Rio de Janeiro, 2024

Tomando conta da churrasqueira, só a meio da tarde Dante e Rita se sentaram com o sobrinho perto da piscina.

– Esse tempo todo voou. – comentou a tia de Davi emocionada - Um dia você era um bebezinho e agora já é um homem feito.

– Não vale chorar. - brincou Dante, tentando esconder uma lágrima teimosa - E o Davi já é um homem feito faz muito tempo.

Trazendo Júnior debaixo de um braço e o celular de Dante desmontado em várias peças na outra mão, Matias depositou a criança no colo do pai.

– Toma aí cara. Acho que isso é seu.- comentou o jovem Ferreira, brincando com o primo - Olha, pai, e isso foi o que sobrou do seu celular depois das experiências dessa pestinha. – concluiu ele, mostrando o estrago.

– Filho, de novo? Ainda ontem você desmontou o secador de cabelo da sua mommy. Porquê, meu amor? – perguntou Davi, sem saber se devia ficar zangado ou orgulhoso da precocidade tecnológica do seu rebento.

Se Júnior era a cara do pai, também tinha herdado alguma manha da mãe, porque já sabia que tinha que abrir aqueles olhos com uma expressão de inocência antes de pedir desculpa:

Sorry, daddy. – pediu ele, sabendo que o progenitor tinha dificuldade em se aborrecer verdadeiramente com ele.

– Deixa, Davi. Essa droga já estava mesmo velha.- disse Dante encolhendo os ombros – E esse garotinho um dia ainda me vai oferecer um celular construído por ele, não vai?

Yeah! – assentiu o garotinho com a certeza de um adulto, o que fez com que os outros rissem.

Danusa se aproximou para entregar a filha para Matias, já que ainda tinha que resolver um problema de trabalho no museu.

– Um beijo, primo. E muitos parabéns. – se despediu ela de Davi, já se preparando para correr para o carro.

– Sempre correndo. – comentou a sogra, pedindo para pegar a neta Ritinha dos braços do filho – Ah, gostei tanto quando a Danusa e a Megan estiveram grávidas das meninas ao mesmo tempo. Porque é vocês dois não se animam para ter mais filhos e fazer esses velhinhos babões felizes?

– Deus me livre, mãe. – comentou Matias - Vocês se lembram que quem teve que bater perna no shopping com essas duas Marras na versão carregada de hormônios de gravidez, fui eu?

Abrindo um sorriso, Davi era da opinião contrária, apertando o filho nos braços:

– Ah, eu gostava sim de ter mais meia dúzia. Eu dou conta de tudo, sem problema. – garantiu o nerd.

Rindo a bandeiras despregadas por ter ouvido toda aquela conversa enquanto se dirigia para o grupo com a filha pela mão, Megan se deixou cair ao lado de Davi e puxou Jackie para o colo.

Really, Davi? - comentou a loira, tentando controlar o riso – Kids, o daddy é mesmo muito silly.

Pausando e dirigindo-se aos adultos, a americana explicou a razão das suas gargalhadas:

– Ainda na semana passada pedi ao Davi para levar o Júnior no pediatra e o Linus no veterinário. Ele quase fez o contrário. Imaginem like, se ele tivesse mais kids, como seria. – concluiu ela com um olhar enigmático.

– Bad girl, bad girl. – murmurou Davi, encetando um ataque de cócegas, a que se juntaram os filhos.

Daddy, stop! – pediu Jackie, com lágrimas de riso no olhos – Quero bolo, daddy!

Não havia nada, dentro de alguns limites, que Davi conseguisse recusar à sua princesa. Colocando Jackie nos ombros, o bom moço recolheu o resto da família para lhe cantarem os parabéns.

– Posso ajudar a soprar as velas, daddy? – pediu a pequena Marra, quando terminou a conhecida canção.

– Claro, princesa. E pede um desejo bem bonito. – respondeu o pai babão, colocando a filha perto do bolo.

Com a concentração de um Matusalém, a pequena fechou os olhos e soprou, correndo os dedos pela cobertura do bolo e esfregando depois os referidos dedos pela cara do pai.

Com a cara lambuzada de chocolate a chantilly, Davi fez questão de usar o método pouco ortodoxo de beijar a esposa e os filhos para limpar a face.

Great. Lambuzados e desgrenhados. As usual – comentou a Senhora Reis Marra rindo, quando desistiu de fugir às investidas do marido e se viu coberta de cobertura de bolo.

