Manuela, já deitada, esperando o sono chegar, pensa mais uma vez na conversa que terá com a irmã

Por Manu:

Amanhã eu vou ter que conversar com a Ana... Vou ter que abrir o jogo com a minha irmã.

Que absurdo... nunca pensei que tivesse que passar tantas vezes pela aflição de dizer para a minha irmã que eu estou com o Rodrigo.

Espero que dessa vez as coisas sejam diferentes...

Casa da Manu – Ana e Manuela se abraçam.

A: Que saudade Manu!!! Esse negócio de Skype nunca vai ser a mesma coisa!

M: Nem me fala Ana!! Acho que eu desaprendi a ficar longe de você!

A: Mas isso é muito bom! Espero que essa saudade toda tenha se transformado em muito mimo pra mim.

Elas se sentam rindo em clima descontraído e conversam sobre o Campeonato de tênis que aconteceu no Canadá.

A: Foi maravilhoso Manu, é a primeira vez que tenho duas atletas competindo simultaneamente num campeonato internacional!

A Sofia está cada vez mais firme, é lindo ver a segurança dela! E a Gabi então? Ninguém imaginava que ela fosse ter uma posição tão boa para a primeira competição.

M: Que ótimo Ana! Eu fico tão feliz que o esporte ainda te dê tanta alegria... Nem acreditei quando você falou que conseguiu o mesmo patrocinador do início da sua carreira.

Eu sei que a Eva foi a responsável por eles terem mantido o contrato mesmo depois do acidente, mas eu confesso que sempre achei admirável a atitude deles! Eu achei que o apoio deles foi de muito bom gosto, nunca achei que exploraram tua história.

A: Eu concordo minha irmã, eles foram ótimos! E o melhor é que eles não estão ME patrocinando, e sim a minha equipe! Eu não sou mais a A Ana Fonseca...agora eu sou Time Fonseca! É maravilhoso!

Os recursos são excelentes e eu estou conseguindo aumentar a divulgação do trabalho do Lucio na ONG, sem contar que agora dá pra bancar o trabalho dos dois professores que trabalham comigo e que já fazem um trabalho de base com as atletas mais novas!

M: Seus olhos brilhando assim ficam ainda mais lindos!

Mas fala se você não está feliz com a folguinha? A Julia estava até tirando sarro do Lucio de tanta saudade que o homem tava sentindo!

A: Não vou negar não!! Se eu não fosse tão concentrada no jogo eu morria de tanta saudade do meu grandão!

M: Grandão? Ahhh mas esse apelido vai ter que surgir em alguma conversa de família – As duas riem.

A: Para com isso que você me complica! Você conhece meu noivo, ele ia ficar morrendo de vergonha!

M: Olha você enchendo a boca pra falar noivo... É muito bonitinho sabia? Você está irritantemente feliz não é?

A: Estou sim Manu... Não consigo lembrar de nenhum momento que tudo estivesse tão maravilhoso na minha vida!

Eu finalmente me realizei no tênis, nós duas estamos bem, a Julia está cada vez mais linda, cheia de vida, de saúde e a nossa relação está tão boa!

Finalmente ela confia em mim, ela me ama como mãe dela, sem tirar nada do que ela sente por você... ela me ama Manu – As duas sorriem com lágrimas nos olhos.

E o Lucio? O Lucio é um homem maravilhoso, eu amo ele como eu nunca pensei que fosse possível...

Parece que eu finalmente entendi o que significava esse sentimento entre um homem e uma mulher... Me dói pensar que eu demorei tanto, mas ao mesmo tempo, quando eu estou com ele, quando falamos do nosso casamento, quando eu acordo nos braços dele, quando eu fico encarando ele enquanto ele lê, ou brincando com a Julia... Eu sei que a minha vida me encaminhou até ele, tudo que eu fiz de errado, tudo o que eu fiz de certo, sabe?

M: Sei... – Manu continua com o mesmo sorriso choroso para a irmã.

A: Me desculpa Manu... eu me excedi... eu não queria...

M: Imagina Ana! Eu adoro te ver assim, tão feliz, tão cheia de luz!

A: Eu sei que sim... Mas ao mesmo tempo... Ah não sei...

M: O que foi Ana? Não tem nada que você não possa falar pra mim, eu juro.

A: Eu sei... Mas a verdade é que nós não podemos negar que a gente ainda pisa em ovos quando a conversa vai por esse caminho...

M: É verdade, eu não vou dizer que não, mas a gente podia começar a mudar isso não é? Parar de evitar as coisas... tudo ficou pra trás... de verdade...

A: Eu também acho, mas eu acho que eu nunca vou deixar de me sentir culpada pelo fim do teu casamento com o Rodrigo.

M: Ana, na verdade...

