Versalhes, 2010

No final do espetáculo de fogo de artifício, as crianças mais pequenas da PLUGAR se juntaram para dar um parabéns coletivo a Megan.

Os baixinhos ameaçaram esmagar a loira com os seus beijos e os seus abraços.

–Calma, que é essa animação toda?- perguntou Davi, com uma das crianças a saltar no seu colo.

– Ontem, a Megan levou a gente no parque de diversões.- disse o garoto nos braços de Davi.

–A gente foi na Disneyland Paris.- explicou a americana, rodeada por crianças.

– E eles amaram, claro.- comentou o nerd.

– Actually o mais animado foi o seu tio Dante, mas acho que os kids também gostaram, right?- disse Megan.

– Right!!!- responderam as crianças em coro.

– See Davi. O dinheiro não é sempre aquele bicho-papão que você acha que é.- comentou Megan que prosseguiu.- Bem kids já passa da hora de dormir. Let´s go. The bus is waiting.- disse ela pegando carinhosamente em alguns garotos pela mão.

E como é que você vai levar todo o mundo?- perguntou Davi.

Relax, alguns pais vieram também e já estou vendo reforços.- disse a loira, avistando as amigas.

Selena e Demi se aproximaram das crianças e ajudaram Megan, que prometeu voltar rapidamente para Davi.

Ao vê-la a afastar-se, Davi não pôde deixar de a comparar à mais bela pastora do rebanho mais fofo que já existiu.

Pamela aproveitou que Davi estava sozinho para se aproximar dele:

My dear, how are you?- perguntou ela.

– Bem, Pamela. – respondeu ele, beijando a mão dela.

– Nós temos sentido a sua falta, my dear. Essa situação está sendo desgastante para o seu dad. Será que eu posso fazer alguma coisa?- questionou a americana.

– Não, Pamela. Mas obrigado por tentar.- respondeu-lhe o enteado.

Ela tentou novamente:

– Davi. Eu gosto de você like a son, você sabe disso. E é por isso que eu te peço: tenta fazer as pazes com Jonas. Life´s too short. Não faz sentido carregar ressentimentos.

Davi olhou para Pamela, aquela cara tão familiar e que o fazia pensar sempre em Megan e acabou respondendo:

– Ok. Mas apenas posso prometer que vou tentar, nada mais.

That´s quite enough for now, my dear. Jonas está ali ao fundo.- disse ela apontando.

O Marra-Man se encontrava num círculo de empresários, discutindo um novo projeto.

A medo, Davi se aproximou dele:

– Pai...

Jonas se virou para ele, abrindo um sorriso:

– Meu filho, vem cá.- disse ele passando o braço pelos ombros do filho e o trazendo para junto dele.

Com orgulho estampado na cara, Jonas apresentou o filho para os seus parceiros frisando:

– O Davi é um dos melhores jovens programadores que eu conheço.

Encabulado, Davi acabou por dizer:

– Pai, não é tanto assim.

O assunto da conversa acabou resvalando para o software que a Marra estava desenvolvendo para um grupo americano de hospitais privados.

We´re very pleased with the end result, Jonas. Queremos estender o uso do sotfware nas nossas bases europeias.- disse um dos clientes da Marra.

– Então temos que parabenizar o Miúra, que foi quem mais trabalhou para desenvolver esse projeto.- disse Jonas, levantando o copo para o seu funcionário, que se encontrava à sua esquerda.

O referido Hélio Miúra, um programador nipobrasileiro que já trabalhava há alguns anos para a Marra, não escondeu o seu contentamento com o elogio do chefe.

Davi tornou-se imediatamente rígido:

– Pera aí Miúra. Da última vez que eu estive na Marra, você tinha um projeto para desenvolver software gratuito para ONGs hospitalares. É o mesmo? –perguntou o jovem Marra.

O olhar de vergonha de Miúra denunciou a sua culpa.

Conhecendo o gênio do filho, Jonas levou Davi até um local mais discreto.

– Você foi vender pra um grupo privado algo que era suposto ser gratuito?- perguntou o mais novo.

– Davi, quando você for o meu sucessor na Marra, você vai entender que para uma empresa subsistir tem que gerar lucro.- explicou Jonas.

– Tá. E isso só é possível se você passar por cima de todo o mundo e vender a sua alma.- disse Davi.

– Você está abusando, Davi.- disse Jonas, visivelmente transtornado.

– Eu estou abusando? E aquelas pessoas que precisavam e não vão ter acesso ao software porque não podem pagar? Você pensou nelas? – respondeu-lhe o filho, visivelmente irritado.

