Gambiarra, 2012

Já se tinham passado quatro dias e Davi ainda não tinha tido noticias de Megan. Ele bem tinha tentado rastrear o celular dela, as contas e o perfil nas redes sociais, mas as suas habilidades enquanto Golias não lhe tinham servido de nada. Por muito inteligente que ele fosse, Megan era muito mais.

Com olheiras até ao umbigo, não tinha tido cabeça para outra coisa que não fosse pensar na sua bad girl, preocupado com aquilo que ela poderia estar a fazer. Com esperança que fosse transmissão de pensamento, ele ouviu o celular tocar e viu no ecrã um número anônimo.

Ele saltou e se atirou sobre o aparelho:

– Megan…- suspirou ele, atendendo a chamada.

Para mal dos seus pecados não era Megan. Do outro lado da ligação Davi ouviu a voz de Jonas:

– Filho, sou eu. Por favor não desliga. É sobre a Megan. – disse o empresário num tom inquieto.

– O que é que aconteceu com ela? – perguntou Davi, com medo de saber a resposta.

Jonas suspirou e prosseguiu:

– A gente teve uma briga feia e ela fugiu. Eu sei onde ela está, mas ela não quer voltar para casa. Davi… ela não está nada bem e eu tenho medo do que ela possa fazer. Se você for buscá-la ela volta por isso filho eu estou te pedindo por favor… vai ter com ela e convence a Peanuts a voltar, antes que ela faça asneira.

Davi percebeu que o pai continuava ignorante sobre o relacionamento entre ele e Megan e, por isso, não fazia ideia da briga que eles tinham tido. Naquele momento Davi tinha a noção de que o mais provável é que Megan não o quisesse ver à frente nem pintado de ouro.

– E a Pamela? Ela não tem falado com a Megan? – perguntou Davi.

– Nem a mãe, nem os avós estão conseguindo falar direito com a Megan. É como se ela tivesse desistido.- respondeu o pai, com dor na voz.

Só havia uma resposta que Davi podia dar:

– Tá. Então me passa os dados que eu vou. E Jonas… obrigado por me ter ligado.

Ibiza, 2012

Mesmo estando Outubro adiantado, ainda corriam soltos os eventos de encerramento da época de festas da ilha de Ibiza. Por todo o lado ainda se viam vários grupos de jovens ingleses e alemães à procura de diversão desregrada.

A diversão começava ao meio-dia, quando os morcegos ressacados da noite anterior acordavam na sua cama (ou em camas alheias) de hotel e seguiam em bando para o brunch, onde começava o consumo de álcool.

À tarde já alguns jovens jaziam largados na praia ou na beira da piscina e os resistentes que aguentavam na vertical até à noite partiam em bloco para uma das milhentas baladas que a ilha oferecia.

Qual era a grande novidade da semana? A presença na ilha de Megan Parker-Marra. A princesa do Vale do Silício tinha chegado uns dias antes, acompanhada por um zé-ninguém que se dizia primo dela e acabou causando uma grande comoção por onde passou.

Muita gente estranhou. A princesa Marra havia estado durante muito tempo ausente do circuito de festas dos ricos e famosos. Aliás, dizia-se à boca pequena que ela tinha conseguido o impossível: manter a virtuosidade mesmo sendo a filha do grande Jonas Marra.

Mesmo quem não sabia quem ela era passou a saber. Megan se atirou de cabeça no ambiente de Ibiza, partying 24/7.

Durante anos ela mal tinha tocado numa gota de álcool, por influência de Davi. Megan tinha a consciência que não podia beber, porque se o fizesse perdia completamente o controlo. Isso não a impediu de conhecer todos os bares da ilha e de beber até cair, esperando que o dano no seu fígado ultrapassasse o dano no seu coração.

Todos os donos de baladas abriam as portas VIP para ela. A loira se deixava levar pela música alta, esperando assim ignorar a voz na sua cabeça. Jogada no meio da multidão cheia de calor e do fumo ela fechava os olhos e deixava o corpo balançar, ignorando os corpos que se vinham insinuar perto do dela.

Não seriam nem o álcool nem o barulho da música a exorcizar os seus demônios.

Durante demasiado tempo tinha sido Davi a âncora que a tinha segurado. Agora, sem ter a certeza que ele lhe dava, ela era um barco à deriva, à espera de se afundar.

Danilo, que a tinha acompanhado, estava apreensivo com o escalar da situação:

– Megan, você não acha que já bebeu demais? – dizia ele, tentando tirar o copo da mão dela.

Shut up Danildo! Você não é meu dad. Oh wait… eu já não tenho dad!- respondia ela já trocando as pernas.

Depois da descoberta da infidelidade do pai e da desilusão que tinha tido com Davi, Megan já não tinha paciência para nenhum homem, muito menos para um Marra.

Demonstrando o espírito resiliente dos Marra, Danilo conseguiu democraticamente levá-la para o hotel, mas não conseguiu levá-la para o quarto porque encontraram um grupo de americanos alcoolizados que convidou Megan para se juntar a eles num terraço, ao que ela acedeu na hora.

“Isso não vai acabar bem.”- pensava o jovem Marra, seguindo a prima.

Os americanos compensavam em animação o que não lhes faltava em selvageria. Rapidamente, o terraço parecia saído de um filme pós-apocalíptico. Garrafas partidas pelo chão, móveis arremessados e ideias parvas.

Um dos americanos resolveu se atirar do terraço para a piscina, uns bons 15 metros de altura e, por milagre, tinha conseguido cair na água e sair ileso da brincadeira. De imediato desafiaram Megan para fazer o mesmo.