A: Deixa eu falar, por favor... – Manu assente com a cabeça e decide escutar – Eu te conheço, eu sei que você nunca se sentiu à vontade comigo quando você estava com o Rodrigo, mesmo sabendo a verdade, sabendo que a história de vocês era bonita, limpa, cheia de amor... mesmo assim eu sei que você doía por mim.

Desse mesmo jeito eu sempre vou sentir o meu coração apertado toda vez que eu te ver com aquele olhar meio vazio, sem o brilho que eu raramente via nos tempos que você estava casada e pensava que eu não estava reparando.

Hoje que eu finalmente cresci, alcancei a mulher que eu deveria ser, eu percebo o quanto você era feliz e eu daria tudo pra ver essa felicidade de novo.

Eu fiquei tão esperançosa quando você estava com o Gabriel, eu cheguei tão perto de pensar que ele poderia devolver o brilho dos teus olhos, mas aos poucos eu te vi murchando e no fim eu te segurei no colo enquanto você dava adeus à ele.

É sério Manu, acho que nós duas somente poderemos ser felizes de verdade quando a gente conseguir compartilhar esse sentimento. Não que você precise de um companheiro pra isso, mas eu não posso negar que só te vi plena, apesar de tudo, quando você estava com o Rodrigo.

Mas talvez eu esteja falando um monte de besteira – Dá uma leve risada – Porque quando eu cheguei, te abracei, parece que essa sombra dos seus olhos realmente sumiu.

Me desculpa estar falando tudo isso... não queria deixar nossa conversa numa vibe tão pesada ­– Agora é a vez de Manu dar uma leve risada.

Do que você tá rindo?

M: Eu estou rindo porque apesar de tudo, apesar dos anos que passamos separadas, seja por um motivo ou outro, enfim... é impressionante o quanto você me conhece. E eu fico feliz que a gente pode finalmente falar assim.... com a mesma franqueza de antes, sem os tais ovos para pisar sabe?

A: Eu já pensava nisso há um tempo, mas eu sentia tanto medo de abalar nosso relacionamento, medo de prejudicar essas bases que a gente ainda está fortalecendo.

M: Imagina Ana, as nossas bases já estão firmes como antes, eu te garanto!

Sem contar que eu acho que agora eu posso me abrir com você também... Não que eu não fosse falar, mas agora eu não sei, parece que a sombra que você dizia estar nos meus olhos de fato levantou, mas levantou daqui – Faz uma linha com a mão entre as duas. – As nossas dores cicatrizaram minha irmãzinha.

A: Finalmente Manuela, finalmente! – Se abraçam, entre lágrimas e sorrisos, retomam mais uma vez o sentimento de plenitude que sentiram há meses em um quarto de hospital, só que dessa vez com palavras além de gestos e de certezas anunciadas.

Mas espera um pouco ­– Fala saindo do abraço e enxugando as lágrimas ­– O que você quer abrir comigo? Tem alguma coisa a ver com esse teu jeito leve de hoje?

M: Tem Ana, tem sim.

Eu não estava brincando quando disse que você me conhecia, só você mesmo pra notar os momentos em que eu realmente estou feliz.

Honestamente acho que nem cabe mais falar em culpa... a vida enxurrou ela, e finalmente nos deixou livres pra construir nossas histórias de novo.

Você fez isso com o Lucio, de verdade, se entregou de um jeito tão bonito que eu mal posso esperar em assistir a vida de felicidade que você vai ter ao lado dele.

E eu... bom, eu tentei reconstruir a minha de algumas maneiras... Pelo trabalho, pela Julia e até pelo Gabriel...

Enfim... quando nada deu certo, e eu coloquei meu caminho de novo à disposição da vida e a danada deu um jeito de me colocar no trilho tão rápido que eu mal consegui me segurar.

A: Como assim Manu? O que aconteceu?

M: O Rodrigo aconteceu de novo Ana!

Ana abre um sorriso, coloca a mão sobre a boca e mal contem a satisfação no que ouvia.

A: Você tá falando sério?? Meu Deus Manu, que notícia maravilhosa!!! Me conta mais... como assim? Desde quando? A Julia já sabe? Ele já se mudou de volta pra cá?

M: Eiii... calma... eu vou te explicar tudo o que aconteceu...

Manu abre o jogo com a irmã, conta em detalhes toda a sua jornada nessa nova fase com o Rodrigo, divide pela primeira vez com a irmã sua história de amor... como queria ter feito antes e nunca conseguiu...

M: E daí a gente ainda está namorando escondido! É isso!

A: Que lindo Manu! Eu sabia que você estava diferente! Mal consegue parar de sorrir... e eu me iludindo que era tudo saudade de mim..

M: Sua boba..

A: Mas porque escondido Manu? Vocês são casados ainda, não é mesmo? Que eu saiba nunca se divorciaram...

