criador para responder o que fiz.

E que se foda o resto!

E mais um dia no meio do mundo chega. Mais um dia, mais um serviço. Mais um dia, mais uma libra. E assim, tem sido os meus dias. Como qualquer trabalhador comum. É bom retornar a sociedade sem ninguém ficar fazendo perguntas de como era a vida de criminoso e/ou a vida na prisão. Isso me torraria a paciência. Ás vezes passo em frente ao restaurante que a minha irmã trabalha. Porém não quero apressar as coisas. Deixo a raiva dela cessar com o tempo...

Quando estava voltando para casa, vejo no fim de uma rua uma luz acesa. O reflexo da sombra parece de um homem socando alguma coisa!

Não consigo deixar que a curiosidade se enfraquecesse dentro de mim... Vou caminhando lentamente, como se estivesse encontrado uma alma gêmea ou sei lá o que as pessoas chamam hoje em dia... Olho a janela e vejo um homem batendo um puncho de velocidade. Era tanta elegância em seus movimentos que trocava as mãos com maestria. Parecia que estava entre o novato e o intermediário. Mas o jeito em que batia dava a noção que nascera para o esporte.

Observo a janela e vejo homens pulando corda, puxando peso, batendo em sacos de pancada, flexões, barras, socos nas luvas de treino... E o melhor de todos: um ringue acompanhado de duas pequenas arquibancadas no norte e sul com dois caras realizando sparring! É mágico ver isso depois de tanto tempo longe de uma academia.

Aquele barulho avisando o tempo me deixa mais certo do meu maior desejo. Aquilo me excita. Nesse momento eu chego a mais uma conclusão desses dias...

O meu terceiro trabalho é voltar a lutar!

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.