Limpando os filhos o melhor que podia, ela os beijou com carinho antes de eles correrem para brincar com as outras crianças.

Mesmo Brian, convertido em tio emprestado daquela gente toda, não conseguiu evitar ter que voltar à infância para acompanhar o pique daquela multidão de sobrinhos com a agitação de uma sugar high.

Já Dorothy, ainda que mantendo a compostura de uma lady, não se importava nada com o alvoroço trazido por aqueles que ela considerava como netos.

Vendo ao longe Megan com os olhos rasos abraçada a Pamela, Davi considerou que tinha mesmo que perguntar à esposa a razão da emotividade que não a tinha abandonado naquele dia, mas se viu distraído pelas crianças.

Com aquele jeito que é tão próprio de crianças pequenas, o pequeno Anderson dava beijinhos inocentes na princesa Jackie, sendo aplaudido por um dos pais.

– Esse é meu garoto! - comentou Vander, com orgulho.

– Mas não é possível! – contrapôs Davi.

Colocando Jackie no ombro, Davi treinou o olhar “vou te matar se você voltar a tocar na minha filha” com uma criança de quatro anos que não percebeu a razão daquele escarcéu.

Aquilo para que Davi não estava preparado era para perceber que ainda teria que utilizar aquele olhar muitas mais vezes, muitos anos depois.

Com a cara emburrada, o bom moço apertou a filha nos braços, chamando a atenção de Jonas.

– Você vai me dizer : “Bem feito”?- perguntou o filho ao pai.

O Marra-Man riu com vontade perante o semblante do filho:

– Não. Vou te dizer: “Aproveita enquanto ela não chega na adolescência”. É que um dia ela vai estar brincando de boneca e aí você pisca os olhos e ela já vai estar casada e com filhos. – concluiu Jonas, procurando Megan com os olhos.

Percebendo o absurdo da situação, Davi pousou no chão a filha que olhava para ele sem compreender o que se passava.

– Deixa, princesa. É que o seu papai é muito tolinho.- explicou Jonas, rindo - Vem com o vovô. A gente vai jogar futebol com o Ernesto e o vovô Clint. Você vem, filho?

Hesitante, Davi declinou o convite:

– Ah, agora não, pai. Preciso falar com a Megan.

Rodando com a neta, Jonas fez Jackie gargalhar com cócegas. Quando Davi já procurava a esposa, ouviu atrás de si risos multiplicados. No campinho de futebol improvisado, já os três filhos mais novos e os dois netos agarravam o Marra-Man. Era muita criança para tão pouco Jonas.

Naquele dia parecia que Megan havia adquirido a capacidade de se materializar e desmaterializar mediante pedido, porque no meio daquela gente toda ela tinha voltado a desaparecer.

– Vocês viram a Megan? – perguntou o bom moço à mãe e à sogra, sentadas debaixo de um guarda-sol.

– A minha little girl teve de ir um instante ao quarto. – explicou Pamela, com o sorriso de uma Mona Lisa.

Agradecendo a resposta, o nerd se dirigiu para o interior da casa, se detendo apenas para afagar Linus, que descansava à sombra. Velhinho, aquele companheiro de muitas aventuras da família Marra o olhava com com aquela sapiência de ancião, contente pelo carinho, e permitiu-se abanar a cauda.

Abrindo a porta-janela, Davi entrou na sala. Era sempre aconchegante estar em casa. Cada pequeno recanto recheado de recordações felizes, os móveis escolhidos com carinho, os pequenos objetos colecionados através das viagens dos dois, depois três e agora quatro Marra à volta do mundo.

Cada coisa no lugar certo. Paredes recheadas de fotografias que contavam a história de uma família unida e feliz. E Davi se pegava pensando naqueles momentos em que ele apanhava Megan olhando para os filhos ou para ele quando ela julgava que mais ninguém reparava, com os olhos transbordando de tanto amor, que o faziam ter a certeza que ele não poderia ter sido feliz com outra pessoa que não ela.

Sentada numa poltrona, com uma caixa aberta de recordações dos filhos do lado, Megan estava no quarto do casal.

– Tudo bem?- perguntou o nerd, interrompendo o silêncio introspetivo da esposa.

Com toda a sabedoria do mundo na sua expressão, Megan se levantou para se aproximar do marido.

Yeah. – assentiu a loira.