M: Realmente, mas por dois anos nosso casamento foi só um pedaço de papel não é? Não é porque agora a gente voltou que o casamento consertou do nada... Eu estou indo com calma Ana... não quero arriscar o que a gente já recuperou...

A: Eu te entendo Manu, de verdade, com o Lucio foi parecido, mas a verdade é que cada vez que a gente se negava a oportunidade de se entregar por medo de algo dar errado, parecia que a gente negava a felicidade...

M: Eu sei, o Rodrigo está ansioso para contar pra Julia, e antes mesmo de cogitar isso eu precisava falar com você, que você decidisse com ele.

A: Como assim decidisse com ele?

Eu te agradeço pela consideração, mas pode parar por aí, não deixa palavras venenosas um dia ditas colocarem em risco uma certeza inegável! Você é mãe da Julia, você também toma as decisões, eu nunca vou questionar isso Manu.

M: Eu fico um pouco receosa, por mais que eu tenha criado a Julia até você acordar, eu tenho noção que a gente tem que rever um pouco as nossas posições pra ela...

A: Pode parar mesmo Manuela, não fala isso nem de brincadeira... Você e o Rodrigo são os pais da Julia, e eu sou a mãe dela, todos estamos no mesmo barco, decidindo juntos pra onde ele vai, até o Lucio está cada vez mais responsável por essa condução, não acha?

M: Claro que eu acho!

A: Então podemos não tocar mais nesse assunto.

M: Claro... Você tem razão, mas enfim... eu tenho medo de confundir a cabeça dela... se falarmos que estamos juntos, ela não vai entender porque o Rodrigo não volta pra cá... e eu não quero que ela fique com medo que seja só uma fase, entende?

A: Manu, sério... me responde, é só uma fase? Você ama o Rodrigo?

M:Amo!

A: E ele te ama?

M: Ama, eu sei que ama.

A: Então? Qual o problema de ele voltar? Vai dizer que não lembra mais o que é ser casada com ele? – fala brincando, contudo Manu automaticamente ruboriza.

Manu, não vai me dizer que vocês...

M: Sério... acho que encontramos um limite pra nossa conversa...

A: Nada disso!!! Sem ovos pra pisar... como assim Manu? Você está esperando o que?

M: Não é que a gente não faça nada... – Com o rosto ainda vermelho olha pra baixo num meio sorriso – Mas não sei, acho que no início era realmente pra manter um ritmo mais calmo, mas agora não sei, acho que eu estou gostando de namorar o Rodrigo.

A: Mas vocês já não passaram por isso?

M: Na verdade não... Casamos logo depois que nos descobrimos apaixonados, ainda mais morando na casa da vovó, sob os olhares atentos do Seu Laudelino... quando a gente foi aprendendo intimidade de verdade, já estávamos casados e a Julinha ainda era um bebê... Não teve o que a gente está vivendo agora.

A: E você está conseguindo tirar isso de letra? Te admiro! Ainda mais depois do teu relacionamento tórrido com o Gabriel – Ri da vergonha da irmã – Sério... escapei umas duas vezes de não pegar vocês em uma situação complicada ­– Ri ainda mais, Manu joga uma almofada em Ana.

M: Pra sua informação, não está sendo nada fácil, e a verdade é que eu estou superando essa história de namoro, eu sei que ainda sou mulher do Rodrigo, e eu finalmente estou voltando a me sentir assim.

A: Então a qualquer momento vocês vão fazer a nossa filha explodir de alegria contando que voltaram?

M: Acho que sim Ana... a qualquer momento...

As duas se abraçam de novo e passam a tarde conversando, sobre tudo e nada, numa cumplicidade tão óbvia que causou até estranheza ao Lucio e à Julia que chegam juntos da escola para pegar a tenista e matar as saudades da vida em família!

Manu se viu sozinha e refletindo com o que Ana falou sobre negar a própria felicidade... Depois de tudo que aconteceu, de fato parecia sem lógica esse cuidado todo, mas ao mesmo tempo...

Empurrando as dúvidas para baixo de um tapete imaginário, Manu se arruma para sair com seu namorado... e, mesmo sem ter certeza do que a noite guarda, decide usar uma lingerie mais sexy e uma saia justa, combinada com uma regata de seda e a trança lateral que ele tanto gostava de mexer...

Não podia negar a saudade do marido e ia deixar a critério dele a forma que o casal encerraria a noite, e a partir daí, pensaria seriamente como acabaria todas as noites que se seguiriam com ele.

Será se estava na hora de retomar por completo a história com o homem de sua vida?

Com um sorriso, vai em direção à porta receber o dito homem, ficando satisfeita com o olhar bobo e o beijo quente que encontrou ao abrir a porta.