Jump! Jump! Jump!- cantavam em coro.

Ela riu e se colocou em cima do murete do terraço, se equilibrando precariamente nos saltos altos. Danilo colocou as mãos na cabeça e ela fez sinal para ele se afastar:

Shhhh… go away Danildo.- disse ela com determinação.

Ela olhava para baixo e tentava estimar o salto para a piscina, mas parecia que o álcool já lhe estava a dar alucinações porque a voz na sua cabeça parecia estar mesmo atrás dela.

– Megan… - ouviu ela, atrás de si, no terraço.

Uma voz mansa, mas carregada de preocupação, agregada a uma mão que tocou na mão dela, a fazendo sentir um formigueiro. Ela soltou a mão e se voltou na direção do terraço, sabendo quem ia encontrar.

You….. – disse ela com uma lágrima teimosa a tentar aparecer.

Davi esticou as mãos para ela:

– Megan, por favor, desce daí.- pediu ele.

–Você não manda em mim, Golias! – respondeu ela agitada, quase se desequilibrando.

O nerd susteve a respiração, temendo a queda dela:

– Cuidado Megan!- pediu ele, com o coração acelerado.

– Eu faço o que eu quiser, you silly. Go away! – berrou ela, agitando os braços.

– Eu não vou a lado nenhum sem você!- disse ele com convicção.

Não vendo outra alternativa, baixou um espírito de homem das cavernas em Davi e, num movimento rápido e certeiro, ele carregou Megan no ombro. Ela, claro, começou a se debater, mas ele a segurava forte.

– Danilo, obrigado pela sua ajuda, mas agora eu tomo conta dela. Pode ir descansar. – agradeceu o nerd ao primo, levando Megan para o quarto dela.

Pelo caminho a Marra-Girl foi chamando Davi de todos os epítetos desagradáveis de que se lembrou, demonstrando a sua versatilidade em várias línguas.

Davi entrou no quarto com ela ao colo a levando para o banheiro. Foi mesmo completamente vestidos que ele se colocou com ela debaixo do chuveiro, esperando que a água fria a fizesse recuperar parte dos sentidos.

– Megan, você pode me xingar, pode fazer o que quiser comigo, mas eu nunca te vou deixar!- dizia ele abraçado a ela, beijando a sua testa, enquanto a água caía em jato sobre eles.

A loira tinha entrado num estado de silêncio e apatia, olhando para o vazio.

Com todo o carinho Davi trocou a roupa dela, colocando uma camisola em Megan e a depositando na cama. Trocando a sua própria roupa, ele se deitou de lado ao lado dela, colocando um braço a envolver a cintura de Megan e uma perna a prender as pernas dela.

Como uma boneca, ela continuava de olhos abertos, mas sem reação.

Davi sentia que tinha de encontrar forma de chegar ao coração dela, mas não sabia bem como. Encostando os lábios no ouvido dela, a voz dele era agora só um murmúrio grave que mal ecoava pelo quarto:

– Quando eu tinha oito anos e os meus pais Jorge e Rosa foram mortos naquele acidente, por aquele condutor bêbado, eu julguei que eu tinha morrido também. Aliás, eu quis morrer, porque eu pensei que a minha vida tinha acabado. O que eu não sabia, o que eu não podia imaginar é que eu tinha de viver para um dia te encontrar, para você virar a minha vida do avesso e me ensinar a ser feliz de novo. Hoje, o meu maior medo é que aconteça alguma coisa com você… porque eu não ia ter como sobreviver a isso. Megan… você é a minha vida.

Uma lágrima solitária correu pela face dela e Davi a limpou com o polegar.

– Megan.- prosseguiu ele, agora de olhos fechados - Se eu te magoei, se eu te desiludi, então faz o que você quiser comigo, mas não se magoa a você própria. E se o Jonas te desiludiu… me diz o que eu posso fazer para te ajudar.

Davi pegou na mão abandonada dela e a beijou com devoção:

– Você nunca vai estar sozinha… nunca. Porque enquanto você me quiser eu vou estar aqui do seu lado. Eu te amo… de verdade meu amor.- disse ele, esperando que ela visse a sua sinceridade.

Megan olhou para ele, mas continuava imóvel, sem reação. A cabeça dela continuava um emaranhado de confusão entre o que era de verdade e o que era mentira, entre o real e a ilusão, entre a vontade de amar e receio de não ser amada. Depois do que tinha acontecido com os pais poderia ela acreditar no amor verdadeiro? Poderia ela confiar de modo incondicional?

Davi rodou de posição e a puxou para o peito dele, os cobrindo com o lençol e com o edredão. Ela fechou os olhos cansados e ele a abraçou com um braço, continuando a correr os dedos pelos cabelos dela, dos quais ele gostava tanto. Teria ela percebido o que ele lhe queria dizer?

Agitado pelas emoções da noite,o nerd não conseguia pregar olho. Distribuindo pequenos beijos pela face da sua bad girl ele esperava ter feito o suficiente para ela perceber o quão importante ela era para ele.

Só quando o sol já estava nascendo é que o cansaço finalmente apanhou Davi e a sua vigília se tornou em sono profundo. No meio do seu primeiro sono ele instintivamente apertou os braços, sentindo um vazio entre eles, o que o fez acordar de um salto.

Mais uma vez Megan tinha escapado, desta vez literalmente de entre os seus dedos. Só que dessa vez ele sabia que, nem que ele tivesse que dar a volta ao mundo, ele ia conseguir voltar a encontrá-la.