– Eu estou apenas cuidando do seu patrimônio e do da Megan. – disse-lhe o pai, segurando no braço de Davi.

– Eu estou pouco me lixando para esse patrimônio e tenho a certeza que a Megan também. Quer saber? Pra mim já deu!- disse Davi, se soltando do pai e saindo dali como um furacão.

Jonas deitou as mãos à cabeça. A relação com o filho cada vez piorava mais e qualquer esforço que ele fizesse para tentar sanar a distância entre os dois parecia só agravar a situação.

Ao ver um arbusto a se agitar, o Marra-Man foi rápido para verificar o que se passava.

Do outro lado Jonas encontrou uma cara familiar:

– Claro, uma jornalista , só podia.- disse ele.

– O meu nome é Verônica Monteiro. Desculpe, eu não queria me intrometer, eu só estava procurando o meu filho.- disse ela, com as mãos em sinal de rendição.

Se desencontrando de Vicente, Verônica tinha acabado naquela parte dos jardins quando tropeçou na discussão entre Jonas e Davi.

Sem ter como sair dali sem chamar a atenção, permaneceu imóvel à espera que eles saíssem daquele local, quando Jonas a descobriu .

Se sentando num banco de pedra, o empresário continuou:

– Bem, depois da cena deplorável a que você assistiu, pode me chamar de Jonas. Suponho que amanhã vou ver essa história estampada nos jornais.

– Claro que não! Eu não sou essa pessoa que você está pensando – retorquiu ela, sentando-se ao lado dele.

Jonas não sabia explicar se tinha sido o excesso de champanhe a soltar-lhe a língua, mas sentia-se à vontade com aquela mulher.

– Eu sempre tentei fazer o melhor pelos meus filhos, mas parece que quanto mais tento, mais eles me odeiam. – disse ele.

Admitindo que ele não estava a ter um monólogo com a planta à frente dele, para a qual olhava fixamente, Verônica acabou por lhe responder:

– Jonas, a gente se esquece que chega uma altura em que os nossos filhos crescem e começam a pensar pela cabeça deles. E, nessa altura, a maneira como eles veem o mundo pode ser muito diferente da nossa.

Ele continuou:

– Eu só queria que os meus filhos nunca tivessem que passar por aquilo que eu passei. Eu queria dar o mundo para eles.

Ela respondeu:

– Se calhar eles querem outra coisa do pai deles, se calhar algo até mais simples, você já pensou nisso?

Ele ficou a pensar se ela teria razão. Tomando consciência do quanto se tinha aberto com aquela desconhecida, Jonas se retraiu e, depois de agradecer a Verônica pela conversa, voltou para a festa com a sua máscara de grande empresário novamente posta.

Ela ficou sentada no banco a pensar na nova faceta que ela tinha visto do Marra-Man. Talvez Jonas não fosse o insensível que toda a gente pensava que ele era.

Quando Megan regressou à festa nos jardins não conseguiu encontrar Davi.

Avistando o seu pai ao longe, conversando com um jovem de cabelos escuros cacheados, a loira se dirigiu na sua direção:

– Dad, você viu Davi?- disparou ela.

– Vem cá Peanuts. Deixa eu te apresentar uma pessoa. Você se lembra do Arthur Nigri, o gênio dos sucos orgânicos?- apresentou Jonas.

Não estando minimamente interessada no indivíduo, Megan nem olhou para ele voltando a perguntar ao pai.

– Yeah, yeah dad. Mas você viu Davi ou não?- insistiu ela.

– Davi estava um pouco indisposto e resolveu se retirar.- respondeu-lhe o pai.

– Porque é que eu não acredito nisso, dad?- disse Megan desiludida, procedendo a sair dali.

Megan seguiu a direção que o seu instinto lhe indicava, na direção do palácio.

Subindo as escadas, a americana reconheceu na penumbra do topo das mesmas um casal. Mais precisamente Clint que, de mão dada com Sandra, colocava amorosamente uma madeixa do cabelo dela atrás da sua orelha. Seria possível?

Megan sorriu e ia dar meia-volta quando foi vista por eles. Sandra desceu as escadas e veio ter com ela com familiaridade:

– Está tudo bem, Megan?

Yeah, I´m just procurando Davi.

– O Davi passou disparado por mim. Eu vi quando ele entrou na Galeria dos Espelhos.

Thanks, Sandra. E congratulations.- disse Megan, abraçando Sandra.

Visivelmente comovida, Sandra acabou por responder, mantendo o abraço:

–A felicidade é algo que vale sempre a pena. Agarre a sua, Megan.