– Ah, já sei! Você veio esconder o meu presente! – brincou o bom moço, a abraçando.

Com as lágrimas querendo voltar aos olhos, Megan sorriu devolvendo o abraço:

Not quite. Mas o seu maior presente eu só vou poder entregar daqui a uns bons meses.

As sinapses do silly boy começaram a dar sinal de vida e ele achava ter desvendado o mistério:

– Megan, é….

Yeah, Davi. Vamos ter outro baby!

Com a felicidade de quem ganha na loteria, Davi começou a pular em agradecimento. Retomando a compostura, o bom-moço rodopiou com a esposa.

–Megan…. eles já vão ser mais do que nós! Olha, a gente já pode pensar no nosso time de futebol.

Rindo, a bad girl já tinha uma contraproposta:

Oh, no, my love. Eu tinha pensado like, num time de basketball.

– Negócio fechado, Mrs Reis Marra. – assentiu o nerd sorrindo, selando o contrato com um beijo e conduzindo a esposa para a cama.

Por motivos que envolveram a celebração da transação, o casal acabou saindo do quarto apenas uma hora depois. Só porque tinham ainda umas alíneas para analisar, como é claro.

Pegando a filha meio-adormecida dos braços da vovó Sandra, Megan a apertou nos braços com o carinho que só ela sabia ter e Davi abraçou a cintura da bad girl, suspirando. Se eles viessem a ter mais uma filha, o nerd temia morrer com um ataque cardíaco fulminante quando as filhas chegassem na adolescência. Ninguém o mandava ter filhos tão bonitos.

Perto deles, a pequena Ritinha desatou num berreiro quando deixou cair o sorvete. Logo de seguida, Júnior tentou consolar a prima oferecendo o seu sorvete para a garotinha. Se enternecendo com o gesto, o casal Reis Marra sorriu com a cena. Alguma coisa de muito certo eles estavam a fazer com a educação dos filhos.

Entusiasmado com o novo drone, aquisição de dias antes, o sempre eufórico Ernesto preparava a foto panorâmica para registar a celebração do grupo.

Mesmo quem adora fotografia tem que ter uma paciência de santo quando se trata de juntar um grupo de dezenas de pessoas para fazer um registo. Pior ainda quando quando o fotógrafo é um entusiasta tecnológico como Ernesto que, no lugar de programar o aparelho, só sabia falar das suas virtudes.

– Ernesto, mas essa foto ainda vai sair hoje? – comentava Davi rindo, com a mão inconscientemente pousando sobre o ventre de Megan.

– Mais respeito, que eu sou o seu sogro!- respondeu o empresário de indicador em riste e avisando – Tudo pronto, faltam dez segundos. E eu não tenho culpa que tenha que caber tanta gente nessa foto.

Era uma ocasião tão boa quanto qualquer outra para contar para a toda a família a boa noticia. Pegando Júnior no colo e colocando uma mão em volta da cintura de Megan, que abraçava Jackie, o bom moço aproveitou para soltar a bomba:

– É. E no próximo ano ainda vai ter que caber mais um nessa foto!

Ficou registada para a posteridade a reação colectiva àquela noticia na foto. Muitos anos depois, os filhos continuariam a achar cômica a cara que a maior parte dos familiares fez com o anúncio. Afinal, a palavra engraçado podia ser sinônimo para muitas coisas, incluindo uma felicidade incomensurável.

Jonas Schmidt Parker Reis Marra Neto nasceu sete meses depois, numa tarde amena no Rio de Janeiro. Mais uma vez o hospital foi invadido pelas dezenas de pessoas que compunham aquele clã meio maluco, mas naquela ocasião coube ao avô homônimo a honra de ser o primeiro a conhecer o mais novo elemento da família.

Existem momentos que não se podem traduzir em palavras, mas apenas sentir. E foi com um sentimento de felicidade indescritível que Megan colocou o novo rebento no colo do seu grandpa, que não pode evitar emocionar-se. Júnior e Jackie pularam para a cama,com a ajuda de Davi e o bom moço se sentou na beira da cama segurando na mão da esposa enquanto sussurrava no seu ouvido aquilo que se tinha tornado num código entre eles:

– Nós estamos juntos. Em inglês: We are together. Para sempre, meu amor.

(Para Megavi não existe a palavra FIM, mas sim a possibilidade de inúmeros recomeços.)

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.