Os decoradores tinham optado por colocar apenas velas a iluminar a Galeria dos Espelhos o que, àquela hora, lhe conferia um aspeto algo melancólico.

Encostado a uma das janelas e iluminado pela luz prata da lua, Davi não deu por ela quando Megan entrou.

A penny for your thoughts.- disse ela, abraçando-o por trás.

– Os meus pensamentos valem assim tão pouco para você?- respondeu ele, triste.

– Os seus pensamentos valem tudo para mim.- ela o virou para ela- Let me guess: brigou de novo com dad.

O tremeluzir das velas criava um aspeto sombrio na cara de Davi.

– Mas eu sou mesmo um otário por pensar que ele um dia ele pode mudar.- recriminou-se ele.

– Virar as costas para dad won't make it right, nem resolve nada.- disse Megan.

– E o que é que você propõe que eu faça?- questionou ele.

Ela colocou a mão no ombro dele:

– Ajuda dad a ser like uma pessoa melhor. Take advantage das oportunidades que ele te quer dar e constrói algo de positivo com isso. Afinal de contas isso resultou comigo, no?

– Com você é completamente diferente.- disse Davi.

Ela não o poupou e continuou:

– Clint me disse que você tinha entrado no MIT, mas que ia recusar porque não queria que fosse dad a pagar a sua tuition. Are you crazy?

– Não é isso, eu tenho muitas responsabilidades na PLUGAR, eu tenho que...

Ela o calou colocando o dedo nos lábios dele:

Shut up silly boy! Você não vai desperdiçar a chance de frequentar uma universidade de topo por orgulho besta, ok?

– O que é que eu faria sem você?- disse ele, sorrindo.

Nothing, obviamente.- respondeu ela, segurando o queixo dele.

– É só que eu sinto que nunca vou pertencer a este meio, nem quero. É só gente hipócrita, egoísta, mesquinha, doente mesmo.- disse ele, voltando-se na direção da janela.

Ela se colocou ao lado dele, de costas para a janela:

– Davi, você está enganado.Você nem se esforça para tentar like conhecer melhor as pessoas, vai logo julgando.

– Megan, não dá para confiar. Quando as pessoas descobrem quem é o nosso pai querem logo nos usar.

Os olhos dela ficaram marejados ao recordar experiências passadas:

–Oh, I know Davi. Eu aprendi da pior maneira, remember?

Ele queria se autoflagelar pela falta de tato. Abraçou-a forte dizendo, num murmúrio, ao ouvido dela:

– Desculpa! Eu queria te esconder do mundo pra nunca mais ninguém te magoar.

No can do, baby boy.- disse ela, engolindo as lágrimas.

Uma ideia passou pela cabeça dela:

– Murphy trouxe lots of carros extra. Você quer sair daqui?

Ele ficou surpreendido:

– Você quer sair da sua própria festa?

– Eu quero ir para qualquer lado com você. Well, estamos em França. Podemos like, sair à francesa.

Colocando James Bond num chinelo, os dois driblaram a segurança, apanharam a chave de um carro e ainda conseguiram passar pela cozinha para apanhar uma cesta com pão e queijo.

Com Davi ao volante, partiram em direção ao Vale do Loire, onde chegaram menos de duas horas depois.

No caminho, Megan olhava para Davi e pensava que tinha tantas coisas para lhe dizer, mas não sabia como.

Com o desenrolar do trajeto, as dúvidas começaram a assaltá-la. E se ele lhe dissesse que não gostava dela do mesmo modo? Pior, e se ele afastasse dela?

Ela não ia aguentar ficar sem ele.

Davi estacionou o carro num local onde, com excepção de uma vinha bem tratada, não existia mais nada que indiciasse presença humana recente.

Ali, eles eram Adão e Eva de um paraíso perdido.

Saíram do carro para se sentarem no capô. Megan se colocou sentada entre as pernas de Davi, com as suas costas apoiadas no tórax dele.

Tinha-se levantado uma névoa suave, mas fria e Davi, solicitamente, colocou o seu casaco pelos ombros de Megan.

Ela tinha tanto para lhe dizer, mas as palavras não saíam.

Megan se tinha esquecido que, entre eles, mais importantes do que as palavras tinham sido sempre os gestos.

Com as palavras a morrerem-lhe na garganta, ela se aconchegou mais nos braços de Davi enquanto assistiam ao nascer do sol.

O astro logo não tardou a dar o ar da sua graça, batendo em cheio com o seu calor nas faces deles.

A festa de aniversário de Megan não tinha sido nada daquilo que ela tinha planejado.

Apesar de tudo, tinha sido muito melhor.